"Jonas merece ser considerado o melhor brasileiro da história do Benfica"

É um dos futebolistas marcantes na história do Benfica e mesmo do futebol português, pelo perfume que destilava no meio-campo encarnado. Ainda passou pelo PSG antes de uma segunda passagem pela Luz
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Aos 54 anos, Valdo está no Congo a dar passos firmes como treinador, mantendo-se à espera de um convite de um clube nacional. Em conversa com o DN, analisa o futebol atual, passando por vários temas inclusive por aquilo que pode vir a passar-se no próximo Mundial. Como é óbvio, está muito atento ao sucesso desportivo do seu Benfica, no qual se tem notabilizado um compatriota seu.

Está no Congo como coordenador das seleções jovens. Como surgiu essa oportunidade?

Através da Nike. Trabalhava para os Lusitanos de Saint-Maur, introduzi a Nike no clube e depois surgiu esta oportunidade. Vim ao Congo, troquei impressões com as pessoas e acertámos tudo.

Quais são os objetivos?

Estou a trabalhar com as seleções de sub-15 a sub-20, vamos tentar a qualificação para os mundiais de sub-17 e sub-20.

Está feliz no Congo?

Sim, muito feliz. Tirando as saudades que tenho da família, da minha mulher e da minha filha, e dos meus amigos... estou feliz+ porque estou a trabalhar num momento tão difícil que o mundo atravessa. Faço o que gosto, mas se tivesse uma oportunidade de trabalhar em Portugal...

Era isso que lhe ia perguntar. Já treinou no Brasil, na Argélia e agora no Congo. De Portugal nunca recebeu um convite?

Até agora não. Bem... houve uma possibilidade há muitos anos de ir para o Portimonense, que tinha de vencer os últimos cinco jogos para se salvar. Disse ao presidente que não fazia milagres. E isto numa altura em que o Portimonense estava na II Liga.

Sei que gostava de treinar o Belenenses por causa do bisavô da sua mulher...

Sim, foi um dos fundadores do clube. Gostaria muito de treinar o Belém e sei que um dia vou treinar o Belém.

Treinar o Benfica é um sonho ou um objetivo?

Sou um sonhador, mas com os pés no chão. O mais importante é começar e ter uma oportunidade em Portugal, depois o resultado do meu trabalho é que vai determinar se um dia vou treinar o Benfica. Quando abracei a carreira de treinador... não foi a pensar no Benfica. Sou profissional, tenho família para sustentar e vou trabalhar para chegar longe.

Ou seja, pode tanto treinar o Benfica como o Sporting ou o FC Porto?

Lógico, sou profissional, mas o que gostava era de ter uma oportunidade em Portugal.

E se surgisse voltava já?

Claro, se for uma oportunidade dentro de um projeto em que se perceba que objetivos são para atingir. O problema é que no futebol um treinador chega hoje mas o resultado tem de ser para ontem.

O Benfica está a passar um período de grande sucesso. Como vê estes quatro títulos consecutivos?

Dois de Jorge Jesus e outros dois de Rui Vitória. Antes o Benfica tinha um plantel maravilhoso e um trabalho brilhante de Jorge Jesus. Para mim, Jesus foi dos melhores treinadores que passaram pelo Benfica. Quando ele vai para o Sporting as coisas abanaram um pouco até Rui Vitória pôr as suas impressões digitais na equipa. Quando se tem um bom marinheiro o barco chega a bom porto. Houve aquela discussão direta dentro e fora de campo com o Sporting de Jorge Jesus e o FC Porto mais longe, diferente daquele a que nos habituou, diferente do FC Porto deste ano. Bem sei que na época passada o Benfica disputou mais o campeonato com o FC Porto, mas não era o FC Porto que é hoje e perdeu pontos que não podia perder. O Sérgio Conceição é a cara do FC Porto, ele conseguiu incutir na equipa aquilo que ele era como jogador. aguerrido, chato, provocador, mas com muito talento. Era um grande jogador, mas muito chato. A equipa joga à imagem dele, um futebol bonito praticado de forma aguerrida. Há algum tempo que não víamos as três forças máximas do futebol português em condições iguais de ganhar o título.

Sabe que o domínio do Benfica está a ser ensombrado por aquilo que se denomina caso dos e-mails e há uma investigação em curso pelos crimes de corrupção ativa e passiva...

Não me pronuncio sobre isso até porque ainda não percebi bem. Aqui, através da parabólica, vejo essencialmente jogos, seja de I Liga ou II Liga, e o Maisfutebol, programa do meu amigo, desse enorme jogador, Pedro Barbosa. Para o resto não tenho paciência. Mas digo uma coisa, seja qual for a verdade, ela que venha à tona.

Que imagem tem de Luís Filipe Vieira?

É um vencedor, já estive em várias Casas do Benfica com ele - ninguém esteve em mais Casas do Benfica do que eu. Luís Filipe Vieira tem conseguido vitórias em todas as áreas; equilibrou financeiramente o clube, construiu um novo estádio e deu um grande impulso a todas as modalidades, não só no futebol.

Jonas tem estado em grande destaque desde que chegou à Luz. Pensa que se arrisca a ser considerado o melhor brasileiro da história do Benfica?

Claro que sim, hoje tem grande influência no futebol do Benfica e é um goleador nato. Além de saber jogar futebol, é um goleador nato. Ele merece ser considerado o melhor brasileiro da história do Benfica.

Esteve quatro anos e meio no Benfica, qual é a melhor recordação que guarda das duas passagens pela Luz?

A melhor recordação desportiva foi o triunfo por 0-2 nas Antas, com dois golos do César Brito, que praticamente nos deu o título. Guardo na memória jogos... há um em Braga em que vencemos por 3-0 e fiz dois golos. Guardo bons momentos, mais da primeira passagem. Na segunda o avião estava a balançar muito e a coisa estava complicada, com confusão e muitos jogadores a chegar sem identificação com o clube, sem aquele vínculo que havia quando fui contratado.

O que lhe faltou fazer no Benfica?

Vencer a Taça dos Campeões. Na primeira final com o PSV já era jogador do Benfica, mas houve um acordo e eu permaneci no Grémio de Porto Alegre. Vi pela televisão. Depois joguei a final com o AC Milan. Estivemos perto... mas olhando para os dois plantéis, o do AC Milan era muito superior ao nosso, com todo o respeito que devemos ter por nós próprios. Giovanni Galli, Tassoti, Baresi, Costacurta, Maldini, Ancelotti, Rijkaard, Gullit, Van Basten e Evani...

Sabe o onze de cor...

Sei... porque gosto de bom futebol, e eles eram tecnicamente bons e com uma entrega física fantástica. E não eram só os três holandeses, mas quando se tem um avançado como o Marco van Basten...

A sua vinda para a Luz motivou uma longa novela. Quanto achava que valia hoje? Mais de cem milhões de euros?

Tudo é possível, o mundo está tão doido. Valeria alguma coisinha, qualquer chouriço hoje vale 40, 50, 60, 70 milhões.

Teve uma passagem de enorme sucesso no Paris Saint-Germain (PSG) que culminou na obtenção do título. Foi aí que começou uma relação forte com Artur Jorge, que tinha sido seu rival em Portugal. Artur Jorge foi o melhor treinador da sua carreira?

Não posso dizer que foi o melhor, mas foi um treinador extremamente importante e foi ele que conseguiu fazer de mim aquilo que eu não sabia ainda que era. Ele consegue levar os jogadores à excelência. Psicologicamente, ele era muito forte, muito forte.

Esteve com Artur Jorge no PSG e depois mais tarde no Benfica. Foi ele que o convenceu a voltar?

Sim, mas no Benfica só estivemos juntos três jogos, ele depois saiu. A massa associativa do Benfica atribui à contratação do Artur Jorge o início da crise, mas eu não concordo com isso, apesar de respeitar esse ponto de vista.

Pode dizer-se que se não fosse Artur Jorge dificilmente voltaria ao Benfica?

A ida do Artur Jorge e também do Ricardo para o Benfica facilitou... vou contar uma coisa: quando estive pela primeira vez no Benfica, o clube procurava um central e eu indiquei o Ricardo. Depois ele foi primeiro do que eu para o PSG e quando eles procuravam um médio ele falou Valdo. Voltou para o Benfica e trouxe--me. A realidade é essa.

Foi adjunto de Artur Jorge na Argélia. Lamenta que ele esteja retirado?

É mais do que merecido o descanso. Foi um treinador que deu tudo o que tinha para dar ao futebol e que é reconhecido mundialmente. O nome do Artur Jorge está gravado para sempre como um dos melhores treinadores que passou por esta modalidade. Ganhou o que ganhou no FC Porto, ganhou o que ganhou no PSG, trabalhou no Benfica, na Rússia e em muitos outros países. Faz falta pela sua personalidade e maneira de ser, mas tudo tem o seu tempo. Tive o maior prazer em trabalhar com ele como jogador e como seu adjunto. Foi muito boa a passagem pela Argélia, aprendi muito.

Mantém uma ligação mais próxima com o PSG ou com o Benfica?

No Benfica estou mais à vontade por ser a minha língua e estar mais presente, apesar de ter representado mais tempo o Paris Saint-Germain. Mantenho uma forte ligação com o PSG, quando estou em França vou ao centro de estágio e sou convidado para os jogos como também sou no Benfica. Escolhemos aquilo que plantamos. Nunca disse que fui um grande jogador, mas sempre disse que fui um grande profissional.

Vê o Brasil com Tite ser campeão do mundo na Rússia?

O Brasil tem tudo para ser campeão do mundo. O treinador é muito competente, mas os bonecos que estão lá dentro é que vão fazer a diferença. Se os jogadores estiverem concentrados e focados... Neymar, Coutinho, Fernandinho, Fabinho... têm muitos jogadores de qualidade. Como dizem os argelinos, InshAllah (se Alá quiser) que o Brasil seja campeão do mundo, mas eu acredito que há uma seleção que vai dar muito trabalho; a seleção francesa, principalmente se o Mendy recuperar. Com Sidibé na direita e depois Mbappé, Martial, Coman, Pogba, Kanté, Lacazette, Griezmann, Fekir, atrás o Varane e o Koscielny... vão chegar à Rússia quietinhos, mas vão fazer muito barulho. E atenção à Nigéria, que é muito, muito forte.

E Portugal?

Portugal tem muitas condições para fazer uma boa campanha. A maioria dos jogadores estão em grandes equipas. Antigamente qual era a diferença? A maioria só via os grandes jogadores nestes eventos e então ficava a olhar, a contemplar. Hoje não, todo o mundo joga com todo o mundo. O que vai sentir o André Gomes ou o Nélson Semedo se defrontarem o Messi ou o Luis Suárez no Mundial? Nada, estão com eles todos os dias.

Mas acredita que Portugal pode ser campeão do mundo ou tem mais fé no seu Brasil ou na França?

Se dissesse que colocaria Portugal ao mesmo nível do que o Brasil, que espero que seja campeão, estaria a mentir. Se me perguntar se Portugal tem condições para ser campeão do mundo, claro que tem. Mundial é exatamente o que fez o meu amigo Fernando Santos no Europeu. Neste tipo de competição não se tem de dar espetáculo. Tem de se chegar no início e sair no fim. Quem ganhou no fim? Portugal. Que pode fazer novamente uma grande surpresa. O lote de jogadores é quase o mesmo, juntando três ou quatro jovens. E quem melhor do que Fernando Santos para saber como se ganha este tipo de competição? Marca um ou dois golos e, mesmo sem espetáculo, ganha. Em 1982 o Brasil deu espetáculo e foi-se embora, em 1986, estava eu lá, demos espetáculo e fomos embora. Em 1990 diziam que tínhamos um futebol triste, defrontámos a Argentina, jogámos pra caramba, bola na barra, no poste, Cannigia marca a passe do Maradona e no final o que deu? Mala. Arruma a mala e vai para casa.

Quais são os seus favoritos?

Brasil, França, Alemanha...

E a Argentina?

Os brasileiros vão matar-me, mas eu torço pela Argentina por causa do Messi. Todos dizem que Messi nunca ganhou um mundial, mas ninguém fala de que na final com a Alemanha o Higuaín falhou duas oportunidades de baliza aberta. Mas a Argentina calhou num grupo muito complicado com a Nigéria.

Confia muito na Nigéria?

A Nigéria... é uma força bruta que Deus me livre. Muita força, muita técnica e muita velocidade. E a maioria dos jogadores já representam as melhores equipas europeias.

Última pergunta. Ronaldo, Messi ou Neymar, quem é o melhor do mundo?

Não dá para dizer, para mim não dá. No cômputo geral - cabeça, corpo, velocidade, impulsão - Ronaldo é o primeiro porque é o mais completo dos três. Se falarmos de perfume, essência... bem, se você me perguntar; Futre ou Chalana? O Futre tinha a velocidade, o Chalaninha, meu ídolo, balançava para a esquerda, caíam quatro ou cinco e ele ia para a direita. Ia para a direita, caíam mais cinco e ele ia para esquerda. O Messi tem um talento inato, é dele, é perfume. Se o Messi estiver lesionado e voltar em uma semana, ele consegue jogar, porque é puro, é perfume. Já o Ronaldo precisa de estar bem fisicamente porque é uma máquina. Para mim, o Messi é um fora de série. O Neymar é uma mistura dos dois e faz coisas do arco da velha. É injusto dizer que este ou aquele é o melhor. Quando constatamos que Iniesta nunca ganhou uma Bola de Ouro, alguma coisa está errada. Xavi também nunca ganhou. Para concluir, só posso dizer que não gostaria de defrontar nenhum dos três. Quem os defronta tenho a certeza de que na véspera não dorme [risos].

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