João Paulo I, que ficou conhecido na Cúria Romana como "o Papa do sorriso" - por causa da sua constante afabilidade - cujo pontificado durou apenas 33 dias, foi beatificado este domingo pelo Papa Francisco, na Praça de São Pedro, em Roma. O milagre que sustenta o processo refere-se à suposta cura inexplicável de uma criança argentina, que sofria de uma grave doença cerebral. A causa de canonização foi aberta em novembro de 2003, 25 anos após a sua morte, e terminou em novembro de 2017, com o decreto sancionado pelo Papa Francisco, que proclamava as virtudes heroicas de João Paulo I. Em outubro passado, a jornalista e vice-postuladora da causa da canonização, Stefania Falasca, anunciou que o conselho médico responsável por examinar o caso da menina argentina "decidiu por unanimidade que a cura era cientificamente inexplicável". Pouco depois, seria assinado o decreto que reconhece o milagre atribuído à sua intercessão - e justifica, aos olhos da Igreja, a beatificação. Foi a 13 de outubro de 2021, pelo punho do Papa Francisco..João Paulo I chamava-se inicialmente Albino Luciani, nascido a 17 de outubro de 1912, na cidade de Canale d"Agordo. Foi batizado no mesmo dia em que nasceu por uma senhora chamada Maria Fiocco, perante "o perigo iminente de morte", segundo os registos da Santa Sé..O jovem Luciani entrou no seminário menor de Feltre, Itália, em outubro de 1923, quando tinha apenas 11 anos de idade. Em outubro de 1928, ingressou no seminário gregoriano, em Belluno..Foi ordenado padre em 7 de julho de 1935, com 22 anos. Continuaria os estudos na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde defendeu a tese A origem da alma humana segundo Antonio Rosmini. A 15 de dezembro de 1958, o então papa São João XXIII nomeou-o bispo de Vittorio Veneto, tendo sido ordenado no dia 27 de dezembro, na Basílica de São Pedro..Em fevereiro de 1970, São Paulo VI nomeou-o patriarca de Veneza. E três anos depois, em 5 de março de 1973, seria cardeal. Já nessa condição participou no primeiro conclave de 1978, onde foi eleito Papa João Paulo I, a 26 de agosto. O nome que escolheu junta os dos seus dois antecessores imediatos: são João XXIII e são Paulo VI, como forma de homenagear os dois Papas que lideraram o Concílio Vaticano II.. "A primeira vez que olhei para o Papa Francisco, e vi as imagens, logo que ele foi escolhido, lembrei-me imediatamente de João Paulo I. Porque tal como ele, olhava para a multidão como se houvesse ali uma pessoa no meio que era conhecida". Teresa Toldy, professora catedrática da Universidade Fernando Pessoa, doutorada em teologia e investigadora (com várias publicações na área da religião) não hesita em estabelecer a comparação, porque é aquela que mais encontra em toda a história recente da Santa Sé..Ao papa João Paulo I seguiu-se o carismático João Paulo II (entretanto beatificado pela Igreja em maio de 2011 e mais tarde canonizado, em 2014). "Ele tinha sido ator. Tinha a noção da presença e como a gerir", enfatiza Teresa Toldy, sublinhando de novo essa diferença..É sabido que a beatificação de João Paulo II não foi pacífica em todos os setores da Igreja. A professora recorda o processo, "sobretudo por causa da moral familiar". Em causa estava a obsessão do Papa com a questão do aborto, e também "o encobrimento de todas as situações que vieram a lume, pelo que alguns setores consideraram que beatificá-lo era um bocado problemático". Ora, sendo certo que o pontificado do Papa João Paulo I durou apenas um mês, não houve tempo para criar estigmas. Ainda assim, Teresa Toldy considera que foi marcante, "e que fez uma coisa muito importante: num discurso dele, foi a primeira pessoa na Igreja a dizer que Deus é pai mas também é mãe. E isso foi uma coisa extraordinariamente importante. Ao ponto de se constar que o L"Obsservatore Romano ( órgão oficial do Vaticano) teria tentado censurar essa parte do discurso". A investigadora, autora do livro Deus e a a palavra de Deus na teologia feminista recorda que depois dele tanto João Paulo II como Bento XVI "não avançaram muito em relação ao papel da mulher na Igreja", bem como no que respeita "a outras linguagens para falar acerca de Deus". E por isso situa, à época (final dos anos 70) o embaraço que causou junto dos teólogos, da Cúria e da própria sociedade um discurso como aquele..O papa João Paulo I foi encontrado morto, na manhã de 28 de setembro de 1978, apenas 33 dias depois do fumo branco o ditar sumo pontífice..A versão oficial é a de que teria estado a beber um chá durante a tarde do dia 27, e que, quando rezava na capela papal, acompanhado pelo seu secretário, o padre irlandês John Magee, João Paulo I sentiu uma forte dor no peito, mas recusou chamar o médico. Jantou, deitou-se e acabaria por morrer durante a noite, tendo sido encontrado morto na manhã seguinte..A história [oficial] diz que o papa João Paulo I morreu de ataque cardíaco. Mas abundam as teorias da conspiração, ao longo dos anos. A mais recente surgiu em 2019, por via de Antoni Raimondi, um dos mafiosos mais ativos do século XX em Itália, que pertencia à máfia de Colombo, e afirmou num livro de memórias que foi ele quem matou o papa. Como na altura a família não autorizou a autópsia, permanece até hoje a dúvida, alimentando essa e outras teorias da conspiração.. dnot@dn.pt