Depois de três anos no "inferno", o CF Os Beleneneses vai voltar à ribalta no futebol nacional, pelo menos por uma noite. Quis o sorteio da Taça de Portugal que a equipa do Restelo, atualmente a disputar o Campeonato de Portugal, recebesse o Sporting, atual campeão nacional, na terceira eliminatória, em jogo agendado pera esta sexta-feira (20.45, TVI). Patrick Morais de Carvalho, o advogado portuense que preside aos destinos dos azuis, não cabe em si de contente, mesmo tendo a consciência que este será o "mais desnivelado dérbi" da história. Numa conversa com o DN, o dirigente fala sobre uma recompensa para todos os que, desde 2018, tentam recolocar o clube no seu lugar histórico, a consideração por Rúben Amorim, as dificuldades que passou com a pandemia e o imbróglio jurídico que mantém com a SAD, apesar de já nada ligar as duas instituições a não ser a disputa por um nome..O que é que o sentiu quando viu que o sorteio da Taça de Portugal proporcionou um encontro entre o seu Belenenses e o campeão nacional Sporting? Senti que era um momento extraordinário, que era um grande prémio para os sócios, para os adeptos, para a equipa técnica, para os jogadores e para todas as pessoas que em 2018 decidiram iniciar este caminho, esta descida ao inferno, como eu costumo dizer. E acho que é igualmente um momento fantástico para o país desportivo: se alguém ainda tiver dúvidas é hora de perceber de uma vez por todas que o Belenenses está no Restelo e não está em mais lado nenhum. Desse ponto de vista, o sorteio foi fantástico para nós..Como é que este sorteio foi recebido no balneário? Eles sentiram como se fosse uma recompensa e um prémio, além da possibilidade de, em termos desportivos, terem um teste diferente daqueles que temos tido até agora. É o jogo mais importante desde que fomos ao inferno, é reviver um clássico. Há quem diga que é o maior dérbi do futebol português, um Belenenses-Sporting, já se disputaram 240 e este será seguramente o mais desnivelado da história. Temos consciência que há uma diferença abissal entre os plantéis entre um clube que está atualmente no quarto escalão e o Sporting que é o campeão nacional. Há uma diferença muito grande..Mas, ainda assim, o que é que o presidente do Belenenses acredita que pode acontecer? Um pequeno milagre? -A história está cheia de Davides que ganham a Golias. Mas temos de ter a consciência de que há um desnível muito acentuado e as nossas probabilidades são mínimas. Mas não vamos fazer turismo, vamos entrar em campo para dignificar a camisola do Belenenses e a Cruz de Cristo, numa prova onde temos grande tradições. Já vencemos a Taça de Portugal em três ocasiões, já fomos a oito finais e portanto há aqui um peso grande, sendo certo que nos vamos agarrar às possibilidades mínimas que temos de alcançar qualquer coisa positiva. Mas, neste jogo, o mais importante para nós não é o resultado: é toda a gente em Portugal, os órgãos de comunicação social, todo o país desportivo, a sociedade civil, perceberem que o Belenenses está no Restelo e não está em mais lado nenhum..E vamos ter a oportunidade de ver um dos estádios míticos do país num jogo de grande dimensão. Está à espera de muitos adeptos nas bancadas esta sexta-feira? Sim, acho que vai estar uma grande casa, será uma grande propaganda para o futebol português e para a Taça de Portugal, vai ser a festa do futebol e esperamos milhares de pessoas. E acredito que será um bom jogo, estamos motivados, os jogadores estão motivados e têm aqui uma excelente oportunidades para se mostrarem a toda a gente. Os bilhetes só começaram a ser vendidos hoje [terça-feira] e em meia hora venderam-se 400, de rajada. Vai estar muita gente, seguramente..Ainda por cima, vão proporcionar-se os regressos de Rúben Amorim e do João Palhinha, que já representaram o Belenenses... O Rúben é alguém por quem temos grande consideração, gostamos muito dele, é um jovem que se criou aqui, fez aqui a sua formação, passou aqui a sénior e foi jogador do Belenenses [fez dois anos nos sub-19 e quatro na equipa principal]. Fala sempre com muito carinho e respeito pelo clube e nós também lhe desejamos o melhor em termos pessoais e profissionais, que consiga muitas conquistas... Se puder facilitar e perder aqui na sexta-feira, ficávamos agradecidos. Mas acho que ele não vai nesta conversa [risos]. Já o Palhinha passou numa fase diferente, já estava aí a Codecity [proprietária da SAD] mas ainda foi antes de rutura..Depois de terem cumprido com distinção a passagem pelo inferno, como a qualificou, este ano no Campeonato de Portugal as coisas não começaram muito bem, com uma vitória e duas derrotas. A ambição da direção é subir já este ano à Liga 3 ou ir com mais calma? Eu digo que agora estamos no purgatório. É evidente que começámos mal mas aquilo que posso garantir é que no final do campeonato nós vamos subir de divisão, não tenho dúvidas nenhumas. Temos de corrigir pequenos detalhes e, com todo o respeito por todos os nossos adversários, iremos conseguir a subida. Estamos confiantes e não pode ser de outra maneira..Como é que o presidente do Belenenses define o atual momento do clube? É um clube estável, na situação económico-financeira é talvez dos mais estáveis em Portugal, com uma diferença brutal entre o ativo e o passivo. É um clube com muita saúde nesse capítulo mas é também um clube com problemas recorrentes de tesouraria. Mas tem muita prática desportiva, um grande ecletismo, com muitos atletas, é um clube vivo. Os sócios andam com a equipa sénior ao colo e querem repor o Belenenses na I Liga, porque é esse o seu lugar por direito próprio. A I Liga sem o Belenenses não é a mesma coisa. Não tenho dúvidas que é uma marca que faz falta na competição..Esta pandemia provocou-vos muitos problemas, como aconteceu em quase todos os clubes? Não sei se foi em todos. Para nós foi especialmente penoso, porque como não estávamos nos campeonatos nacionais e profissionais, ficámos impedidos de competir... Os Distritais pararam, as modalidades pararam todas e de repente deparámo-nos com um cenário em que tínhamos milhares de atletas e centenas de treinadores parados e com uma centena de trabalhadores fora da esfera desportiva às costas. Tivemos a felicidade de estar num momento em que o Belenenses não tem dívidas às Segurança Social e à Autoridade Tributária e graças a isso pudemos recorrer aos apoios do layoff e da retoma progressiva. Caso contrário, acho que o Belenenses tinha acabado, não tenho grandes dúvidas. Se tivéssemos dívidas como no passado teríamos acabado, porque sem esses apoios tínhamos acumulado dívidas enormes. O clube até tem receitas mas não tem a principal do futebol destes dias: os direitos televisivos. Todas as sociedades em Portugal vivem disso e nós, por enquanto, estamos impedidos de a ter, o que cria aqui mais dificuldades. Agora, repito, se não fossem os apoios teria sido impossível manter o barco à tona..Quantos sócios tem atualmente o Belenenses? Fizemos a renumeração em 2017, de 33 mil passámos para oito mil e qualquer coisa. Neste momento estamos a chegar aos 11 mil. À medida que vamos subindo, as pessoas também vão voltando. Inicialmente, nem todos aderiram à ideia de irmos para a 7ª divisão, era o caminho das pedras mas sentimos que muitos estão a regressar e a acreditar que é possível..Como é que está o imbróglio jurídico com a B SAD? A recente decisão do Tribunal de Propriedade Intelectual em permitir que eles utilizem o nome Belenenses SAD foi um golpe inesperado para vocês? Não... Para já, não permite, porque é uma decisão que não está transitada em julgado. O clube recorreu e na única decisão transitada em julgado diz que não podem, essa é que é a verdade. Eu coloco isso em dois planos: no plano emocional, aquela equipa da B SAD já não existe no imaginário dos belenenses, não está no coração de nenhum deles. Morreu, está morta e enterrada, não temos nenhuma ligação e isso é o que interessa. No plano jurídico - e eu sou advogado, contra mim falo -, vivemos num país em que a justiça permite que se possam prolongar quase indefinidamente no tempo os processos judiciais. Por isso digo que, para nós, é quase irrelevante as decisões que possam vir a sair dos tribunais sendo certo que a única que nos interessa é que a marca é do CF Os Belenenses e sobre isso não há dúvida nenhuma. A marca esta registada pelo Belenenses que não deu nenhuma autorização à B SAD para a utilizar e essa é a única disputa judicial que nos interessa. Cá estaremos para o que der e vier, o que é certo é que já nada nos liga àquela sociedade, pois vendemos os nossos 10 por cento ao dr. Ricardo Sá Fernandes....É uma SAD que já não tem clube fundador... Sim, é uma SAD de raiz, como dizem todos os especialistas de direito desportivo em Portugal. Pode competir e que sejam muito felizes, agora que se chamem B SAD, Aventais de Cima ou Aventais de Baixo não interessa, apenas que nos deixem em paz e vão à vida deles, que é a única coisa que queremos..Os dirigentes da B SAD regozijaram-se com esta decisão e insistem em utilizar o nome Belenenses... Sim, mas é contrafação. De quem está habituado a abraçar decisões judiciais que lhe são favoráveis e a incumprir aquelas que lhe são desfavoráveis, espera-se tudo. O que não temos dúvidas é que, neste momento, há um processo-crime a decorrer contra a administração da SAD e contra o presidente da Liga, Pedro Proença, por desobediência qualificada a decisões transitadas em julgado num tribunal, que é um órgão de soberania. Estão acusados e vão responder. Para além disso, as pessoas são livres de fazerem o que quiserem..A Liga continua a utilizar, ao contrário da FPF, a designação Belenenses SAD, certo? A Liga incumpre uma decisão judicial que é a única transitada em julgado. E portanto, o presidente da Liga, Pedro Proença, e a sua direção, cometem, todas as semanas, um crime de desobediência qualificada.Ainda assim, não corremos o risco de, daqui a uns anos, termos um Belenenses-Belenenses? Para nós é indiferente. Se calhar, este jogo com o Sporting vale mais do que mil processos judiciais, para toda a gente ficar a perceber o que é, onde está e quem são os adeptos e os sócios do Belenenses. Isso ninguém nos tira..Para terminar, um apelo aos sócios e adeptos do Belenenses para o jogo desta sexta-feira. Que possam estar em grande número, que seja uma festa e apoiem a equipa, num jogo que tem características diferentes do habitual. Que o façam sempre, nos bons e nos maus momentos, na vitória, no empate e na derrota.