Jeremy Corbyn e Boris Johnson só concordaram com o fim da austeridade
Boris Johnson foi ao ataque para o debate na ITV, estação privada de televisão, em Manchester. Na véspera enviou uma carta ao líder trabalhista com quatro perguntas relacionadas com o Brexit que, nota, Jeremy Corbyn tem recusado responder.
Horas antes do debate, o primeiro-ministro e líder nas sondagens visitou uma academia de boxe. De luvas calçadas com a mensagem da campanha (Get Brexit done, ou seja, concluir o Brexit), Boris Johnson quis passar uma mensagem agressiva, mas não demasiado. "Não quero ser muito agressivo aqui. Isto é mais boxe terapêutico do que boxe agressivo", disse.
Já Jeremy Corbyn preferiu partilhar um vídeo curto de um barbeiro a aparar a sua barba. "Corte rápido antes do primeiro debate sobre as eleições", publicou no Twitter.
O debate misturou perguntas do público com outras de telespectadores e da jornalista Julie Etchingham. Esta moderou o debate e os excessos de Boris Johnson -- não só em tempo, mas sobretudo quando em todas as questões insistia no Brexit.
Se o Twitter votasse Jeremy Corbyn poderia sonhar com uma vitória nas eleições de 12 de dezembro. O jornalista Paul Brand da ITV lançou um inquérito naquela rede social sobre quem venceu o debate e o resultado foi esmagador: 78% deu a vitória a Corbyn e 22% a Johnson em quase 30 mil respostas.
Já a YouGov -- que é acusada de parcialidade pelos trabalhistas -- publicou uma sondagem com 1600 pessoas. À pergunta "Esquecendo a sua preferência partidária, quem pensa que teve o melhor desempenho no debate?", 51% respondeu Boris Johnson e 49% Jeremy Corbyn.
Num estúdio com uma imagem futurista, o debate começou e acabou com uma declaração de ambos, útil apenas para quem desconhece os candidatos: Corbyn falou na importância das eleições para construir uma alternativa ao governo, que "falhou na economia, na emergência climática, no Brexit". Já Johnson começou por matraquear os espectadores com o Brexit. "O Parlamento está paralisado e é por isso que há estas eleições. Nós podemos cumprir o Brexit", disse, para logo de seguida acusar Corbyn de ter uma aliança com a líder dos nacionalistas escoceses Nicola Sturgeon para realizarem dois referendos (Brexit e independência da Escócia).
E o Brexit foi o tema das duas primeiras perguntas do público. Boris Johnson prometeu não só ter a saída concluída em 31 de janeiro de 2020 como o acordo da futura relação com a União Europeia em dezembro do próximo ano. Corbyn também jogou ao ataque neste ponto, ao afirmar que com os conservadores os britânicos terão "sete anos de negociações com os EUA para um acordo comercial que envolve o Sistema Nacional de Saúde" e a ao mesmo tempo negociar outro acordo com a UE e que "ambos são na realidade incompatíveis". "O que sabemos é que há conversações secretas para vender o nosso SNS. Vai vender o nosso SNS!", acusou Corbyn, ao que Johnson respondeu que essa ideia é "completamente falsa". "O nosso SNS não está à venda", garantiu.
Boris Johnson voltou à ofensiva ao dizer que a alternativa de Corbyn é "consagrar o próximo ano a um novo acordo e a um referendo -- e Corbyn vai votar como?". Uma pergunta que foi repetida, mas à qual Corbyn, assumido eurocético, se limitou a afirmar que iria "cumprir a decisão do povo britânico".
O trabalhista defende três meses de negociações com Bruxelas e seis meses depois apresentar o acordo em referendo, com a hipótese de se escolher a permanência na UE.
À pergunta sobre a confiança nos políticos, Boris Johnson foi interrompido pela moderadora porque já estava a falar do Brexit. Julie Etchingham lembrou as acusações de Boris Johnson trair os seus princípios e de Jeremy Corbyn dirigir um partido antissemita -- e aqui Corbyn foi acusado de "falhar como líder" pelo ex-mayor de Londres. Este arrancou uma gargalhada de grande parte do público quando concordou que a "verdade é importante" nas eleições.
Os dois dirigentes comprometeram-se em contribuir para a moderação da linguagem, o que ficou selado com um aperto de mão.
Foi depois de Jeremy Corbyn ter partilhado a história de um amiga com cancro que morreu na véspera após ter estado oito horas à espera de ser atendida que o trabalhista declarou o fim da austeridade de nove anos de governos conservadores.
"Houve nove anos de austeridade, e só houve aumento de bilionários. Vaamos começar por aumentar o salário mínimo e acabar com os horários de zero horas. Vamos acabar com a austeridade", disse. Boris Johnson deu como exemplo a sua mudança de estratégia (ia cortar o IRC mas não vai fazê-lo para investir no SNS) para concordar com o fim da austeridade.
Sobre o Sistema Nacional de Saúde ou sobre as relações do príncipe André com Jeffrey Epstein, Boris Johnson foi a reboque de Jeremy Corbyn. Este último tema, que está a gerar grande atenção entre os britânicos, fez parte de um conjunto de questões do público para respostas telegráficas. Para Corbyn a monarquia "precisa de pequenas melhorias"; já para Johnson a "instituição da monarquia está acima de qualquer crítica".
Corbyn recebeu um grande aplauso quando disse sobre a amizade de André com um condenado por agressões sexuais: "Acho que há perguntas muito, muito importantes que devem ser respondidas e ninguém deve estar acima da lei, mas a posição principal deve ser o tratamento adequado das pessoas que foram vítimas do comportamento chocante de Epstein e de muitos outros, aparentemente."
Johnson limitou-se a mostrar solidariedade para com as vítimas de Epstein, morto em circunstâncias que estão a ser investigadas quando estava preso. "A lei tem de seguir o seu caminho", concluiu.
Outras duas perguntas -- quem é o líder estrangeiro que mais admira e que presente ofereceria no natal ao seu adversário -- revelaram a obsessão de Boris Johnson com o Brexit. À primeira respondeu: "Os líderes da UE27 porque me deram um fantástico acordo"; à segunda, "uma cópia do acordo do Brexit". Já o trabalhista destacou o papel do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, "por tentar manter o mundo unido", e a Boris Johnson, Um Conto de Natal, de Charles Dickens. "Para se lembrar quão mau era o Scrooge."
Antes do debate, o primeiro-ministro Boris Johnson prometeu aumentar a despesa pública para níveis sem precedentes no Reino Unido desde a década de 1970, o que representa uma rutura em relação a décadas de rigor e mais recentemente de austeridade das finanças públicas. O Partido Trabalhista prometeu um aumento ainda maior do investimento, como parte de uma "mudança irreversível no equilíbrio de poder e na riqueza em favor dos trabalhadores". Os conservadores comprometeram-se a aumentar as despesas de investimento em 20 mil milhões de libras por ano, enquanto os trabalhistas prometeram mais 55 mil milhões de libras por ano.
Julie Etchingham perguntou a ambos se encontraram uma árvore das patacas, mas ambos contornaram a questão.
A Reuters ouviu especialistas perante as promessas em investimentos maciços dos dois candidatos, o que terá uma repercussão na dívida do país. O Reino Unido tem uma dívida em percentagem do PIB de 87% em 2018, mais do dobro antes da crise financeira de 2008-09.
Com as taxas de juros próximas de zero em todo o mundo, o Reino Unido poderá experimentar um estímulo alimentado por títulos. Philip Shaw, economista-chefe da Investec, disse que o Reino Unido transacionou mais de 200 mil milhões de libras de obrigações só no exercício financeiro de 2009/10, quando a crise causou estragos nas finanças públicas.
Na sexta-feira, os dois líderes partidários irão estar presentes num programa da BBC, também com perguntas dos espectadores, mas alargado aos restantes partidos.