Com uma barba comprida de velho sábio e uma argola no nariz, Jack Dorsey apareceu nos ecrãs do Senado norte-americano como se fosse o hippie das grandes tecnológicas. O aspeto do cofundador e CEO do Twitter contrastou com as imagens bem polidas de Mark Zuckerberg (Facebook) e Sunday Pichai (Google), embora todos tenham defendido o mesmo: que as redes sociais devem poder moderar os conteúdos nas suas plataformas e não devem ser responsabilizadas por eles..Esta é a polémica em torno da Secção 230 da legislação que regula a decência nas comunicações. Durante a audiência, em outubro de 2020, Jack Dorsey foi o vilão preferencial nos ataques dos senadores republicanos. A acrimónia deveu-se à crença de que Dorsey, do alto da sua bolha tecnológica que rebola nas montanhas de Silicon Valley, decidiu censurar injustamente o discurso conservador e o presidente Donald Trump.."Sr. Dorsey, quem diabos o elegeu e o pôs no comando daquilo que os media podem reportar e o que o povo americano pode ouvir?", questionou o senador do Texas, Ted Cruz..A diatribe atirada para cima do CEO seguiu em crescendo até atingir uma revolta febril a 8 de janeiro, quando ele decidiu banir permanentemente a conta @realDonaldTrump do Twitter, depois da invasão violenta do Capitólio em Washington, D.C.."Enfrentámos uma circunstância extraordinária e insustentável, o que nos levou a concentrar todas as nossas ações na segurança pública", justificou depois Jack Dorsey. "Os danos offline do discurso online são comprovadamente reais e são aquilo que guia a nossa política e a sua implementação, acima de tudo.".Donald Trump nunca utilizara outra rede de forma tão instrumental e decisiva quanto o Twitter, pelo que a retirada deste megafone foi sentida como um duro golpe para o presidente cessante. Jack Dorsey, um excêntrico multimilionário de 44 anos, terá sempre no seu currículo este asterisco: foi o homem que tirou o pio a Donald Trump..Massagista profissional. Aspirante a designer de moda. Praticante de jejum diário. Adepto de retiros em silêncio. Dono de uma mansão no exclusivo bairro Sea Cliff, em São Francisco. Seguidor de banhos de gelo. Apaixonado por criptomoedas. Multimilionário..A ascensão de Jack Dorsey tem todos os ingredientes de uma história de sucesso americana, com uma biografia que tanto roça o bizarro como o genial. Nascido em St. Louis, Missouri, em novembro de 1976, Dorsey foi atraído para a programação de computadores durante a adolescência. Enquanto estudante na escola secundária Bishop DuBourg, um jovem Dorsey mostrou-se fascinado pelos desafios de comunicação entre frotas de veículos, como táxis e carrinhas de entregas. Aos 15 anos, desenvolveu um software de despacho de veículos que viria a ser utilizado durante muito tempo por companhias de táxis, segundo a Biography..Este sucesso inicial deu-lhe confiança para o que viria a seguir. Matriculado na Universidade de Ciência e Tecnologia do Missouri e ávido frequentador de concertos de punk rock, Dorsey pediu transferência para a Universidade de Nova Iorque antes de abandonar os estudos. Também aqui manteve a tradição dos visionários de Silicon Valley, que se rebelaram contra a rigidez académica para fundarem as suas startups..A ideia que viria a transformar-se no Twitter surgiu em 2000, ano em que se mudou para Oakland, Califórnia. O conceito era um site onde os utilizadores publicariam frases curtas sobre o seu dia-a-dia, que demonstrou com um protótipo para os amigos usando o seu BlackBerry..Na altura, ainda não havia MySpace e muito menos Facebook. A ideia de uma rede social para partilhar em tempo real o que alguém comeu ao almoço não existia. E como ninguém pareceu interessado na criação, Dorsey deixou-a em banho-maria enquanto licenciava o seu software e se metia noutras aventuras. Em 2002, por exemplo, certificou-se como massagista, e mais tarde aspirou a ser designer de moda..A sua vida está cheia de aparentes incongruências, incluindo o facto de se ter tornado um engenheiro acidental. A jornada que desembocaria no Twitter começou em 2006, quando Dorsey arranjou um emprego na já desaparecida empresa de podcasting Odeo. Foi aí que travou conhecimento com Biz Stone, Evan Williams e Noah Glass, futuros cofundadores do Twitter. A startup arrancou, partindo da ideia de partilhar updates com um limite de 140 caracteres, depois do encerramento da Odeo. Estava-se em março de 2006 e os empreendedores inauguravam o que seria apelidado de "microblogging.".Nomeado CEO aos 30, Dorsey depressa saiu do papel executivo na companhia. Em 2008, ano em que Barack Obama capitalizou na crescente popularidade do site para mobilizar apoio, Dorsey foi demitido pelo conselho de administração. De acordo com a revista Fortune, o que motivou a decisão foi uma sucessão de problemas com o seu estilo de liderança. Dedicava muito tempo a hobbies externos, como aulas de desenho e de costura, era frequentador assíduo de festas, tinha grandes discussões com o cofundador Evan Williams e não comunicava com os investidores. A demissão colocou-o no cargo passivo de chairman e Williams passou a CEO, não demorando muito até que o empreendedor se virasse para outros projetos. Investiu na Foursquare e lançou uma nova empresa, Square, que criou um aparelho para encaixar em dispositivos móveis e transformá-los em terminais de pagamentos com cartão..Mas Dorsey não desapareceu silenciosamente na noite escura. No livro de revelações Hatching Twitter, Nick Bilton descreveu como os anos iniciais da rede social foram recheados de mentiras e facadas pelas costas, incluindo histórias plantadas por Dorsey nos meios de comunicação e uma campanha de sussurros para conseguir que Williams fosse substituído..Tal aconteceu, de facto, em 2010, quando Dick Costolo foi nomeado CEO temporariamente durante a licença de paternidade de Williams e acabou por ficar. Dorsey passou a chairman executivo e acumulou com o cargo de CEO na Square, que cresceria rapidamente nos anos seguintes..Em novembro de 2013, o Twitter entrou em bolsa e transformou Dorsey num multimilionário instantâneo, com uma fortuna avaliada em 2,2 mil milhões de dólares. Imaginando-se comparável a Steve Jobs, que também foi corrido da Apple depois de a ter fundado, Jack Dorsey começou a cultivar uma imagem à semelhança do visionário que criou o iPhone. Isto refletiu-se na sua maneira de vestir, na citação de referências da cultura popular de que Jobs gostava, como os Beatles, e na contratação de empregados da Apple. Até nos estranhos hábitos alimentares: Dorsey come apenas uma refeição por dia..Destaquedestaque"Acreditamos fortemente em sermos imparciais e esforçamo-nos para fazer cumprir as nossas regras imparcialmente", disse Jack Dorsey..A Fortune recorda como o cultivo desta imagem resultou e levou os investidores a quererem o seu visionário de volta. Em 2015, Dorsey regressava ao cargo de CEO com a mesma pompa e glória com que Steve Jobs voltou à Apple em 1996, e também ele para salvar a empresa que estava com problemas..De lá para cá, a revolta contra as grandes tecnológicas, a desinformação para influenciar eleições e um presidente dos Estados Unidos que usou o Twitter para governar mudaram o contexto por completo. Dorsey foi chamado ao Congresso várias vezes para explicar as decisões da plataforma, que para uns mostravam favoritismo político e para outros eram insuficientes para combater a desinformação em massa.."Acreditamos fortemente em sermos imparciais e esforçamo-nos para fazer cumprir as nossas regras imparcialmente", disse o CEO numa dessas audiências. "Da simples perspetiva de negócio e para servir a conversação pública, o Twitter é incentivado a manter todas as vozes na plataforma." Foi este o tom que Dorsey teve durante a maior parte do mandato de Trump, até às eleições que derrotaram o presidente republicano. A exceção de "líder de governo" que lhe fora aplicada para justificar a quebra sucessiva dos termos da rede social começou a esboroar-se com a seriedade das acusações e alegações de fraude eleitoral. Após o ataque ao Capitólio, que fez cinco mortos e que o ex-presidente incentivou, Dorsey endureceu a sua posição. Nunca foi algo que quis fazer, e reconheceu na sua justificação que era um precedente perigoso..Mas o excêntrico multimilionário, que nos últimos anos se virou para a filantropia e em 2020 rechaçou uma tentativa de afastamento perpetrada pela casa de investimento Elliot Management, pareceu esforçar-se para estar à altura da ocasião.."É importante que reconheçamos que este é um momento de grande incerteza e dificuldade para muitos em todo o mundo", escreveu sobre a expulsão de Trump. "O nosso objetivo neste momento é desarmar tanto quanto podemos e assegurar que estamos a trabalhar em prol de um maior entendimento comum e uma existência mais pacífica na Terra."