Jorge Jesus e Vítor Oliveira, uma relação difícil que vem de longe
Ninguém sabe bem como começou, mas existe uma animosidade entre os dois treinadores mais velhos da I Liga - Jorge Jesus, 63 anos, e Vítor Oliveira, 64 anos - que nesta tarde estarão em Alvalade nos bancos, respetivamente, de Sporting e Portimonense.
Há algumas pistas que ajudam a decifrar o sentimento entre os dois decanos do futebol nacional, um sentimento que já vem literalmente do século passado. A temporada 2004-05, em que ambos treinaram o Moreirense, é um precioso auxílio. Vítor Oliveira começou a época, Jesus realizou os derradeiros sete encontros, mas, no final do campeonato, os cónegos desceram de escalão, ficando os dois treinadores vinculados ao desaire.
"São duas pessoas muito diferentes. Vítor Oliveira é mais calmo, mais reservado, sabia agregar o grupo, um gentleman. Percebeu que a equipa não estava a corresponder e chegou a acordo sem criar atritos com ninguém. Jesus chegou com a sua irreverência, própria de um apaixonado pelo futebol, com uma personalidade distinta e uma atitude mais agressiva junto dos jogadores", realça Delfim, campeão nacional pelo Sporting na época 1999-2000 e que nessa época representou o Moreirense.
A defesa de Rui Vitória
Delfim não quis desvendar o problema entre os dois treinadores mas deixou uma garantia: "Pode ter a certeza, Vítor Oliveira tudo fará para tirar pontos ao Jesus."
Se a relação já não era a melhor, uma entrevista de Vítor Oliveira ao Porto Canal, há sensivelmente ano e meio, não ajudou a melhorar o relacionamento. Atente-se: "Jorge Jesus perdeu três campeonatos, dois do Benfica para o FC Porto e um do Sporting para o Benfica, porque tem um ego tremendo. Pensou que estava tudo conseguido, com sete pontos de vantagem. Deu um ânimo tremendo ao Benfica, com um ataque feroz e desleal ao Rui Vitória. Os jogadores do Benfica envolveram--se com o seu treinador e fizeram de cada jogo uma batalha. Jesus potencializa os jogadores como ninguém em Portugal, mas foi penalizado por um ataque desleal a um colega de profissão. Fora do campo Jesus é um desastre. Enquanto não perceber isso vai continuar a perder coisas que estão conquistadas."
Amílcar Fonseca, antigo colega de Jesus e amigo de muitos anos dos dois treinadores, defende a liberdade de expressão. "O Vítor limitou-se a dar a sua opinião, não acredito que isso vá influenciar o que quer que seja e, sinceramente, penso que se vão cumprimentar", explica o antigo defesa, sem arriscar, no entanto, uma garantia total de que vá dar-se o habitual aperto de mão.
Comparando os dois amigos, Amílcar Fonseca faz uma distinção curiosa entre os dois treinadores. "O Vítor tem mais sentido de humor do que o Jesus. São os dois supercompetentes, mas o Jesus é uma pessoa que tem dias em que gosta de brincar e outros que não. O Vítor tem um enorme sentido profissional e está a demonstrar que é um grande treinador, capaz de treinar qualquer equipa. Digo--lhe... eu sou muito amigo dos dois, muito mesmo, mas se fosse jogador gostava de ter o Vítor Oliveira como treinador. O Jesus não gostava... a não ser que fosse um Ronaldo ou um Messi. Porquê? Porque o Jesus vive o futebol 24 horas por dia, mas há vida para além do futebol. E depois eu faço ideia daquilo que os jogadores sofrem quando não fazem aquilo que ele quer", diz, entre gargalhadas.
Olhando para a carreira dos dois treinadores percebemos que andaram muitas vezes a par, mas em pistas diferentes. Jorge Jesus tem feito carreira sobretudo no escalão principal, ao passo que Vítor Oliveira foi o técnico mais pretendido da II Liga, pois alcançou a subida em dez ocasiões. Na atual época resolveu regressar à I Liga, mantendo-se à frente do Portimonense, dez anos depois da última aparição, então à frente da União de Leiria.
Este facto levou a que se tenham defrontado poucas vezes. Em três décadas de carreira simultânea, Jesus e Vítor Oliveira enfrentaram-se cinco vezes, com vantagem para Vítor Oliveira (duas vitórias, dois empates e uma derrota). Mas para a I Liga só se defrontaram em duas ocasiões e ambas na mesma época, 1999-2000: o Est. Amadora de Jesus foi goleado em casa pelo Belenenses de Vítor Oliveira por 3-0 na primeira volta. Na segunda volta os tricolores empataram (1-1) no Restelo.
Pelo Belenenses, neste duplo duelo, alinhou o internacional português Fernando Mendes, que, curiosamente, considera Jorge Jesus "o melhor treinador" que teve. "Nem me lembrava, foi no ano a seguir a eu ter saído do FC Porto e um ano antes de apanhar o Jesus no V. Setúbal. Tive a honra de ser treinado pelo Vítor Oliveira, um grande treinador com provas dadas e com um relacionamento fantástico com os jogadores, mas o Jesus foi o melhor treinador que tive na carreira. Aprendi mais com 35 anos do que até aí com todos os outros. Ele é chato, muito chato, por vezes incomoda, mas isso é bom porque aprendes." Para o jogo desta tarde, Fernando Mendes considera que "o Sporting tem de ganhar, pois tem perdido os campeonatos em Alvalade".
Delfim diz-se "surpreendido com o futebol do Portimonense" e sublinha que, "ao contrário do FC Porto, que está muito consistente, o Sporting pode dizer-se que tem ganho, mas pode estar aí a estrelinha de campeão". Já Amílcar Fonseca... "torceria sempre pelo Portimonense" mesmo que os treinadores trocassem de banco.
A Jesus resta a consolação de que no último encontro entre os dois, em 2011, o Benfica goleou o Aves por 4-0 a contar para a Taça da Liga, mas ainda lhe falta estrear-se a vencer Vítor Oliveira em jogos da I Liga.