João Gomes Cravinho desempenha, muito provavelmente, o cargo da sua vida. Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros vê-se confrontado com uma guerra na Europa, mais propriamente na Ucrânia. Todos os holofotes estão apontados ao palco das relações internacionais. Cravinho acumulou experiência na pasta Defesa, da qual foi ministro - estando envolvido no caso polémico das obras do Hospital Militar de Belém - e agora na diplomacia e multilateralismo não tem mãos a medir. Numa curta conversa, mostra-se preocupado com "a instabilidade e o drama de milhões de refugiados dentro da Europa", por causa da "ação ilegal" da Rússia sobre a Ucrânia, e esperançado na relação com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com toda a América Latina..Que balanço faz do ano de 2022 ao nível da política externa portuguesa? A nossa trajetória histórica resulta numa política externa portuguesa que tem presença nas mais diversas regiões do mundo, levando a um balanço que nunca pode ser homogéneo. Mas agiganta-se, sem dúvida, o impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia, uma ação ilegal, uma ameaça à paz e à segurança europeias que trouxe, outra vez, a instabilidade e o drama de milhões de refugiados dentro da Europa. Portugal soube demonstrar união e solidariedade para com o povo ucraniano. Há momentos em que se exige clareza meridional e isso foi reconhecido pela generalidade da comunidade internacional através das resoluções de condenação da ação russa nas Nações Unidas..Neste ano, menos marcado pela pandemia de covid-19, fomos igualmente capazes de recuperar, e até intensificar, um diálogo muito próximo com nossos parceiros tradicionais, desde logo os países da CPLP e do continente europeu, mas também com outras regiões do mundo, designadamente reforçando a cooperação na bacia do Atlântico, na América Latina e no Norte de África. As mudanças no nosso grande parceiro que é o Brasil abrem também excelentes perspetivas para os próximos anos..Portugal projetou-se igualmente, enquanto contribuinte, para o apoio internacional à recuperação pós-pandémica. Face à tripla crise - covid, guerra na Ucrânia e seca - logrou-se fornecer apoio orçamental para a Ucrânia, a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, além de termos logrado uma boa execução dos programas de cooperação..2022 foi também um ano em que Portugal soube reafirmar os seus interesses em várias partes do mundo, destacando as suas vantagens comparativas, usufruindo de uma diáspora forte, bem integrada e influente, e afirmando o seu lugar na economia mundial, com uma capacidade acrescida de internacionalizar as suas empresas e atrair investimento..E como antevê o ano de 2023 para Portugal? O próximo ano não será menos exigente do que o que agora termina. Em cada pilar da nossa política externa encontramos hoje ameaças, mas também oportunidades que temos de saber valorizar, a partir da perenidade que caracteriza a forma como nos projetamos no mundo..Assim, vamos prosseguir o trabalho com os nossos parceiros tradicionais, enquanto exploramos o potencial de reforço de cooperação com outras geografias, não só no plano bilateral, mas também em contextos regionais e multilaterais. A relação com a América Latina pode vir a ganhar relevo especial neste ano que agora começa..2023 será um ano em que a globalização, como a conhecemos, continuará a ser desafiada. O equilíbrio entre regionalização e globalização vai marcar a resposta aos desafios contemporâneos. E Portugal tem de saber contribuir em ambos os planos. Há que encontrar as melhores estratégias e soluções para importantes desafios multilaterais no plano da Segurança, da Energia, do Comércio, das Alterações Climáticas, entre outros..E temos relevantes candidaturas internacionais em 2023, nas quais depositaremos todo o empenho da máquina diplomática..Temos também a certeza de que a Ucrânia permanecerá no topo da agenda de Portugal, da UE e da NATO, requerendo toda a nossa determinação, lucidez e coragem coletiva, com vista a alcançar uma paz justa..Qual seria a marca que gostaria que Portugal deixasse no mundo em 2023? Portugal é um país que, pelas suas características e maneira de ver e de se relacionar com o mundo, procura sempre fazer parte da solução. Portugal é conhecido por tentar sempre construir pontes, por ter capacidade de interlocução com todas as geografias, por contribuir para um diálogo construtivo e para a resolução de problemas concretos. É esse traço que queremos manter e robustecer. O mundo precisa de países-ponte..Gostaria, assim, que, em 2023, e perante um mundo em transformação, o mundo continuasse a olhar para Portugal como um parceiro de confiança na Europa, com o qual podem dialogar..Já falou da CPLP e da diáspora. De que forma a relação com esses países e comunidades poderá ser transformadora para o futuro do país? Portugal tem perto de um terço da sua população a residir fora do território nacional. Os nossos 5 milhões de portugueses no estrangeiro proporcionam um potencial tremendo e crucial para a afirmação internacional de Portugal. São a extensão humana, real e viva de Portugal no mundo, uma riqueza incalculável que expande a Portugalidade e um ativo imprescindível para a afirmação nacional..Primeiro, porque as nossas Comunidades aliam a ambição e resiliência ao orgulho por Portugal e pelas suas origens. São veículos promotores da cultura e da língua, da gastronomia, do turismo. Alguns estudos realizados concluem que quase um quarto dos turistas estrangeiros que visitam o país têm alguma ligação a portugueses ou a lusodescendentes..Em segundo lugar, porque a Diáspora assume-se como uma rede de potencial estratégico para a economia portuguesa. Além das tradicionais remessas das Comunidades, que no passado sustentavam a frágil economia nacional, e também do chamado "mercado da saudade", que leva produtos típicos nacionais para todo o mundo onde há portugueses, temos sobretudo as enormes oportunidades para a internacionalização das empresas nacionais através da rede de portugueses e lusodescendentes pelo mundo..Em terceiro lugar, pelo talento. O talento português é muito visível no plano internacional em diferentes dimensões, quer seja nos negócios, na cultura, no desporto ou em tantas outras áreas em que encontramos portugueses que, pelas suas competências e talento, são respeitados, elogiados e reconhecidos..Tendo em conta estes pontos, estão assegurados os alicerces que conferem à nossa Diáspora um papel de grande relevância na transformação do país. Da parte do governo, tudo temos feito para assegurar que este potencial estratégico se afirme como realidade, contribuindo de forma decisiva para o crescimento económico e maior afirmação de Portugal no plano mundial. Tanto seja pelo investimento na promoção da língua, nos apoios ao investimento da Diáspora, nos apoios ao associativismo, vínculos, redes e coesão das nossas Comunidades..No mês e no dia em que o DN faz 158 anos, que mensagem gostaria de deixar aos leitores? Desde logo quero deixar uma mensagem sobre a importância da comunicação social, que tanta erosão tem sofrido, na defesa da qualidade das nossas democracias. O aumento de conflitualidade no mundo repercute-se também em guerras de informação e desinformação, sublinhando os riscos para sociedades abertas e democráticas..Ler o jornal, no papel físico ou eletronicamente, é um ato de civismo e de defesa da democracia.