Jesus e a saída do Benfica. Da "pressão política" interna às "asneiras de Pizzi"
Jorge Jesus quebrou pela primeira vez de forma veemente o silêncio sobre a sua saída do Benfica, no final de dezembro, considerando que se deveu a "muita pressão política" interna do clube" e que tudo se complicou com o episódio do desentendimento com Pizzi. Puxando dos galões, em vésperas de um clássico entre o Benfica e o FC Porto (sábado na Luz), o técnico lembrou ainda que quando deixou as águias a equipa não estava tão longe da liderança como agora.
"Houve muita pressão política no clube. Quando o presidente [Luís Filipe Vieira], que me levou de volta, foi deposto, eu sabia que mais cedo ou mais tarde iriam tirar-me também. Houve um jogo, da Liga dos Campeões, em que vencemos o Dínamo de Kiev (2-0) e fomos vaiados no Estádio da Luz! Isso mesmo com o apuramento garantido, num grupo em que o Barcelona foi eliminado", atirou Jesus em entrevista ao jornalista brasileiro Renato Mauricio Prado, do portal UOL Esporte.
"Já não havia mais ambiente. Depois ainda houve a indisciplina do Pizzi, que disse um monte de asneiras a um dos meus auxiliares, num jogo em que eu estava suspenso, e aí tudo descambou. Mas quando saí, o Benfica estava a três pontos dos líderes e apurado para os oitavos de final da Champions. Hoje está a 15 pontos da liderança. O problema era só eu?", acrescentou, em referência ao episódio ocorrido com Pizzi no Dragão, após uma derrota por 3-0 com o FC Porto, que levou o treinador a colocar o jogador a treinar à parte, o que motivou uma revolta dos jogadores e que acabou por ser determinante para a sua saída da Luz.
Jesus foi ainda questionado sobre qual a equipa que mais gostou de treinar na sua carreira. E elegeu duas. "O Flamengo de 2019 e o Benfica do meu primeiro ano, campeão português em 2009-10. Essa também era uma equipaça. Tinha o Luisão, David Luiz, Fábio Coentrão, Ramires, Pablo Aimar, Saviola, Dí Maria... Tinha prazer. Mas o grupo que mais gostou de mim foi o do Flamengo", considerou.
Por falar em Flamengo, clube que é atualmente treinado pelo português Paulo Sousa, Jorge Jesus não colocou de parte a possibilidade de regressar. E terá mesmo confessado isso ao jornalista Renato Maurício Prado, que lhe fez a entrevista. Esta parte da conversa, contudo, foi descrita pelo repórter. "Quero voltar, sim. Mas não depende só de mim. Posso esperar até pelo menos ao dia 20. Depois disso, tenho que decidir a minha vida", terá dito Jesus.
"Esta equipa [Flamengo] ainda mexe comigo. Incomoda-me vê-los em dificuldades. Tenho a certeza de que se tivesse continuado teríamos conseguido uma longa hegemonia. Estávamos bem à frente dos demais", referiu o técnico, confessando que só não continuou no Flamengo, onde foi campeão brasileiro e venceu a Taça Libertadores, devido à pandemia.
"Foi algo absolutamente inesperado e devastador. Fiquei completamente sozinho. Um funcionário deixava a comida à porta do meu apartamento e saía a correr. Parecia que estava a viver numa leprosaria. Era muito difícil. Por isso, quando surgiu o convite do presidente do Benfica, um velho amigo, foi o que me pareceu melhor opção. Inclusive para voltar a viver perto da família", justificou.
O técnico, atualmente sem clube, admitiu que a cobiça do Flamengo, em dezembro, quando os dirigentes brasileiros vieram a Portugal, criou-lhe muitos problemas porque ainda treinava o Benfica. "Foram ver um jogo do Benfica no camarote do FC Porto, deram várias entrevistas, criaram uma balbúrdia desnecessária. Se me quisessem mesmo, teriam ido em janeiro, como sugeri, e poderíamos ter acertado", confidenciou. O Flamengo, recorde-se, acabou por contratar Paulo Sousa, que ainda está no cargo.
Jesus revelou ainda que depois de sair do Benfica recebeu propostas de Atlético Mineiro, Corinthians e Fluminense para regressar ao Brasil. E também do Fenerbahçe, da Turquia. E explicou porque recusou os convites do outro lado do Atlântico. "No Brasil, só me interessa treinar o Flamengo. Já basta o que sofri, em Portugal, por trocar o Benfica pelo Sporting", atirou. E a seleção brasileira? "Treinar a seleção do Brasil seria um sonho. É o tipo do convite irrecusável."
No Brasil estão atualmente três treinadores portugueses: Paulo Sousa no Flamengo, Abel Ferreira no Palmeiras, Vítor Pereira no Corinthians e Luís Castro no Botafogo. Jesus não teve problemas em eleger quem considera melhor: "Vitor Pereira é o melhor. Basta ver os resultados dele em Portugal. Sabe montar uma equipa para jogar ofensivamente. Talvez tenha problemas com o plantel envelhecido. Mas é muito bom treinador". Sobre Abel, que venceu duas vezes a Libertadores pelo Palmeiras, admitiu que no início, apesar dos títulos, não gostava muito do estilo de jogo: "Quase sempre reativo. Mais preocupado em não sofrer golos do que em marcá-los. Mas ele tem evoluído. O Palmeiras hoje é uma equipa muito mais criativa. E passou a ser ofensiva. Joga o melhor futebol do Brasil."