À primeira vista, a pandemia do coronavírus que parou praticamente todo o desporto a nível mundial poderia passar um pouco ao lado dos eSports, o desporto eletrónico que nos últimos anos tem vindo a ganhar cada vez mais praticantes e seguidores e que é jogado através de consolas. Mas a realidade não é bem assim, até porque os torneios, ao contrário que se possa pensar, não são feitos a partir de casa e, naturalmente, foram cancelados. Raul Faria, coordenador da divisão de eSports da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), fala mesmo num "duro golpe" para uma indústria que estava em claro crescimento.."A pandemia de covid-19 está a afetar-nos de uma forma dura e preocupante, sobretudo a nível das competições. Todos os eventos têm sido cancelados e isto diretamente afeta todos os seus agentes, desde os organizadores, aos fotógrafos, aos comentadores, passando também pelos patrocinadores. Numa indústria que estava em claro crescimento, este é um duro golpe e que vai obrigar a um esforço de toda a comunidade para ser recuperado. A comunidade já começou a trabalhar nesse sentido, tentando ao máximo dinamizar a modalidade através de iniciativas online, que também podem ser organizadas em conjunto com parceiros. Ainda assim, os eSports vivem de eventos e é através deles que conseguimos garantir e retirar o maior potencial da modalidade", referiu o responsável da FPF ao DN..Gonçalo "Rastaartur" Pinto, profissional de eSports que representa a equipa TS Warrior Player, propriedade de Toto Salvio, o antigo extremo argentino do Benfica, também lamenta a suspensão das provas. "Mudou tudo, porque todas as competições que tínhamos foram canceladas, sem data de regresso. Tínhamos até o qualificador da Liga dos Campeões, que foi também cancelado. A época foi toda suspensa, tanto a nível nacional como internacional", lamentou ao DN. "Tentamos continuar a treinar para não perdermos o nosso ritmo, mas nada por aí além. Estávamos a competir pelo qualificador da Liga dos Campeões e também íamos ter os campeonatos nacionais, em junho, organizados pela FPF. Também os torneios organizados pela Liga... está tudo em suspenso. Até a própria seleção nacional", acrescentou.."A minha vida agora é sobreviver para quando chegarem as competições estar pronto. O mundo não vai acabar. Há que respeitar a quarentena. Treinar muito e ocupar o tempo com outras coisas, como ler livros, jogar outros jogos, tentar ocupar a mente com outras coisas", desabafa Gonçalo, considerado o melhor jogador nacional a nível individual..Raul Faria refere que "o futebol virtual é um desporto que se pode praticar de casa", mas garante que essa "nunca será a estratégia da FPF, que vai sempre ter como objetivo ligar o futebol virtual ao futebol real com presença em estádios de futebol e eventos de massas": "Neste momento, a nossa responsabilidade é promover o jogo em casa, que pode salvar vidas.".Por isso, a FPF começou a tomar algumas medidas e criou há poucos dias o movimento #jogaemcasa, com uma série de competições e iniciativas para promover uma prática que pode ajudar a salvar vidas... ficando em casa. Em conjunto com várias caras conhecidas do universo das seleções nacionais de várias modalidades, como Diogo Jota, Nani, Fifó, Ricardinho, Rúben Neves e outros conhecidos desportistas, "vão existir semanalmente competições e iniciativas para a comunidade poder participar ou assistir, e desta forma proporcionar competição e entretenimento para todos"..O #jogaemcasa tem como objetivo possibilitar que todos continuem a estar perto de alguns internacionais portugueses. As competições Diogo Jota Challenge e "úben Neves Challenge, disputadas no FIFA 20 H2H para a PlayStation 4, vão permitir aos vencedores de cada prova jogarem com Diogo Jota e Rúben Neves - em jogos que terão transmissão no Canal 11..No fim de semana de 21 e 22 de março, a Liga Portugal, em parceria com a Direção-Geral da Saúde, simulou a jornada 26 do campeonato em futebol virtual, com jogadores profissionais das equipas em confronto direto, como por exemplo Fábio Silva a representar as cores do FC Porto e Rafael Camacho do Sporting. O único jogo que não se realizou foi o Portimonense-Benfica - os jogos tiveram a duração de 12 minutos (duas partes de seis), sem qualquer vertente competitiva.."Em Portugal tem existido uma grande dinamização da modalidade e as entidades envolvidas no processo estão de parabéns. Há sobretudo uma grande oportunidade de ligação entre o futebol real e virtual, e os clubes portugueses têm aproveitado isso de uma forma muito positiva. Os craques do futebol adoram eSports e os eSports agradecem a presença dos craques do futebol. Há excelentes iniciativas em Portugal e só aumentam os motivos para ficar mesmo em casa neste momento", apontou Raul Faria.."Vejo estas iniciativas de forma muito positiva, são muito importantes nesta altura. Não só para as pessoas que não sabem o que fazer em casa terem mais uma distração, e mesmo também para conhecerem melhor a realidade dos eSports. Faz bem a toda a gente e espero que surjam mais iniciativas deste género. Ajudam a desenvolver mais esta modalidade com ações mediáticas e ao mesmo tempo prendem as pessoas em casa", opinou Gonçalo Pinto..15 mil jogadores... mas poucos profissionais.Atualmente, na FPF eSports existem mais de 15 mil jogadores inscritos, mais de 250 clubes registados e mais de 12 mil jogos realizados. Desde 2017, a FPF já realizou mais de 30 competições de futebol virtual e marcou presença em mais de dez torneios. "Esta é uma realidade em claro crescimento, dinamizada pela FPF, mas não só. São cada vez mais os jogadores praticantes de futebol virtual mas também em outras modalidades, eventos em grandes palcos, como a Altice Arena, por exemplo, e cada vez mais entidades e patrocinadores envolvidos neste novo desporto", apontou Raul Faria..Para o coordenador da divisão de eSports da FPF, porém, ainda há ainda muito para ser feito em Portugal, pois a realidade está longe da de outros países, sobretudo no norte da Europa, onde a aposta nos eSports é feita a todos os níveis, seja de entidades com o apoio do governo, seja a nível de praticantes e no que diz respeito a patrocinadores. "Mas Portugal está num bom caminho, com cada vez mais exemplos positivos, seja de eventos nacionais ou até mesmo eventos internacionais realizados no nosso país, e claro com a aposta de entidades que trazem valor a esta modalidade. O exemplo mais recente foi a entrada do Benfica, mas não esquecendo outras entidades que já trabalham esta modalidade há vários anos de forma exemplar", recorda Raul Faria..Para este responsável, neste momento já é possível para alguns jogadores viverem exclusivamente dos eSports. "Existem cada vez mais profissionais a tempo inteiro nos eSports, é uma realidade ainda pequena, mas cada vez maior. É algo que vai crescer naturalmente com o evoluir da modalidade, mas é preciso também trabalhar essa evolução. Os jogadores, sobretudo eles, têm de saber aproveitar o potencial da modalidade, mais a nível digital, na ligação com as novas gerações e nas possibilidades que as ferramentas digitais oferecem. Caso exista esse aproveitamento, por exemplo, com as stream' através de plataformas como a Twitch e o YouTube, os jogadores conseguem aumentar a ligação com os seus fãs, aumentam as possibilidades para parceiros e desta forma aumentam as possibilidade de alcançar a profissionalização no gaming e noseSports", considera Raul Faria..Um dos jogadores profissionais portugueses é Gonçalo "Rastaartur" Pinto, de 20 anos, que antes de representar a TS Warrior Player vestiu as cores do Sporting. "Isto começou a ser mais sério a partir do momento em que a FPF começou a organizar campeonatos. Havia um prémio de 10 000 euros para o vencedor e eu ganhei. A partir daí tive uma proposta para ir para o Sporting. Continuei a vencer torneios, com o objetivo de chegar mais longe. E nesta época decidi iniciar um novo projeto na equipa do Salvio", contou ao DN, elogiando o grande papel da FPF na dinamização desta modalidade.."Sou 100% profissional no mundo dos eSports. No meu caso é muito fácil viver disto. Tenho um salário, mas em Portugal são poucos os jogadores que podem viver exclusivamente disto. Eu estou nesse lote. Dentro dos jogadores profissionais há obviamente diferenças a nível de salários, até porque isso também depende dos patrocinadores. No caso da TS Warrior Player temos como principal patrocinador a MEO", conclui, esperando que a pandemia do covid-19 passe rapidamente para poder voltar à competição. Até lá, garante, treina duas a três horas para voltar em forma quando as provas forem reiniciadas.