'Glória' estreia hoje. Joana Ribeiro e a arte de estar em todas
O dom da ominipresença. Joana Ribeiro está por todo o lado. É um dos rostos de Glória (disponível a partir de hoje, 5 de novembro na Netflix), mas mas também pode ser vista na Prime Video em Infinito, fábula de ficção científica onde é um ser com poderes de reencarnação ao lado de Mark Whalberg e Chiwetel Ejiofor. Como se não bastasse, tem nos cinemas Fátima, de Marco Pontecorvo e o drama Sombra, de Bruno Gascon. A seguir, vêm duas séries com impacto global: The Man who Fell to Earth, sequela do filme mítico com David Bowie para a Showtime/CBS e Das Boot- O Submarino, ao lado de Vicky Krieps. Tudo isto faz de Joana um dos casos mais internacionais do talento novo português, bem ao lado de nomes como Nuno Lopes, Victoria Guerra, Daniel Melchior, Albano Jerónimo ou Alba Baptista.
O que Glória tem que uma série inteiramente portuguesa não tem?
Dinheiro... E isso faz muita diferença. Tivemos mais tempo de pré-produção e isso é das coisas mais importantes para um projeto. Em cada dia sabíamos exatamente aquilo que teríamos de ter em conta e o tempo para ensaiar é algo espetacular para um ator. Foi também um luxo poder filmar no local onde tudo aconteceu.
Já agora, haver mais dinheiro significa também cachets maiores para os atores?
Sim, acho que sim... Mas nunca é tanto como noutros países, onde os orçamentos são maiores.
Haverá a tal falada fórmula de narrativa Netflix nesta série?
Sinto que há a fórmula Netflix, mas é sobretudo uma série muito portuguesa. Além do mais, sente-se a linguagem do realizador, o Tiago Guedes.
Há algo de A Herdade no tom...
Sim e isso é tão bonito! Gosto tanto da sua sensibilidade tão especial... Para além de trabalhar para a Netflix, o que me deixou mais feliz aqui foi trabalhar com o Tiago e com o diretor de fotografia, o Szankovski. Espero que as pessoas gostem e sintam orgulho em algo que foi feito em Portugal! Isto é português.
A Joana está aí nos ecrãs em Fátima, precisamente feito cá mas que não é português... Acredito que tenha sido surreal para si quando percebeu que iria ser a Virgem Maria...
Achei interessante ser a Virgem Maria, não é uma personagem fácil de se apanhar. Além disso, nem é alguém muito representado no cinema ou nas séries, nem pude pesquisar. O meu método foi mesmo trabalhar com o realizador. Trata-se de uma personagem muito maternal, apenas luz e bondade. Quisemos, de alguma forma, que a voz dela fosse como uma onda com pureza absoluta. Enfim, para mim foi uma experiência...
Em Infinito, de Antoine Fuqua, filme de ficção-científica já na Prime Video, tem um pequeno papel e, basicamente, contracena com efeitos visuais...
Parte daquilo que faço no filme é inteiramente dentro de uma máquina a simular um carro e é tudo em "ecrã verde". Contrariamente ao que se pensa, filmar cenas de ação é o que de mais próximo ao teatro podemos estar em cinema... Estamos a representar e, ao mesmo tempo, imaginar tudo o que está à nossa volta. É quase como estar num palco sem nada, foi super difícil. Depois destas cenas fiquei a ganhar um respeito enorme pelo Tom Cruise.
Parte da sua participação, a Joana está a sofrer um acidente de viação.
Sim! E depois havia a questão das regras de segurança: supostamente só podia estar com a cabeça virada para baixo trinta segundos... Às tantas, o realizador pediu para ficarmos um pouco mais mas apareceu logo o assistente a dizer que não podia ser. Foi um processo que demorou imenso tempo, já para não falar que estávamos todos amarrados - sentia que estava numa cadeira de uma atração da Feira Popular. Mas não chegávamos a filmar uma cena por dia, apenas segundos.
Infinito é um filme da Paramount. Sente-se a escala de uma super produção de Hollywood?
Sim, sim. Aquilo era surreal, nunca vi tanta gente no projeto. A escala de Infinito é gigante!
No meio dessa internacionalização nunca diz não ao cinema português. Está aí nos ecrãs em Sombra, vai estar em A Primeira Idade, de Alexander David e fez as duas primeiras longas ainda por estrear de Carlos Conceição...
Sou portuguesa e não quero deixar de trabalhar em Portugal. Tenho tido oportunidades incríveis lá fora e adoro, mas quero fazer parte do movimento de dar maior visibilidade a Portugal. A minha ideia é estar em Portugal e lá fora ao mesmo tempo.
Mas ser "atriz internacional" obriga a muita vida de aeroporto e aceitar alguns papéis para dar tarimba, não é?
Sim, é isso tudo. Com a minha agente, Carla Quelhas, traçámos um plano a longo prazo: quero que isto dure, não quero ser a "a rapariga do momento". Não me ponha isso como título: "não quero ser a rapariga do momento"! [risos] A sério, adoro realmente o que faço. Adoro ser a atriz.
Ainda mantém todo o gozo de representar?
Sim! Por mim, trabalhava todos os dias e a toda a hora. Nem tinha férias. Ser atriz não é um trabalho, é um modo de vida e ainda me pagam. Tenho tido muita sorte neste aspecto.
Mas já teve um filme maldito, o The Man Who Killed D. Quixote, de Terry Gilliam, que continua desaparecido em Portugal, precisamente onde é protagonista ao lado do Adam Driver...
Pois, está amaldiçoado. Ainda no outro dia em Londres estive com o Terry e falámos sobre isso. Como é possível!? Quatro anos depois de filmarmos ainda não ter chegado aos portugueses? A verdade é que guardo memórias muito boas do filme. Para o ano, quando estrear, vai ser completamente estranho ver algo que agora faria de forma completamente diferente. Tal como o Lost in La Mancha, é daqueles épicos que todos vão falar daqui a uns anos...
Mas não tem medo de ter, por exemplo, um burnout com tanto trabalho?
Claro que me canso mas é um bom cansaço. Fiz Um Fio de Baba Escarlate na mesma altura em que gravava uma novela. Das 08.00 da manhã às 18.00 estava na novela, depois ia para casa e às 20.00 iam apanhar-me para o filme e ficava a filmar até de madrugada. Nesse período estava a dormir duas horas com textos para decorar...
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