Num discurso crítico sobre o presente e futuro do Brasil, durante um evento na Universidade de Coimbra em que deixou vários recados a uma esquerda brasileira desunida - e que ficou marcado por uma tentativa de agressão com ovos de que foi alvo - , Jean Wyllys afirmou que acredita que quem vai derrubar o Presidente Jair Bolsonaro será Marielle.."Será a memória dela e será a revelação de que há relações profundas entre quem hoje ocupa a presidência [do Brasil] e o assassinato dessa mulher que tinha muito para dar à humanidade [que vão derrubar Bolsonaro]", vincou o antigo deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) - o mesmo partido de Marielle -, que desistiu do seu mandato e saiu do Brasil, face às crescentes ameaças de morte que recebia..Para Jean Wyllys, forte crítico do Presidente do Brasil, mesmo quando políticos são eliminados, como aconteceu a Marielle, cujo "corpo físico desapareceu", as ideias permanecem.."O assassinato de Marielle não significa o fim de Marielle", sublinhou, antes de dizer "Marielle Presente", palavra de ordem, acompanhada pela plateia, que irrompeu em aplausos..No seu caso - deixou o Brasil por recear ser morto- , entende que o sistema "decidiu que precisava" de o eliminar. "Se não me eliminava pela destruição da minha reputação, da minha imagem pública, convertendo-me num pária, como fez Goebbels aos judeus na Alemanha nazi, então [o sistema iria eliminar-me] através da morte real, com um assassinato encomendado a sicários ou forjado. Quando me dei conta disso, que estava relativamente sozinho, tomei a atitude radical da defesa da vida, porque recuar é também uma estratégia de luta", sustentou, sobre o seu exílio..Incidente com ovos.Para o político brasileiro, as causas que defende "não precisam de mais um mártir", mas sim de "um ativista atento, até com um segurança que se pode colocar à frente de um tiro - ele atirou um ovo, mas se estivesse com uma arma tinha dado um tiro", disse, referindo-se a um homem que tentou atirar ovos contra Jean Wyllys, durante a cerimónia de hoje..Jean Wyllys acredita que a pessoa que lhe atirou o ovo o fez por causa das notícias falsas escritas contra si, mas que, no fundo, a base está no "monstro" que habita nas pessoas..Monstro esse, vinca, que Bolsonaro alimentou durante a campanha, em que, ao proferir discursos de ódio, "pôs para fora os monstros que habitam na maioria das pessoas, que não querem reconhecer em si mesmas esses monstros"..Questionado por um dos participantes, sobre qual o caminho para reverter a situação brasileira, Jean Wyllys afirmou que os partidos e movimentos sociais têm de conseguir falar com as pessoas, utilizando expressões que elas entendam, recordando-se de um padre que o fez entender o porquê do mundo ser injusto e o porquê de passar fome. "Isso era fundamental para organizar uma resistência", vincou..Entende que os partidos de esquerda não devem ficar colados à luta de classes e que consigam ter a capacidade de agregar pessoas que se mobilizam por outras causas, como as questões LGBT ou o ambiente..Voltando ao 'monstro', Jean Wyllys considerou que há também muito trabalho a ser feito para desconstruir o medo. "As pessoas que votaram na extrema-direita não são más por natureza. São pessoas equivocadas, manipuladas, que têm o medo manipulado. Tem de haver manifestações de aproximação, ações que desconstruam esse medo. Não vamos deixar que a direita manipule o medo", vincou..Para além disso, encontra no Brasil uma esquerda - sejam partidos ou movimentos sociais - "com dificuldades de união e de ação estratégica conjunta"..Jean Wyllys apontou para críticas feitas a pessoas como a cantora Daniela Mercury por apropriação cultural ou ao humorista Gregório Duvivier por "roubar protagonismo" à mulher ao participar numa campanha sobre aborto.."Muitas vezes, erramos no método e no tom. Não podemos afastar de nós aliados importantes. Precisamos de gastar energia com quem de facto é racista e homofóbico", vincou, mostrando-se incomodado com a desunião da esquerda brasileira..Por agora, apesar de estar "do outro lado do mundo", Jean Wyllys garante que vai continuar a luta. "Pensavam que eu ficaria para morrer [no Brasil], mas eu estou vivo, cada vez mais vivo", disse.