"Estava a ser difícil treinar, acordava com dores, terminava o treino com dores"
Ao minuto 10 do jogo com o Arderlecht, do dia 10 de julho, o Benfica despediu-se do camisola 10: Jonas. O brasileiro não conteve a emoção na hora de recordar os momentos da despedida à Benfica TV.
O que lhe vai na alma? Dormiu melhor antes ou depois do jogo e da homenagem?
Estava muito ansioso, confesso. Estava à espera deste momento desde o meu período no Brasil, já tinha definido que ia terminar a minha carreira aqui no Benfica e confesso que está a ser difícil dormir. Mas faz parte. É por uma boa causa. O que vivi ontem [quarta-feira] aqui deixa-me, de uma certa forma, feliz por ter acabado a carreira aqui. Era o que queria, era o que eu desejava. Eu e a minha família estamos muito felizes por ter cumprido esse desejo.
Ainda está tudo muito fresco?
Estou muito emocionado com o que aconteceu ontem [quarta-feira]. Tomei a decisão certa, foi pensada e conversada com a minha família. Ao mesmo tempo que me emocionou, também fico feliz por ter terminado a carreira no momento certo porque, a partir de agora, não iria conseguir jogar o que gostaria.
O que sentiu no momento [em que os adeptos se levantaram para gritar o nome do brasileiro]?
Foi uma mistura de muitas coisas. Senti que seria o meu último momento como jogador profissional, passou pela minha cabeça o início de jogar em casa. Era um sonho que tive e acabou por ser realizado. Eu estava muito sorridente e era assim que eu queria terminar a minha carreira: alegre e feliz. Isso tem muito a ver com a decisão ter sido tomada no momento certo.
Jonas, há pessoas que perguntam: não dava mesmo para jogar nem mais um aninho?
Não dava. Há dois anos que tenho a lesão na lombar. No último ano as dores foram mais intensas, as dificuldades, os treinos, as viagens... No início da época passada arranquei mais tarde do que os meus colegas, perdi algum tempo, mas voltei confiante e joguei até dezembro. Em agosto tive a primeira crise, em janeiro tive outra e parei de novo. Mandei uma mensagem à minha família a dizer que, a partir de agora, vou ver se consigo ir até ao fim da época. Estava a ser difícil treinar, acordava com dores, terminava com dores. Depois veio o Bruno Lage e foi fundamental. Tive uma conversa com ele... falei com o Tiago Pinto, com o Rui Costa, queria falar com o Presidente, mas não deixaram. Falei com o Bruno Lage e explicou-me a minha programação até ao fim da época. Ele disse-me: "Como queres acabar a tua carreira no fim da época, tem de ser dentro de campo, como um campeão". Essa conversa deu-me confiança e força, e agradeci-lhe muito. Tive treinos em que estive apenas 20 minutos e depois ia fazer alongamentos, tinha treinos que nem ia... Foi tudo programado. O Bruno Lage tratou-me de uma forma que me deixa muito grato.
É possível, para lá da relação entre presidente e jogador, construir uma relação de amizade?
Sim. O presidente tem uma característica que para mim é fundamental, e eu identifico-me muito com ele, que é a humildade. Estando à frente de um clube como o Benfica, tem uma humildade incrível. Eu acho que isso mexeu muito comigo desde a minha chegada aqui. A proximidade dele com os jogadores também é uma coisa impressionante. Cheguei a comentar isso com ele. Em nenhum outro clube tinha tido esta aproximação. Aqui, o presidente está sempre connosco no Seixal, está sempre a trabalhar connosco... inclusive no dia em que rescindimos, ele estava de fato de treino. Este é o presidente: genuíno. Um homem que trabalha 24 horas por dia por este Clube, que trabalha para nos dar o melhor, de uma humildade tremenda, de um conhecimento e de um caráter muito grande. Eu vou levar este respeito e este carinho para sempre.
Lembra-se da primeira conversa com o Presidente Luís Filipe Vieira?
Quando venho para Lisboa, venho com as malas no Valência. Ainda não tinha proposta e aí é que iniciámos a negociação. Foi a primeira vez que estive presente numa negociação. Não queria ficar em Valência e havia a hipótese de assinar contrato com o Benfica. Foi marcante para mim e para a minha família. Vim para cá e com as malas para fortalecer e para mostrar que queria mesmo vir para o Benfica.
Vieram a público notícias de que o Benfica pagaria um ordenado milionário para o Jonas deixar de jogar futebol. E verdade? Que tipo de acordo foi esse?
Não teve nada disso, até porque eu tinha mais um ano de contrato. Se eu pensasse na questão financeira ia continuar a jogar. A questão aqui foi mesmo a questão física que eu expliquei ao presidente e a todos que não continuaria a jogar futebol por causa deste problema que tenho. Depois disso houve um acordo que correu dentro da normalidade. Tudo isso que saiu é informação falsa. Na rescisão houve respeito, carinho, e o lado financeiro não foi a principal questão.
Qual é a primeira palavra que surge quando pensa no Benfica?
A primeira palavra que surge quando falo no Benfica é amor. Foi construída aqui uma relação muito forte, do início ao fim.
Quando entrou no jogo com o Santa Clara [em que o Benfica se sagrou Campeão] já sabia que ia terminar a carreira e por isso é que estava em lágrimas?
Sim, já tinha decidido que ia terminar a minha carreira, mas, claro, eu queria voltar para o meu país de férias, conversar com a minha família... ali eu tinha 99,9% de certeza. Só faltava partilhar com a minha família esse meu desejo. Esse jogo foi um momento marcante porque o João [Félix] - que dispensa comentários - saiu para eu entrar. Foi emocionante.
Bruno Lage vai levar o Benfica ao 38, ao Bicampeonato?
Com certeza. Este homem é um senhor da bola, um ser humano fantástico. O Benfica está em boas mãos, porque o Bruno Lage é muito competente e todos estão felizes com ele.
Há uma imagem muito interessante na homenagem que é quando o Bruno Lage o abraça e lhe diz algo ao ouvido...
Transmitiu o que tínhamos falado no gabinete dele em fevereiro. Recordou que eu estava a acabar como deveria, no campo e campeão.
Todo o plantel deixou-lhe mensagens, até nas redes sociais, mas houve uma mensagem que quero destacar, que é a de João Félix. Seria o seu herdeiro no plantel do Benfica?
Sem dúvida. Há grandes jogadores, com muita qualidade, mas o Félix tinha tudo para fazer essa trajetória. Depois de uma proposta daquela, a negociação foi muito boa.
Ainda sobre João Félix... há quem ache que pode dar cartas, há quem diga que pode falhar. O que acha o Jonas?
Está preparado, tenho a certeza. É um menino muito maduro e tem uma família por trás, um pai e uma mãe... ele está preparado. Divertíamo-nos muito nos treinos, a favor e contra. Quando jogava contra ele nos treinos ficava nervoso, porque ele tem muita qualidade. Ele está preparado e vai ter uma carreira vitoriosa. Merece. Integrou-se muito bem no nosso plantel. Vai dar muitas alegrias aos adeptos do Atlético de Madrid e aos portugueses.
Quem pode ser o seu herdeiro da camisola 10 no plantel do Benfica?
É difícil apontar um, mas nestes cinco anos eu gostava muito de combinar jogadas com o Pizzi. Há muitos outros jogadores, mas havia uma química. Mas eu sei que ele gosta da camisola 21. Há hoje grandes jogadores do Benfica que podem assumir a camisola 10 e fazer um grande trabalho.
Sem Jonas e João Félix os benfiquistas podem na mesma ficar descansados?
Sim, a base é muito forte. Em princípio a base deve ser mantida e com os jogadores que chegaram - que se nota que têm qualidade - o Benfica continua forte para a próxima época.
Qual foi momento mais marcante no Benfica?
O primeiro título, em 2014/15. Foi marcante, foi na primeira época. Comemorei muito porque foi muito merecido.