Jorge Jesus: "Hoje Vítor Damas seria o melhor do mundo"
Jorge Jesus acredita que é hoje um melhor treinador depois de ter passado sete meses no comando técnico dos sauditas do Al Hilal. "Estive sete meses na Arábia Saudita, não quis continuar. Encontrei um país com um futebol que não é de II Divisão, é muito evoluído. Tem capacidade económica grande, contratas os melhores jogadores, és melhor treinador e esses jogadores compreendem melhor as tuas ideias. Tive de me adaptar à realidade do clube, do país e aos jogadores sauditas, que não gostam muito de trabalhar e não gostam muito de exigências. O José Peseiro treinou no mesmo clube. Foi uma experiência muito boa e vim mais treinador da Arábia Saudita", afirmou o antigo treinador de Benfica e Sporting, num painel sobre "Treino em Contextos Diversos" no fecho do Fórum Nacional de Treinadores, em Portimão.
"Estava habituado a treinar de manhã mas eles têm uma cultura diferente. Uma vez estava muito calor e fomos para o ginásio na véspera de um jogo e depois de um exercício uns não se levantaram porque estavam a dormir", completou.
Com experiência no mesmo clube árabe, José Peseiro lembrou como teve de se adaptar a um país em que a religião tem grande influência. "Qual é a autoestima de quem acha que quem decide é Alá? Qual é a autoestima de um jogador que acha que quem vai decidir o resultado é Alá e não o treino?", questionou o ex-técnico leonino.
Tanto Jorge Jesus como José Peseiro começaram a carreira na extinta III Divisão, tendo subido a pulso para chegar à elite. Hoje, acreditam, são treinadores bastante diferentes. "Vamos moldando, aprendendo e fazendo as nossas ideias ao longo da carreira. Vejo aqui muitos jovens e não me canso de dizer isto: todos queremos ser treinadores, mas o fator mais importante é a criatividade de cada um. Tentar copiar o que os outros fazem não é o que faz evoluir, mas também é importante olhar para os outros para tirar ideias. Seguramente não sou o mesmo treinador que começou há 30 anos no Amora. Fui sempre criando os meus treinos pela minha cabeça e em função das minhas ideias. Hoje é mais fácil ser treinador do que quando eu comecei. Antigamente estavas no banco ou no treino e tinhas de compreender sozinho o que se passava, hoje tens uma equipa técnica a teu lado", opinou Jesus, corroborado pelo colega de profissão, num painel moderado por Carlos Dinis e que também contou com a presença do treinador de futsal Bruno Travassos.
"Não acredito em treino em iguais contextos, porque alguém os provoca para serem diferentes. Comecei na III Divisão, no União de Santarém, e tive possibilidades e projetos que me proporcionaram chegar onde cheguei. As realidades entre uma III Divisão e uma I Divisão são incomparáveis. Num lado há dez bolas, noutro há 50 ou 60 bolas. Se calhar hoje não estou habilitado para treinar numa III Divisão ou em distritais", frisou Peseiro. "Naquele tempo era fácil organizar um jantar, agora é preciso quase obrigar os jogadores de uma equipa de alto nível para que apareçam todos. Os jogadores de hoje são muito apaparicados, os treinadores são os pais tiranos. Se calhar temos que abrir vagas na equipa técnica para ter gajos que digam eles são muito bons mesmo que sejam uma merda", contou.
A utilização dos guarda-redes no futebol moderno foi outro dos assuntos abordados. "Utilizar o guarda-redes na construção permite-te criar vantagem numérica e espaços desde trás. Hoje procuro guarda-redes tecnicamente evoluídos com os pés. Se hoje jogasse um guarda-redes chamado Vítor Damas, seria o melhor do mundo: jogava melhor com os pés do que muitos avançados e era felino dentro da baliza. A nova regra dos pontapés de baliza? Vai ter zero de influência, vai ser igual", considerou Jorge Jesus. "O Barcelona é a única equipa que não tem dificuldade nenhuma em criar espaços. Basta o treinador dizer: 'Messi, ganha lá os espaços'", acrescentou, bem-humorado, mas alertando que o futebol de posse não é para todos: "Eu faço posse de bola porque tenho jogadores para isso. Vocês não façam isso nos vossos clubes porque a bola depois bate na canela e foge."
"O guarda-redes tem uma intervenção no jogo que não tinha há dez anos nos vários momentos de jogo, não é só a atacar", completou Peseiro.
Depois dos guarda-redes, os defesas. Os três centrais voltaram a estar na moda e Jorge Jesus acredita que isso faz parte da "evolução", e que ele próprio no início da carreira insistiu nesse sistema por inspiração de Johan Cruyff. "Não tenho problema nenhum em dizer que nos meus primeiros anos de carreira me inspirei em Cruyff e procurava jogar em 3x4x3 ou 3x5x2 e queria saber como a Laranja Mecânica se movimentava. Jogar com três centrais é mais difícil de ensinar e de jogar, porque a maioria dos jogadores são formados com quatro defesas e não com três. Dizem que o sistema é só números, que não interessa, mas é a partir do sistema que começa tudo. É muito diferente jogar num 4x4x2 ou num 3x4x3. O nosso Nuno Espírito Santo tem feito sucesso com 3x4x3 ou 3x5x2. O Conte também teve sucesso Inglaterra pelo Chelsea com esse sistema", considerou o treinador de 64 anos, que diz ter cinco princípios fundamentais enquanto treinador: "Criar, organizar, transportar ideia para o treino, repetir e acreditar."
"Os três centrais reaparecem numa altura em que o excesso de jogo interior tem tirado muita largura e profundidade às equipas. Louvo o Vítor Pereira por implementar um sistema de três centrais na China com aqueles jogadores. Vi a Taça Asiática e a seleção chinesa era uma desgraça", explicou José Peseiro.