Tio Joe Sinistro? A difícil relação de Biden com as mulheres
Num comício em Berlin, no New Hampshire, uma mulher segredou-lhe algo ao ouvido. Segundos depois, Joe Biden disse: "Temos um pequeno segredo. Eu quero que os meios de comunicação saibam que me puxou para perto dela." O vice-presidente da era Barack Obama usou o humor para menorizar as acusações de que tem sido alvo.
As sondagens indicam que Joe Biden, de 76 anos, é o favorito entre os 20 candidatos à nomeação pelo Partido Democrata à presidência. Ainda antes do anúncio da candidatura, que aconteceu a 25 de abril, já o seu nome se destacava dos demais. O favoritismo atingiu um pico em maio, quando a diferença para Bernie Sanders quase chegou aos 27 pontos. A diferença ainda é considerável: tem quase o dobro das intenções de voto em relação a Sanders, outro septuagenário, mas ambos estão em queda. Surgem agora em terceiro lugar a senadora Elizabeth Warren e o autarca Pete Buttigieg, de South Bend, Indiana.
Quer Donald Trump, de 73 anos, quer Biden ou Sanders poderão ter dificuldades em seduzir o voto de uma fatia importante do eleitorado. Um inquérito da Ipsos conclui que 48% dos norte-americanos teriam menos propensão a votar num candidato com mais de 70 anos; enquanto 34% mostra-se reticente em dar o voto num candidato homossexual.
A sondagem não analisou a forma como os eleitores se situam perante a forma como os candidatos se posicionam em relação aos direitos das mulheres. Uma gravação de áudio com Donald Trump, de 2005, na qual Trump comenta como tratava as mulheres escandalizou parte da sociedade norte-americana, mas isso não impediu a sua eleição.
Em março, a ex-candidata a vice-governadora do Nevada, Lucy Flores, escreveu um texto na revista The Cut, em que se queixou de que Biden havia cheirado o cabelo e dado um beijo na sua cabeça durante um evento da campanha, em 2014. Pouco tempo depois, outras mulheres saíram a terreiro a repetir as acusações de encontros com Biden que as fizeram sentir-se desconfortáveis. Há quem o chame de Tio Joe Sinistro (Uncle Creepy Joe) e não faltam vídeos a comprovar a forma como se relaciona, ou agarra, as mulheres, meninas e adolescentes.
Ainda antes de anunciar a sua candidatura, Biden respondeu num vídeo em que, embora não tenha pedido desculpas, declarou que vai mudar o comportamento.
"As normas sociais estão a mudar. Eu entendo isso, e ouvi o que essas mulheres estão a dizer. A política para mim sempre foi sobre ligar-me, mas eu estarei mais atento para respeitar o espaço pessoal no futuro. Essa é a minha responsabilidade e vou cumpri-la."
No entanto, é difícil deixar de Biden ser Biden. É uma pessoa que, como reconhece, sempre toca nas pessoas, homens ou mulheres, velhos ou novos, conhecidos ou desconhecidos. "Aperto as mãos, abraço as pessoas, agarro homens e mulheres pelos ombros. É a minha maneira de ser, como sempre fui", reconheceu no vídeo.
Num evento no Texas, em maio, disse a uma menina de 10 anos: "Aposto que és tão brilhante quanto bonita". A professora da criança declarou mais tarde que a menina e a sua mãe estavam "orgulhosas" da interação que tiveram com o ex-vice-presidente. Já em junho, no Iowa, nova conversa que fez correr tinta. Num café pergunta a idade a uma menina. Quando esta diz que tem 13 anos, vira-se para os irmãos e diz: "Vocês têm uma tarefa, mantenham os rapazes longe da vossa irmã."
Os comentários sobre o comportamento de Biden foram de novo alvo de críticas, com alguns a argumentar que Biden estava, de forma intencional ou não, a sexualizar as jovens envolvidas. Mas o antigo vice-presidente, que já declarou não se arrepender de nada do que fez, parece apostado em mostrar-se como um candidato franco, afetuoso e com comportamentos que a etiqueta de hoje não aceita, mas que uma América nostálgica pode aceitar.
Outro tema que o deixou exposto às críticas dos feministas e de outros candidatos democratas é o seu apoio à emenda Hyde. A emenda proíbe o financiamento da interrupção voluntária da gravidez com verbas federais, salvo em casos de gravidez de risco para a mãe ou causada por violação ou incesto e até há poucos dias, Biden defendia-a.
A candidata Elizabeth Warren foi uma das mais veementes críticas de Biden, e da corrente proibicionista. Numa entrevista na MSNBC, afirmou, emocionada, que "as mulheres com dinheiro terão sempre acesso ao aborto; quem não terá são as mulheres pobres, as trabalhadoras que não se podem dar ao luxo de faltar três dias ao trabalho, serão as mulheres muito jovens, serão as mulheres que foram violadas, que foram abusadas por alguém da sua família. Não podemos retirar essa liberdade às mulheres mais vulneráveis".
Mas perante as críticas dos adversários democratas, Biden mudou de ideias ao reconhecer que as recentes restrições ao aborto em estados como o Alabama e a Geórgia afetam sobretudo as mulheres negras e pobres.
Noutro momento de tensão na campanha, um ativista interpelou-o sobre o tema, e Biden aproximou-se dele e de dedo em riste afirmou: "Ninguém falou, fez mais, ou mudou mais do que eu sobre o assunto", e atribuiu a si a lei de 1994 sobre violência doméstica e abusos sexuais.