Pela primeira vez, os independentistas catalães conseguiram mais de 50% dos votos. Mas o acordo de governo só foi alcançado três meses depois das eleições, a dez dias da data limite. Qual é a sua opinião sobre este acordo? A Òmnium Cultural é a principal entidade cívico-cultural do país, não nos corresponde definir os tempos da legislatura nem da formação de governo. Mas pedimos que se respeite o mandato das urnas. Que se responda às exigências de 80% da sociedade catalã que quer pôr fim à repressão e exercer o direito à autodeterminação, assim como enfrentar a crise sanitária, social e económica sem precedentes..A relação entre a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Junts per Catalunya já não era boa no anterior governo. Como foi tão difícil chegar a um acordo, acha que é a legislatura vai durar? O principal objetivo da repressão é dividir os que lutam. Prisão, exílio e mais de 3300 pessoas alvo de represálias dificulta fazer política ou ativismo com normalidade. Defendemos a transversalidade do movimento e temos consciência que é uma das suas principais forças. Defendemos a soberania dos deputados do Parlamento da Catalunha, eleitos democraticamente diante de uns poderes do Estado que se dedicam a proibir sistematicamente leis aprovadas de caráter social para melhorar a vida dos cidadãos. A situação é grave e confiamos que a classe política catalã saberá escutar a voz da cidadania, nós continuaremos a pressionar nas ruas..Acha que o governo de Espanha aceitará um dia um referendo sobre a independência catalã? Só lutando podemos consegui-lo. Vimos casos semelhantes no Quebeque e na Escócia, porque não na Catalunha? Por parte dos poderes de Estado há uma resistência atávica a ouvir a voz da cidadania, mas isto não é novo, a maioria das transformações e dos avanços ao longo da história produziram-se graças ao envolvimento e à luta dos cidadãos. Continuo convencido que a luta não violenta e a desobediência civil são as nossas melhores ferramentas, sem esquecer a cultura. Isto não se trata apenas de independência, trata-se do exercício de direitos fundamentais..Foi condenado a nove anos de prisão por sedição por protestos antes do referendo da independência de 2017. Arrepende-se? Não, como disse durante o julgamento: "Voltaria a fazê-lo". Exerci direitos fundamentais. E estou orgulhoso, não me arrependo de nada, pelo contrário, fiz o que devia fazer como presidente da Òmnium Cultural e em representação dos seus mais de 190 mil associados. A liberdade de expressão, o direito ao protesto pacífico ou qualquer outro direito humano defende-se exercendo-o. Não cometi nenhum crime, como assinalam o Grupo de Trabalho de Detenções Arbitrária da ONU ou a Amnistia Internacional, entre outras. A concentração de 20 de setembro de 2017 foi um protesto pacífico e espontâneo de milhares de pessoas em solidariedade com 15 detidos acusados de preparar um referendo. Como é possível que esteja preso por isso? Há umas semanas, a relatora do Conselho da Europa designou-me como o único defensor dos direitos humanos preso na União Europeia. Esta situação devia envergonhar as autoridades espanholas. Por quanto tempo o Estado está disposto a violar os direitos fundamentais para proteger a unidade de Espanha?.Qual é a sua opinião sobre os líderes independentistas que optaram por fugir em vez de enfrentar a justiça, como o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont? Aqui a única pessoa em fuga é o rei emérito que começou o seu reinado com uma economia pessoal mais que modesta e agora é uma das principais fortunas da Europa. Continua em Abu Dhabi a gozar da inviolabilidade que lhe dá um decreto franquista, enquanto o seu filho e o governo do PSOE são os seus principais encobridores. Uma vergonha e um roubo. Os exilados apresentaram-se sempre diante da justiça dos respetivos países onde vivem. De facto, são cidadãos europeus que podem viajar por toda a Europa livremente, exceto por Espanha. Ninguém acha isso estranho? A prisão e o exílio são duas caras da mesma moeda da repressão..No ano passado teve direito a um regime de semiliberdade, que lhe permitia passar apenas a noite na prisão. Contudo, as autoridades reverteram essa situação. Que impacto teve essa decisão? Estivemos no terceiro grau durante 11 dias do verão de 2020. A verdade é que, depois de três anos e sete meses de prisão em que se ignoraram as principais organizações de direitos humanos, não nos surpreende. Quando começou a covid-19, também nos negaram o pedido de prisão domiciliária feito pela alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet. O objetivo do Estado é que deixemos de lutar politicamente, mas aprendi que a prisão é um altifalante privilegiado para reivindicar os direitos humanos e a liberdade, também da Catalunha. Nunca renunciarei a continuar a ser presidente da Òmnium Cultural, a ver crescer a minha família e a procurar a felicidade em cada detalhe e instante, por mais dura que possa ser a situação..Tem algum recurso pendente? Estamos à espera de um no Tribunal Constitucional pela violação de direitos fundamentais desde 16 de outubro de 2017, em que fiquei em prisão preventiva. Para poder recorrer ao Tribunal de Estrasburgo é preciso esgotar a via interna. O próprio Tribunal Constitucional, apesar de ser extremamente politizado, com os mandatos caducados por parte dos seus juízes, já se pronunciou contra dois presos políticos, mas com dois votos particulares, num total de sete, que reconhecem a violação de até quatro direitos fundamentais e sentenciam que "sem uma observância escrupulosa dos direitos fundamentais, a preservação do Estado de Direito não é possível". Na cúpula do poder judicial, o franquismo sociológico sobrevive, embora haja algumas brechas..Acredita numa amnistia ou num indulto por parte do governo? Nunca pedimos nem pediremos um indulto. Comuniquei isso mesmo ao Supremo Tribunal na semana passada. Não me arrependo de nada do que fiz. Defendemos a amnistia, porque é a única solução global contra a repressão que afeta mais de 3300 cidadãos, que veem os seus direitos civis e políticos violados, sob acusações sem qualquer credibilidade. A amnistia não é uma solução só pedida pelos independentistas, há muitas vozes democráticas e progressistas que a pedem. Até em Portugal. Apesar dos vetos do PSOE, PP e da extrema-direita do Vox, que andam de mãos dadas até para permitir um simples debate parlamentar, continuaremos a pressionar em todas as frentes para que o Congresso tramite uma Lei de Amnistia, não podemos renunciar a isso. Sabemos que a mudança de posição da Moncloa só é possível com mobilização social e pressão institucional, também internacional..susana.f.salvador@dn.pt