Jerónimo admite mais abstenção porque jovens emigraram

Receção tímida em Lagos e Olhão. Líder comunista salienta o "desânimo" dos portugueses e desabafa: "Deixaram de acreditar".
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Desempregada há 5 anos, vinda propositadamente de Faro para participar na arruada da CDU em Lagos, Carla Cruz exclama ao trocar um beijo com Jerónimo de Sousa: "Finalmente!" Esse finalmente ocorreu na Praça Gil Eanes, no final do lento desfile da CDU por ruas apertadas e apinhadas de turistas no centro de Lagos ao som de tambores e uma gaita-de-foles - que não abafam o desalento de uma eleitora junto do líder comunista: ter uma esquerda dividida vai dar um novo governo de direita.

"O PS é um partido de esquerda [...], mas que política é que faz?", contrapõe Jerónimo de Sousa quando questionado pelos repórteres, acrescentando que os socialistas atuam apenas como "um partido de poder". Contudo, quando se quer saber se o Syriza - partido "irmão" do BE, que ganhou as legislativas gregas com resultados próximos da maioria absoluta após aceitar novo programa de resgate - também se rege por uma "lógica de poder", o líder comunista dá uma não resposta clássica: "Da Grécia sabem os gregos, aqui é uma realidade diferente."

Animadora sociocultural, 43 anos, Carla Cruz diz-se cansada de cursos de formação profissional - para técnica de contabilidade - que não lhe dão emprego. "Para quem tem formação [académica] é muito difícil, muito complicado, ter cursos profissionais através do centro de emprego", pois privilegiam quem tem o 6º ano, o 9º e até o 12º ano de escolaridade, explica, antes de voltar a tirar novas fotos com o telemóvel a Jerónimo de Sousa e juntar-se ao coro que grita "CDU, CDU".

Nas suas "palavras de saudação" às poucas dezenas de militantes e apoiantes que agitavam bandeiras da coligação PCP/Os Verdes com diferentes cores, Jerónimo de Sousa - vestido com uma camisa cor-de- -rosa e fato cinzento, continuando a mostrar alguma timidez no contacto com os populares - faz um rasgado elogio ao deputado comunista pelo distrito de Faro, Paulo Sá: "Não fugiu" a ouvir e apoiar "uma única causa" reivindicada por trabalhadores, pescadores ou pequenos e médios empresários.

"Há quem diga que a CDU não tem grande expressão [no Algarve] mas temos razões" para acreditar que vai ser alcançado o objetivo dos comunistas no distrito: ter mais votos, refere o secretário-geral do PCP, que também está acompanhado pela deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes).

Aos jornalistas, Jerónimo de Sousa confessa que "seria um esforço titânico ter dois deputados" comunistas por Faro, círculo que elege nove deputados. A abstenção também "vai ser significativa", porque meio milhão de jovens com capacidade eleitoral emigraram e porque também há "pessoas desanimadas, que deixaram de acreditar".

Algumas delas estão num café fronteiro ao local onde começou o desfile da CDU: "Como é que querem que acreditemos neles? Só dizem mal uns dos outros", desabafa a proprietária para uma das clientes, enquanto outra abana a cabeça em sinal de concordância.

Em Olhão, após o almoço em Portimão, a comitiva comunista realiza outra arruada sem suscitar grande adesão popular. Jerónimo de Sousa, agora em mangas de camisa, aproxima-se de um menino de origem asiática com o cabelo levemente espetado, faz-lhe uma festa fugaz na cabeça e estende a mão aberta com a palma para a frente: "Toca aí", desafia o miúdo (que corresponde à saudação).

Já com as águas da ria Formosa por trás, no local onde ia fazer uma breve intervenção, o líder comunista reage de modo fleumático a um contratempo: "Isto não tem som", diz, inclinando-se para a frente e batendo com a mão esquerda no microfone.

Jerónimo de Sousa, sem sinais visíveis de cansaço, comete a seguir um lapso, quando faz a defesa dos habitantes, pescadores e mariscadores da ria Formosa e se pronuncia contra o processo de destruição de casas. "Com eleições à porta, suspenderam as demolições. Mas é um compasso de espera para ver o que dá" o resultado das legislativas, avisou o dirigente da CDU. O ponto é que a suspensão das demolições foi decidida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, primeiro em abril e agora em setembro.

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