João Cotrim Figueiredo: "Marcelo não tem sido o Presidente de que Portugal mais teria precisado"
Qual é o país onde o liberalismo produziu melhores resultados até agora?
Há vários onde se pode dizer que as políticas liberais têm funcionado bem. Quando se olha para os rankings da OCDE, países como a Nova Zelândia e a Holanda aparecem particularmente bem classificados. Mas nós não somos adeptos de pegar num país e dizer que aquele é o nosso sistema ideal. Acho que há boas aprendizagens em vários países sobre várias políticas setoriais, e é nisso que nos concentramos. Vamos certamente falar sobre saúde daqui a pouco e é o sistema holandês que nos é particularmente grato, mas há outras soluções noutros países que também acho que funcionariam em Portugal.
A mensagem principal é que as políticas e as medidas que defendemos em Portugal não são propriamente novas à escala mundial e há sítios onde têm funcionado particularmente bem. Portanto, o liberalismo funciona e não é uma ave rara.
Qual é a sua referência política no liberalismo?
Das atuais, não tenho propriamente uma figura que possa dizer que me inspira diariamente. Tenho obviamente os ideólogos do liberalismo - gosto particularmente de Hayek, de Popper - e fui discípulo, pode-se dizer, porque foi quase meu tutor numa circunstância especial em Londres, de Ralf Dahrendorf, alguém que tinha estudado com Karl Popper e que me inspirou bastante em enveredar por esta ideologia.
Mas chamar liberais a Donald Trump ou a Jair Bolsonaro é um insulto para si ou convive bem com essa definição?
Não gosto nada, e não gosto nada porque acho que não o são, porque têm uma visão de envolvimento do Estado na economia e na vida das pessoas que não é nada a nossa.
Se o programa do Iniciativa Liberal fosse implementado em Portugal, conseguia comprometer-se com metas de crescimento económico?
Aí é que Portugal se podia comprometer com metas de crescimento económico, porque se há coisa que Portugal não tem tido é crescimento económico, especialmente quando comparado com países que têm características semelhantes às nossas e que se cresceram sistematicamente mais do que Portugal nos últimos 20 ou 25 anos, foi exatamente porque tiveram políticas liberais que nós, verdadeiramente, nunca aplicámos.
E que metas seriam essas, tendo em conta que o país nunca teve uma média de crescimento acima dos 3%? Com um programa liberal comprometia-se com metas de crescimento superiores?
Essa talvez seja a grande proposta que temos implícita naquilo que falamos, que é: se Portugal tivesse adotado, há mais tempo, políticas do género das que foram aplicadas na Holanda, na Estónia, na Irlanda, poderíamos ter níveis de crescimento médio, nesta década, muito próximos dos 3% ou mesmo acima, porque foi o que esses países tiveram. E alguns tiveram resgates, alguns tiveram problemas históricos importantes, alguns tiveram convulsões sociais e nenhum deles tem grande riqueza de recursos naturais. Portanto, há muita coisa comparável, no entanto crescem o dobro ou o triplo do que Portugal cresceu nos últimos 20 anos. Isso devia dar que pensar porque não pode ser um problema de a população ser menos bem educada, porque já não é o caso de a população ser menos trabalhadora ou diligente ou criativa, pois mostra-se várias vezes que quando os portugueses estão noutros sistemas funcionam. Portanto, é aquilo que nos rodeia aqui em Portugal que, de alguma forma, nos inibe, ou sufoca, ou impede de realizarmos o máximo do nosso potencial individual e depois também o coletivo, obviamente, porque o coletivo não existe enquanto tal, só existe enquanto soma de individuais.
Falou de vários países com níveis de desenvolvimento diferentes e onde foram aplicadas as receitas do liberalismo...
Alguns sim, mas mais uma vez digo que não há nenhum país que eu possa dizer que é o meu modelo de sociedade ideal.
Sim, mas num país como Portugal, com tantas desigualdades sociais e assimetrias, não é importante o Estado ainda ter um papel fundamental nalgumas áreas importantes?
O que é curioso é que esses países também tinham mas hoje têm menos. Há um dado que eu gosto de usar e que tem imensas nuances estatísticas com certeza, mas que eu gosto de usar - aqui há 30 ou 40 anos, não sei a data exata, tínhamos uma carga fiscal similar à irlandesa, por exemplo. Os irlandeses baixaram essa carga fiscal em 2% ou 3%, que está neste momento na casa dos 21% ou 22%, e nós passámos dos mesmos 20% que tínhamos há 30 anos para 35,7%, que foi o que tivemos em 2018, e não se estima que 2019 seja diferente. Onde é que os serviços públicos são melhores? Onde é que a desigualdade é menor? Onde é que o nível e vida é superior? Onde é que as pessoas têm mais capacidade de se realizarem pessoalmente? É este o drama. Nós parámos de pensar no desenvolvimento enquanto problema integrado da vida das pessoas, focámo-nos apenas nalgumas matérias, sobretudo matérias de bem-estar muito material, muito imediato, deixámos de investir no futuro, e o resultado é este. Depois, tivemos políticas estatizantes quase constantes nos últimos 20 anos.
Acha que há uma dependência do Estado, uma coisa quase psicológica, da própria sociedade?
Criou-se uma mentalidade assistencialista. As pessoas dependem demasiado do Estado para começarem a fazer as coisas que deviam começar a fazer por si próprias.
A começar pelas empresas?
A começar pelas empresas, claro. Mais uma vez, a empresa, também para um liberal, não é um conceito particularmente trabalhável. Uma empresa é um conjunto de vontades de indivíduos - das pessoas que as criaram, das pessoas que lá trabalham, etc. Portanto, se as pessoas em si criam esse tipo de mentalidade assistencialista e ficam dependentes de alguma autorização, de algum apoio, de alguma permissão, de algo que vem de fora - neste caso, do Estado - as empresas também o fazem.
O PSD e o PS têm igual responsabilidade nessa mentalidade assistencialista de que está a falar?
Não vou fazer aritmética, mas não exonero nenhum.
Temos aí o Orçamento à porta. Já anunciou que ia votar contra. Como é que se vota contra um documento que ainda não se conhece?
É, se quiser, um voto de louvor à coerência que o PS irá ter. Fez uma campanha baseada num programa eleitoral, apresentou um programa de governo, portanto, só se me disser que o Orçamento é muito, muito diferente do programa de governo que acabámos de discutir há duas ou três semanas... Voltam a aparecer os mesmos defeitos de sempre: falta de ambição - nada a apontar para crescimentos que sejam sequer próximos daqueles que podíamos ter; falta de sair da frente dos problemas que as pessoas podem resolver sozinhas; nenhuma opção decidida pela redução da carga fiscal ou pela introdução da liberdade de escolha nos serviços públicos mais importantes. É mais do mesmo, e há aqui um receio que tenho e devo confessar: estes problemas, todos eles, já vários países tiveram, uns mais cedo, outros mais tarde, resolveram-nos mais depressa ou menos depressa, mas se estamos nisto há 20 ou 25 anos, receio que haja toda uma geração que cresça, entre no mercado de trabalho e acabe por se reformar neste tipo de clima a que chamamos assistencialista - muito encostado ao Estado. Um dia isso poderá ser particularmente difícil de reverter. Daí, o nosso sentimento de urgência, no Iniciativa Liberal, em querer pôr estes temas liberais na mesa, porque o liberalismo funciona e tem de deixar de ser um papão, como às vezes parece ser em Portugal.
Admite que não há dinheiro para tudo e que Roma e Pavia não se fizeram num dia? Apesar de tudo, qualquer governo tem de tomar opções - ou baixa impostos ou investe no Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou nos serviços públicos ou noutra coisa qualquer. Consegue reconhecer que esse equilíbrio é difícil de ser feito, sobretudo se acrescentarmos a isto uma dívida pública altíssima?
Pois, mas essa dívida pública também não veio por acaso. Temos, de facto, um problema de dívida pública que condiciona algumas das opções e, certamente, o ritmo de algumas das opções. Não negamos isso, e convém afirmar aqui, para aqueles que possam estar mais distraídos ou gostem de caricaturar as nossas posições, que nós somos fiscalmente, no sentido orçamental, responsáveis. Portanto, todos os compromissos que o país assumiu em termos europeus com metas orçamentais, somos muito favoráveis a que eles se cumpram. Agora, afastemo-nos um pouco da espuma dos dias: se nós olharmos para 2009 ou 2010, o peso da despesa pública no produto era 52%, hoje é 43%. Ou seja, temos estado a conseguir reduzir o peso da despesa pública no produto, muito à custa da contração do tempo da troika, é evidente, e do crescimento do PIB, que faz que este rácio diminua, mas é possível reduzir o peso da despesa pública. Agora, o rácio tem de ser sobretudo uma conjugação de um crescimento mais ambicioso com medidas de contenção de despesa e de eficácia nos gastos públicos que não têm estado de todo na ordem do dia.
Perante o cenário atual, o Iniciativa Liberal, no Orçamento do Estado para o próximo ano, optaria claramente por baixar os impostos e não investir tanto no SNS, por exemplo?
Vamos pensar de outra maneira: estamos obrigados a determinados níveis de défice e agora vamos ter superavit. Lá está. É necessário?
É um erro?
Não vou fazer aquela coisa leviana de dizer que há um número que resultou do Orçamento e que é um erro. Não é isso, o que estou a dizer é que as escolhas políticas que se fazem para se chegar a esse número têm significado. Alguém escolheu que é preferível ter 0,2% de superavit do que gastar noutras coisas ou cortar impostos. É uma escolha política e, portanto, vão ter de responder por essa escolha política. Respondemos da nossa parte dizendo que não seria a nossa escolha, porque o que está ali previsto é aumento de despesa e não redução de impostos. Dou outro exemplo para que talvez se perceba melhor: nestes últimos quatro anos de governo da geringonça, penso que em todos eles as receitas fiscais ficaram acima ou muito acima do que estava orçamentado, mesmo muito acima nalguns casos. O que significa que o modelo estava errado, e nalguma parte provavelmente estará, portanto as projeções não foram erro de cálculo, a base econométrica da economia portuguesa deve ter mudado de tal maneira que não foi fácil projetar e orçamentar -, mas isto pode acontecer um ano ou dois, ao terceiro e ao quarto qualquer governo responsável tem a obrigação de saber que se mexer nas variáveis como mexeu - e todos os Orçamentos foram similares desse ponto de vista -, vai continuar a ter receitas fiscais muito superiores ao que orçamentou. E não precisava porque, senão, não tinha orçamentado. A primeira reação de um liberal é: se há receitas a mais, vamos devolver às pessoas. O dinheiro não é do Estado.
Ou gastá-lo onde é preciso...
Ou gastá-lo onde é preciso. Mas a nossa diferença em relação aos socialistas é que eles acham que o Estado sabe sempre melhor onde gastar o dinheiro do que as pessoas, e nós achamos exatamente o contrário - cada um de nós sabe sempre melhor onde gastar o dinheiro do que o Estado. Portanto, se devolvermos esse dinheiro às pessoas e lhes dermos esse espaço, pelo menos orçamental - não é a única liberdade que interessa, evidentemente -, a liberdade de dispor do seu próprio orçamento e do seu próprio dinheiro é uma liberdade importante, e devolver esse dinheiro às pessoas traria muito crescimento económico. Acredito que as escolhas dos portugueses seria melhor do que a escolha que o Estado faz por elas.
Não conhecendo o documento, o Governo já anunciou, por exemplo, que tenciona aumentar os funcionários públicos. Considera que essa foi uma boa medida ou não vê nada de positivo?
Nunca se pode dizer que não aumentar salários seja uma boa ideia. A nossa intenção ou a nossa filosofia ao apresentar medidas liberais é evidentemente criar riqueza suficiente para que os salários possam subir e muito. Acho francamente vergonhoso - hoje a palavra vergonha não é muito feliz [risos] -, mas é lamentável, digamos assim, que no final de 2019 o nosso salário médio enquanto país, de todas as funções públicas, privadas, mais ou menos qualificadas, não chegue aos 1000 euros de salário-base, 45 anos depois do 25 de Abril. Alguém devia perguntar-se como é que isto é possível. Achamos que falta crescimento económico porque falta ambição, e a ambição é muito baseada na confiança nas pessoas, nos indivíduos, que são capazes de decidir bem também do ponto de vista económico. Isso levaria a subidas de salários. Relativamente aos funcionários públicos, não vou discutir se um aumento de 0,3% é muito ou pouco e se incluir aqui a inflação ou excluir a inflação ou aplicar o índice nas pensões é correto ou não, porque acho que estamos nas margens e, francamente, nos tostões. O que eu digo é que quem tomou a decisão de passar boa parte do horário dos funcionários públicos de 40 horas para 35 horas e disse que não ia ter custos enganou os portugueses. É óbvio que quem trabalha menos cinco horas por semana, está a trabalhar menos 12,5% e a receber o mesmo. Das duas uma: ou não estava a fazer nada antes ou é óbvio que via aumentar as necessidades de pessoal ou os custos em 12,5%, é óbvio. Aconteceu exatamente isto na saúde - se compararem o número de pessoas que havia antes da alteração do horário de trabalho e aquilo que agora dizem que é necessário, e fizerem o ajustamento às que se reformaram entretanto e aos precários que foram reintegrados, encontram exatamente este valor de cerca de 12,5%, 13%. Não há milagres. As pessoas são necessárias e têm de ser recontratadas quando se reduz o horário de trabalho. Estas decisões é que são dramáticas. Quem é que se lembra de aumentar um salário em 12,5% de uma vez, a pretexto de uma suposta reversão que era fundamental e criando dois sistemas no país? Temos pessoas no setor privado a trabalhar 40 horas, a reformar-se mais tarde, a não ter acesso a subsistemas de saúde com a qualidade da ADSE, etc., etc. Parece que há dois mundos. E já não estou a pôr aqui um terceiro mundo, que são os empresários em nome individual e os profissionais liberais, esses, então, não têm salário mínimo nem sabem quando é que se reformam. Enfim, há desigualdades também a esse nível que eu não acho que tenham feito sentido. Não vou responder diretamente a qual seria o aumento ideal para o funcionalismo público, acho que tem de se questionar sobretudo quantos funcionários públicos deveriam, de facto, existir num sistema em que o Estado estivesse envolvido apenas naquilo em que devia estar envolvido.
Relativamente ao peso do Estado e àquilo que gasta do ponto de vista de despesa pública, qual seria o tipo de reforma do Estado de um liberal, uma reforma de que andamos a ouvir falar há anos e depois nunca sabemos exatamente em que é que se traduz. Seria reduzir o número de funcionários públicos?
Vou só comentar uma parte da pergunta, que é continuarmos a não saber o que é um projeto liberal, e esse é exatamente um dos motivos pelos quais o Iniciativa Liberal é muito necessário. Isto porque não foram postas as ideias na agenda política o tempo suficiente e com a profundidade suficiente para se perceber quais são as nossas propostas. E aqui estamos. O que é que nós dizemos: dizemos que o essencial não é termos funcionários públicos ou serviços públicos prestados pelo Estado, é termos serviços a que as pessoas possam recorrer e as pessoas que os prestam podem ser funcionários públicos ou podem ser funcionários privados, desde que prestem os serviços na lógica do serviço público.
Então há funcionários públicos a mais?
Se entendermos que há, e nós entendemos, tarefas que o Estado desempenha que não devia desempenhar, sim, mas não quer dizer que as pessoas ficassem sem emprego.
Deviam passar para o privado?
Para qualquer que fosse a solução que substituísse esse prestador de serviços.
Estamos a falar de parcerias público-privadas (PPP), estamos a falar de quê?
Nalguns setores, sim. A avaliação que é feita pelo próprio Estado, aliás, pela Administração Central do Sistema de Saúde, a ACSS, das PPP é claríssima. Todas as PPP têm vantagens do ponto de vista da qualidade do serviço e do custo da prestação do serviço. Só por cegueira ideológica e por obsessão é que se decidiu nesta lei de bases tornar isso quase impossível ou pelo menos pouco provável. Isso levou inclusivamente o governo a assumir que não ia celebrar novas PPP nesta legislatura. Eu pergunto: porquê? Se amanhã aparecer uma PPP que seja uma solução obviamente melhor do que o serviço que ia substituir, porque não?
A segunda parte da pergunta sobre a reforma do Estado tem que ver exatamente com o tipo de funcionários públicos que temos ao nível das qualificações, por exemplo, porque uma das realidades do Estado neste momento é a falta de pessoal qualificado, digamos assim, e, sobretudo, as remunerações, as carreiras e a forma como elas são geridas. O que é que seria um projeto liberal a esse nível?
A primeira coisa que eu devo dizer, até para desfazer mais um mito, é que o Iniciativa Liberal não é contra os funcionários públicos. Eu, aliás, tive a felicidade de trabalhar na função pública durante algum tempo e de ter tido contactos muito diretos noutras alturas da minha vida, e se há coisa de que tenho a certeza é que há imensa qualidade no funcionalismo público. O que torna ainda mais chocante e causa ainda mais pena o facto de estarem completamente subaproveitados, porque o sistema em que estão a ser geridos, durante muitos anos ignorava completamente a qualidade dessas pessoas e não lhes dava incentivos para elas melhorarem enquanto profissionais, e têm uma capacidade de dedicação e de execução rara, mesmo comparando com empresas privadas muito boas em que eu também trabalhei. Portanto, não tenho dúvida nenhuma de que o funcionalismo público é capaz de fazer muito mais, mas o sistema tem de deixar. Quando interrogámos o governo na Assembleia da República sobre que raio de ideia é esta de começar a construir um sistema de avaliação da função pública através de prémios de assiduidade, e o primeiro-ministro, como é seu hábito, tentou disfarçar a questão dizendo que um liberal devia estar muito agradado com o sistema de estímulos, não é com o estímulo da assiduidade. A assiduidade é o mínimo dos mínimos olímpicos. É mais um exemplo da falta de ambição, não é? Não é a assiduidade que interessa, é o desempenho, e o desempenho mede-se, no caso de um funcionário público - na maioria dos casos, à exceção de algumas carreiras, nalgumas funções - com a satisfação das pessoas que recorrem ao serviço público. Fizemos esse ponto e acho que ficou claro que o que o governo tem de fazer como base do sistema de avaliação da função pública é, em primeiro lugar, reativá-lo porque, na prática, ele existe em muito poucos organismos; e depois fazer da opinião do utente, do cidadão, do utilizador dos serviços públicos, central à progressão e à remuneração desses funcionários públicos. Garanto que isso é suficiente para extrair o melhor de muitos funcionários públicos que lá estão e que, repito, são de enorme qualidade como profissionais.
Voltando à questão dos impostos - o governo prometeu avançar progressivamente para o englobamento dos rendimentos no IRS. Há algum rendimento que seja tributado autonomamente que veja como bem integrado neste processo?
Outra necessidade de esclarecimento prévia: não somos contra o englobamento per se. Achamos que qualquer rendimento devia ser taxado à mesma taxa. Achamos é que a taxa do englobamento, ao passar para dentro do regime normal do IRS - sendo ele hoje optativo, o que quer dizer que as pessoas que não optam por fazer isso são as únicas que estão de fora, se essas tiverem obrigatoriamente de estar dentro, quer dizer que vão passar a pagar mais - é uma forma encapotada de aumentar impostos. Se o englobamento fosse feito para todos os tipos de rendimento, quer fosse predial, capital ou trabalho, a um nível de taxas muito mais baixo e, do nosso ponto de vista, com o mínimo de taxas possível - um ou dois escalões -, se isso fosse feito, não teríamos nada contra. O problema é que, neste momento e da maneira como está a ser posto, é uma cedência ideológica ao Bloco de Esquerda, que continua a achar que o nosso IRS é pouco progressivo - já poderei partilhar os dados para verem quão ridícula é esta opinião - e é uma forma de o governo aumentar impostos na prática. Repito: só as pessoas que acham que vão pagar mais é que já não estão a englobar os seus rendimentos.
Ainda em relação ao alívio da carga fiscal, como é que seria possível? Mais nos impostos indiretos? No IRS? No IRC?
Damos sempre preferência aos impostos sobre as pessoas.
Portanto, mais no IRS do que propriamente...
Reduções no IRS para que as pessoas possam dispor de mais rendimento.
Isso não parece, de facto, um clichê do liberalismo, que normalmente é reduzir a taxa do IRC para os níveis do chamado choque fiscal...
O IRC é uma história diferente por dois motivos: primeiro, porque tem muito menos receita do que o IRS e, portanto, podemos ter mais tempo para tratar disso; segundo, porque encaramos o IRC como uma forma indireta de taxar pessoas, ou seja, o rendimento das empresas é taxado e depois, quando é distribuído, é taxado outra vez. Há muitos rendimentos de empresas que quando chegam aos bolsos de alguém para poderem efetivamente ser gastos já levaram mais de 70% de carga fiscal. 70%! Se isto não é parecido com confisco, eu não sei o que é. Essa é outra história, e havemos de lá chegar. É quase evitar uma dupla tributação do rendimento da empresa enquanto lucro e do rendimento do acionista enquanto dividendo. Mas não é a prioridade, mais uma vez. A prioridade é desagravar o rendimento das pessoas individuais no sentido em que elas possam dispor cada vez mais do seu orçamento, para poderem ter um pouco mais de liberdade económica que vai conduzir a outros tipos de liberdade também.
Criando mais escalões, baixando taxas, fazendo o quê?
Reduzindo o número de escalões e baixando taxas. A nossa proposta do programa eleitoral foi conhecida e era ter uma única taxa de 15% para todos, com uma isenção até 650 euros, bem como deduções adicionais de 200 euros por cada filho. As pessoas podem não ter noção disto, mas a taxa efetiva média de todas as pessoas que apresentam IRS é de 12,8%. A nossa proposta traria a taxa média para cerca de 10,6%, 10,7%. Estamos a falar de diferenças de receita aplicadas ao IRS como um todo que ultrapassa um pouco os dois mil milhões de euros, e não tem de ser feito num único ano. Podemos ir descendo as taxas gradualmente desde que se reduza o número de escalões. Portanto, isto é perfeitamente comportável, como todos sabemos. Ainda está para aparecer um caso na história em que uma redução de impostos desta natureza não produza crescimento económico, que tem depois o seu feedback. Ainda que fosse neutro do ponto de vista da redução de receita fiscal ou aumento de receita por via do crescimento, ganhávamos. Ganhávamos porque as pessoas tinham mais liberdade para usar o seu dinheiro, e nós acreditamos muito nisto. Acho que o vou dizer pela terceira vez nesta entrevista: as pessoas a decidir sobre a sua própria vida e o seu próprio dinheiro farão melhor do que o Estado, serão mais criativas do que o Estado, serão mais arrojadas do que o Estado.
Mas isso não é assentar um modelo económico muito pelo consumo? Porque se a prioridade é dada aos impostos sobre as pessoas e não sobre as empresas e se as pessoas têm mais dinheiro disponível, vão obviamente consumir mais, e isso tem um efeito...
Não é, obviamente. Isso só é verdade nos escalões mais baixos de rendimentos. A história prova isso, mesmo a história portuguesa. Onde se pode verificar isso é que as pessoas a partir de determinado rendimento - em Portugal nem sequer é muito alto, é a partir de uma classe média baixa - quando têm rendimentos, têm a capacidade, e muitas delas usam-na, para enveredar por atividades que não são de consumo, são de investimento ou de poupança. Nós sabemos que Portugal bem precisa disso.
Que outras propostas o Iniciativa Liberal vai apresentar em sede de Orçamento, quais são as principais?
Vamos obviamente estar muito atentos a todo este tipo de medidas que possam constituir aumentos de carga fiscal explícitos ou encapotados. Já mencionei o tema do englobamento, que provavelmente não virá desta, mas também não virá porque nós levantámos o assunto a tempo. Temos feito esse trabalhinho. Fizemos isso com o englobamento, fizemos isso com a questão de os médicos serem obrigados a ficar no SNS, fizemos isso com os votos no Parlamento - fomos os primeiros a levantar esse assunto, mas não são esses louros que vinha aqui reclamar. Quero dizer que, sobretudo no Orçamento, vamos olhar para tudo o que seja a parte fiscal na tripla perspetiva de impostos mais baixos; mais simples, que é uma variável que não tem sido valorizada - a simplicidade dos impostos vale muito tempo para toda a administração fiscal e para os próprios contribuintes, pois Portugal é dos países onde se gasta mais tempo a cumprir obrigações fiscais, mesmo com a simplificação que tem havido nos últimos anos; e mais justos, porque os impostos em Portugal, pela maneira como estão estruturados - percebo pela pergunta que diretos e indiretos tem muito que ver com isso - não são propriamente os impostos mais justos do mundo. Essa é uma componente da nossa análise ao Orçamento que vai ser importante.
Vão propor, por exemplo, a eliminação de algum imposto que considerem injusto - já houve um imposto que foi considerado o mais estúpido do mundo?
Sim, exatamente o imposto de selo. Será uma coisa que nós iremos olhar com muita atenção. Há lá vários que não vou revelar hoje aqui, porque quero ter as contas mais bem feitas. Listámos cerca de 43 taxas que existem em Portugal. A taxa é uma coisa interessante. O que aconteceu em Portugal desde que se começou a levar este tema da fiscalidade com um pouco mais de escrutínio foi que começou a haver algum pudor. Os impostos são matéria exclusiva da Assembleia da República e, portanto, eram demasiado visíveis. Assim, começou-se a recorrer a taxas para tudo e mais alguma coisa, porque as taxas podem ser decretadas por autoridades centrais, autoridades locais, e há uma profusão de taxas. A taxa devia ter uma contrapartida num serviço.
Vão propor a eliminação de algumas delas?
Vamos propor a eliminação de algumas delas.
Quer dar um exemplo?
Prefiro não dar, pelo simples motivo de que estamos a fazer várias composições de várias taxas diferentes e queremos ter a certeza das receitas que cada uma tem para não estarmos a propor nada que não seja responsável.
O Iniciativa Liberal defende a privatização da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Depois do que aconteceu ao BPN, ao BES, ao Banif, com faturas que ainda estamos a pagar, como é que se pode considerar que a gestão privada é melhor do que a pública?
Eu não disse isso em lado nenhum nem está pressuposto no princípio. Primeiro princípio: o Estado não deve ser dono de bancos. Não há nenhum motivo para o Estado ser dono de um banco. Segundo, se um banco tiver problemas, seja ele de que natureza for - cooperativo, privado ou o que quiser -, o Estado não tem de resgatar. OK? Para aqueles que acham que os liberais são os defensores máximos de tudo o que é capital, é o contrário. Somos defensores máximos das pessoas e as pessoas não podem ser obrigadas a pagar por prejuízos feitos por terceiros, Deus sabe com que tipo de decisões de crédito ou de compadrio ou do que for.
Mesmo que esteja em causa o equilíbrio do sistema financeiro? É que foi esse o argumento usado sempre.
Nunca o vi suficientemente justificado.
Nem por governadores nem pelo Banco Central Europeu (BCE)?
Não me ponha numa situação em que vai para um cenário catastrófico em que só uma pessoa desalmada é que diria que não, que tem de ser assim por uma questão de princípio e de ideologia. Isso não faremos. Agora, o que eu digo é que nos casos que foram citados - BPN, BES e Banif -, para mim, ficou por provar que houvesse risco sistémico.
O BES não provocava o risco sistémico?
O BES tinha um nível de dívida muito impressionante, muito elevado. Não sei se provocava um risco sistémico, não sei. Nunca vi esta justificação. Admito que sim, os números eram muito elevados. Mesmo assim era preferível ter arranjado uma solução em que não fosse o dinheiro dos contribuintes a resolver o assunto.
Qual solução, então? Essa é a pergunta de um milhão de euros neste caso...
Mas não se encontrou três anos depois? O Fundo de Resolução que foi criado e que resolveu praticamente os problemas do Banif e do BES foi criado em 2012. Em 2015 foi criado o Mecanismo Único de Resolução à escala europeia que proíbe aquilo que foi feito no caso do Novo Banco e do Banif, tornou-o proibido pela Comissão Europeia. Tem lá uma pequena cláusula, e foi isso que nós propusemos na Assembleia da República na semana passada, que admite em circunstâncias excecionais que o Estado injete mais fundos. Foi precisamente para tapar essa possibilidade que nós pusemos um projeto de resolução recomendando que o governo nem pensasse em usar aquilo, que eu acho que é o artigo 153-J da Lei do Regime Geral das Instituições de Crédito. Fora isso, a Europa percebeu que o que se passou na sequência da crise financeira foi uma data de ajudas a bancos à custa dos contribuintes que não podia voltar a acontecer, por uma questão financeira, mas sobretudo por uma questão de justiça. As pessoas não podem ser chamadas a pagar por prejuízos de terceiros - privados, públicos, o que seja. Portanto, o mecanismo hoje existe. O Fundo de Resolução não pode voltar a ajudar bancos daquela maneira, não pode. Boa parte dos bancos que estão em Portugal, ou quase todos, estão ao abrigo do Mecanismo Único de Resolução, que é europeu e que tem um Fundo Único de Resolução que também é controlado pelo BCE, com algumas responsabilidades delegadas aqui no Banco de Portugal.
Mas deixe-me voltar ao banco público, porque assistimos a uma situação de crise em que o país estava sob assistência financeira, em que havia vários bancos em risco de colapsar, e alguns colapsaram mesmo. Um banco público aqui não pode ser determinante no apoio às empresas, no apoio às famílias, quando todo o resto do sistema falhar?
Se a pergunta é se pode teoricamente, a resposta é pode. Se a pergunta é se foi, a resposta é não.
A Caixa não foi isso?
Não. Pelo contrário, a Caixa acabou de ser condenada há dois meses como um dos principais bancos num cartel dos spreads no crédito à habitação. A CGD acabou de estar envolvida numa série de créditos ruinosos, alguns deles bem conhecidos e discutidos na praça pública, concedidos durante anos a amigos do sistema, a amigos não sei de quem. Diga-me o que é que a Caixa ajudou ao sistema financeiro estabilizar. Se a noção de ajudar a economia é permitir que empresas que são de amigos sobrevivam sem real mérito para o fazer, então não quero nada disso. E mesmo que o fizesse... a Caixa hoje existe exatamente como um banco privado. Apresentou um plano a Bruxelas que foi o único que permitiu que a injeção de capital público existisse, e que a obriga a comportar-se tal e qual como um banco privado. Não pode ter ligações nem condições privilegiadas de qualquer espécie - acho que a expressão arm's length [à distância de um braço] está lá várias vezes - a nada, nem com nada que se assemelhe ao acionista que, neste caso, é o Estado.
Em relação à questão da gestão pública e privada, no caso da TAP, que é um exemplo muito paradigmático, os prejuízos que a empresa continua a acumular e até as queixas de deterioração do serviço não o fazem repensar um pouco esta questão?
Pelo contrário. Então se temos uma empresa que era do Estado e dava prejuízos, que se privatizou e esteve controlada - vamos falar assim por simplicidade, porque não sei se foi bem assim - por privados num período e depois voltou a ser 50/50, e que para algumas coisas é controlo estratégico do Estado, mas para as contas públicas afinal não é - decidam-se -, mas passou a ser outra vez, vamos chamar-lhe pública, e continua a dar prejuízos...
Mas com gestão privada...
Certo, mas o vosso ponto é que os privados fazem muita asneira? Fazem muita asneira, mas eu não estou a defender privatizações para que os privados não façam asneiras ou para que vão gerir melhor. Se eu pretendo isolar o efeito da gestão dos privados do dinheiro público, passa a ser indiferente, é um problema dos privados. O que eu não quero é que o Estado esteja nesta situação em que a TAP continua a dar prejuízos e 50% deles vão ser, ou podem ser, assacáveis aos contribuintes. Isso é que não faz sentido. Por que raio é que um Estado tem de ser dono de uma companhia aérea? Respondam-me.
Mas sempre que os privados fizerem asneira, para usar a sua expressão, o país corre o risco de perder os bancos que tem, corre o risco de perder as companhias aéreas que tem...
E corre o risco de aparecerem outros bancos e outras companhias aéreas melhores do que essas. É assim: se as pessoas são suficientemente incompetentes para gerirem negócios, esses negócios não podem perdurar com o apoio de ninguém, e sobretudo com o apoio do Estado. São os próprios acionistas que têm de resolver esses problemas, e se por acaso não houver solução e desaparecerem, vão dar espaço, se houver negócio, para aparecer outra coisa. Não é uma lógica de destruição criativa pura, não é isso que estou a dizer. O que estou a dizer é que quando há nas economias a tentação de suster durante demasiado tempo coisas que não são eficientes, que não são eficazes, que não têm viabilidade por si próprias, o que se está a fazer é impedir outros de aparecerem e tomar o lugar com vantagem. Todas as economias que são verdadeiramente dinâmicas são aquelas onde há uma substituição, uma renovação do tecido empresarial, mais rápida. Isto é óbvio, para mim pelo menos.
O senhor elegeu no seu primeiro discurso como presidente do Iniciativa Liberal o combate à corrupção como a grande bandeira do partido. O que é que lhe parece esta ideia do Ministério Público de alargar o âmbito da delação premiada em Portugal? Pensa que isto é uma solução para combater o problema?
Gosto, por princípio. O que é que nós dissemos? Dissemos que a corrupção é de facto um problema que tem de ser atacado por dois motivos bastante diferentes. Primeiro: é particularmente frustrante que ao fim de 30 anos de ouvir falar nisso se veja muito pouca melhoria. Portanto, é uma questão quase de teimosia, de agora tem de ser. Segundo, mais ideológico e mais importante: uma sociedade com um nível de corrupção alto é uma sociedade que não respeita a meritocracia, ou seja, em que o melhor não fica com o contrato; o melhor não fica com o emprego; o melhor, ou a melhor, não fica com nada que seja deturpado, corrompido - o verbo é aqui muito bem usado - pela própria corrupção. A corrupção, para nós, é um problema ideológico também, é um defeito grave do sistema. E dissemos o quê? Dissemos que há 30 anos que se anda a tentar. Portanto, uma de duas razões tem de existir: é realmente muito difícil e complexo, ou há quem não queira. É daquelas que nem é preciso responder para tentar resolver. Vamos fazer de conta que estamos a começar agora a tentativa. O que os especialistas nos dizem é: conseguimos até o que diz respeito à deteção dos casos, na parte indiciária, ser relativamente bem-sucedidos, o que temos é dificuldade em acusar e, sobretudo, em condenar. E porquê? Porque há uma dificuldade de prova grande, porque só os próprios envolvidos é que conseguem normalmente trazer os dados para cima da mesa, esses problemas todos. Nós, no tal voluntarismo, dizemos: alguma coisa tem de ser feita e não venham com objeções de filosofia do direito. Então dissemos, durante a campanha, que estamos disponíveis para pôr em cima da mesa, num contexto que seja sério, uma comissão de sede parlamentar - alguma coisa de sede parlamentar e não governamental, atenção -, que discuta sem tabus coisas que já estiveram em cima da mesa, como o enriquecimento ilícito, o tema da delação premiada e uma coisa que considero distinta e que acho que foi o que a ministra da Justiça veio preanunciar, não vi detalhes ainda, a que chamou justiça negociada e que equivale muito àquilo que são os plea bargains, da América; basicamente, o Ministério Público tem alguma latitude para negociar com pessoas que ajudem nas investigações ou mesmo que estejam acusadas de vários crimes que, se confessarem um ou dois deles, podem ser isentados de responsabilidade nos outros ou ter as suas penas reduzidas. Se isto for, regra geral, confirmado por tribunais - não estamos a querer que passe a ser o Ministério Público a condenar pessoas e a julgá-las, não é isso que estamos a dizer -, devem ter a latitude de negociar. Isto significa que se consegue chegar não só a condenações, mas a condenações mais rápidas, ou seja, o efeito dissuasor do combate à corrupção de repente aumenta.
Mas isso implica uma mudança constitucional?
Provavelmente.
Deu dois exemplos, o do enriquecimento ilícito que já foi chumbado pelo Tribunal Constitucional várias vezes...
Sei isso tudo e por isso é que digo que temos de fazer uma escolha. Ou queremos continuar a ter esta Constituição ou queremos continuar a ter este sistema de corrupção. É uma escolha.
Acha que há condições no Parlamento para haver uma revisão constitucional?
Volto a dizer, ou as pessoas querem mudar alguma coisa e votam a favor de uma alteração que permita essas coisas, ou não querem mudar nada, com as interpretações que cada um fará, e mantêm esta Constituição.
Mas não querendo mudar nada, a criação de uma comissão parlamentar também não vai adiantar muito nesse sentido.
Tem razão. Tem de ser com uma incumbência clara, com um mandato claro, para chegar a propostas concretas que podem incluir a revisão constitucional - não me choca absolutamente nada se for necessária. Não sou constitucionalista, mas já ouvi boas explicações que convencem de que poderá haver essa necessidade -, para recomendar claramente o que é que tem de ser feito. Depois, cada um assume as responsabilidades políticas de aplicar ou não essas recomendações.
Nesta legislatura chegaram três novos partidos ao Parlamento e um deles foi precisamente o Iniciativa Liberal. O Chega começou de braço dado com os polícias na rua, o Livre escoltado nos corredores do Parlamento para evitar jornalistas...
... e eu sou demasiado discreto.
O Iniciativa Liberal é uma espécie de fiel da balança que se quer manter longe das polémicas que dão visibilidade mediática?
Não gosto de dar sugestões editoriais à nossa comunicação social, mas só pelo facto de terem entrado três partidos ao mesmo tempo e terem só um deputado, não devem ser postos no mesmo bolo. Fica um pouco presunçoso dizer isto, mas vou dizer na mesma: tenho a convicção hoje, baseada já em cinco ou seis semanas de trabalho parlamentar, que nesta legislatura vai de facto haver verdadeira oposição, e baseada numa dicotomia ideológica. O socialismo de um lado, daqueles que acham que o Estado deve interferir cada vez mais na vida das pessoas e tomar as decisões por elas, o liberalismo do outro, das pessoas que acreditam nos portugueses, nós que acreditamos nos portugueses e queremos que eles tomem as decisões por eles tanto quanto possível e tão cedo quanto possível.
Mas só o Iniciativa Liberal é que vai fazer oposição?
Só nós é que vamos falar disto, desta forma, sim.
Sobre o liberalismo é normal.
Mas é que todas as outras visões da sociedade são uma espécie de diluição de meias-tintas disto, não é? Umas, um pouco mais estatizantes, outras um pouco menos estatizantes... Pessoas que defendem liberdade individual no capítulo económico, no capítulo social, no capítulo político, não encontra ninguém sem ser o Iniciativa Liberal. Vai ser um polo de oposição não só à atividade corrente do governo, mas à ideologia prevalecente no governo e no país.
Portanto, considera que o PSD e o CDS são só variantes dessa política de esquerda?
São. Com uma enorme distância, evidentemente. Só o estou a pôr no sentido em que defender uma ideologia, da forma coerente e consistente como nós fazemos, não é fácil. Há princípios que nós aplicamos e temos que, quando os defendemos, sabemos que estamos a defender coisas que permitirão às pessoas fazer escolhas que nem sequer nós as faríamos, mas é aí que se mede a força do princípio. É quando nós permitimos que haja um enquadramento em que cada um escolhe livremente, e muitas dessas escolhas não nos vão agradar. Por isso é que o princípio é forte. Isto para dizer que a Iniciativa Liberal nasce com esta ideia. Nasce. Não se habituou, não se moldou, não passou pelo PREC, não teve de se aliar com ninguém. Nasceu para isto: para pôr as ideias liberais na agenda política e deixar que elas deixem de ser bichos papões e possam fazer o contraponto com o socialismo que é tão vigente. É tão normal acharmos normais soluções socialistas que de facto não o são.
Diz que não quer ficar no bolo dos outros partidos que chegaram agora à Assembleia...
Só neste sentido. De facto, vê-se os objetivos que existem e acho que é reconhecível - isso já não me fica mal dizer - que não são bem os mesmos.
O presidente da Assembleia da República deu na quinta-feira uma reprimenda ao deputado do Chega pela linguagem que tem utilizado no Parlamento, nomeadamente a utilização da palavra "vergonha". Deixam-no constrangido as intervenções de André Ventura e sente-se confortável com a reprimenda que Ferro Rodrigues lhe deu?
Hesito em responder. Tenho obviamente opiniões sobre isso tudo, mas entendo que não devo fazer comentário político nesse particular. Estamos no Parlamento, de facto, para fazer trabalho político. Fazemo-lo no plenário, fazemo-lo muito nas comissões. Isso exige bastante da equipa que lá está e de mim próprio, e é nisso que queremos estar concentrados. Tudo o que no plenário distraia daquilo que são as opções políticas, retire tempo do trabalho propriamente dito, etc., tudo isso nós lamentamos venha de onde vier.
E tem vindo do lado do Chega?
Venha de onde vier. Não são só os partidos que condicionam o trabalho parlamentar. Venha de onde vier.
Já sabemos que acha cedo para se começar a discutir candidaturas presidenciais, mas a verdade é que já definiu um perfil, que desenhou na sua moção, e esse perfil diz que o Iniciativa Liberal deve apoiar um candidato que seja reconhecido pelas suas tendências liberais, assim como por um temperamento mais recatado e por uma atitude mais incisiva quando necessária. Marcelo Rebelo de Sousa tem sido uma desilusão para si?
Não, mas não tem sido o Presidente de que Portugal mais teria precisado, e a minha leitura mantém-se. Acho que foi importante numa altura em que Portugal tinha uma crispação social significativa. O facto de ele ter trazido proximidade ao tipo de interpretação que faz da função presidencial, acho que é positivo. Já não acho positivo que haja praticamente um comentário diário ao que se está a passar e, sobretudo, o mais importante, não acho positivo que não tenha utilizado a sua função, num sistema semipresidencial é muito importante, de alertar para a falta de ambição que ao longo de quatro orçamentos, o governo anterior, a geringonça, exibiu. A falta de ambição é uma coisa que me choca particularmente. Nós somos melhores do que isto.
Será completamente impossível apoiar Marcelo Rebelo de Sousa?
Sim.
Numas próximas eleições, ou até se houver eventualmente eleições antecipadas - não sei se acredita nesse cenário, porque há quem diga que o governo vai conseguir concluir, apesar de ser minoritário, esta legislatura...
Eu estou político, com muita honra e assumo toda essa condição, mas eu não sou propriamente um político. Não tenho grande habilidade para ler as coisas a essa distância toda. Muita gente, por esta altura da última legislatura, estava a prever uma desavença rápida entre a geringonça e isso nunca se verificou. E também não adianta muito. Planeámos o nosso trabalho, esta nossa missão no Iniciativa Liberal no pressuposto de que a legislatura vai até ao fim.
Mas é possível o entendimento, por exemplo, entre o PSD liderado por Rui Rio e o Iniciativa Liberal, ou seria mais fácil uma aproximação com Luís Montenegro, que é mais próximo da ala liberal?
O que é uma aproximação?
Uma aproximação, um entendimento político para, por exemplo, viabilizar propostas, para poder formar governo.
Mas isso acontece várias vezes. Na quinta-feira tivemos - podem não acreditar - 90 votações no Parlamento e eu acho que as geometrias de votações foram do mais variado que há.
Mas independentemente de qual for o PSD?
Independentemente. Há coisas que o PSD propôs nas votações que achámos que devíamos votar a favor, outras não. Acho que é assim mesmo. As coisas avaliam-se pelo seu mérito.