O facto de ter sido campeão na época passada e de nesta temporada estar no primeiro lugar (em igualdade pontual com o Real Madrid) da Liga espanhola e apurado para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões de nada valeu a Ernesto Valverde. A derrota (e o contexto como aconteceu) nas meias-finais da Supertaça de Espanha diante do At. Madrid precipitou os acontecimentos e o Barcelona despediu o treinador de 55 anos, que estava no clube desde 2017-2018, quando sucedeu a Luis Enrique. O eleito foi Quique Sétien..A tendência parece cada vez mais acentuada e praticamente já não existem treinadores de longa duração nos grandes clubes europeus. Casos como Alex Ferguson (26 anos à frente do Manchester United) e Arsène Wenger (22 anos no comando do Arsenal) parecem exemplos impossíveis de repetir no futebol atual, onde a pressão e os resultados ditam as leis e já ninguém está disposto a dar tempo e margem de manobra aos técnicos..Tomando como exemplo as 32 equipas que nesta temporada participaram na fase de grupos da Liga dos Campeões, chega-se a uma conclusão interessante - apenas dois treinadores estão nos respetivos clubes há cinco ou mais temporadas. Falamos de Diego Simeone e Jürgen Klopp..O treinador do Atlético de Madrid é um caso raro no panorama europeu - está no cargo desde dezembro de 2011 e parece que para durar! Simeone conseguiu recolocar os colchoneros no mapa do futebol espanhol taco a taco com o Real Madrid e o Barcelona, acabando com a hegemonia dos dois colossos de Espanha. "O Atlético é o meu sítio no mundo. Durante a minha carreira de jogador fui um pouco nómada, desde os 20 anos que andei a viajar pelo mundo a jogar e a treinar em sítios diferentes. Sempre disse que o nosso sítio no mundo é aquele onde nos sentimos mais confortáveis", disse recentemente numa entrevista ao AS..A cumprir a nona época no Atlético, o técnico argentino conquistou um campeonato espanhol (2013-2014), uma Taça do Rei (2012-2013), uma Supertaça de Espanha (2014) e também tem mostrado bons resultados nas provas europeias - ganhou duas Ligas Europa (2011-2012 e 2017-2018), duas Supertaças Europeias (2012 e 2018), além de ter chegado a duas finais da Champions, ambas perdidas para o Real Madrid. No Atlético criou uma nova identidade, a que chamam cholismo, ele que como jogador teve duas passagens pelos colchoneros (de 1994 a 1997 e depois de 2003 a 2005)..Dos 32 clubes que nesta temporada participaram na fase de grupos da Liga dos Campeões, além de Simeone, apenas Jürgen Klopp se aguenta desde 2015 a treinar a mesma equipa. O técnico alemão do Liverpool é um caso curioso. Entrou no clube de Anfield em outubro de 2015, substituindo no cargo Brendan Rodgers, mas só em 2019 conquistou os primeiros troféus (Liga dos Campeões, Supertaça Europeia e Mundial de Clubes). Ou seja, mesmo estando cerca de quatro anos sem ganhar nada, manteve a confiança da direção dos reds. E nesta temporada está bem lançado para terminar o jejum de 30 anos do Liverpool sem ganhar o título de campeão inglês (a equipa lidera confortavelmente a Premier League)..Outro dado curioso. Sete das equipas que neste ano entraram na fase de grupos da Champions já mudaram de treinador entretanto. O Bayern Munique despediu logo no início de novembro Niko Kovac, que na temporada anterior tinha ganho o campeonato alemão e a Taça da Alemanha, apostando no adjunto Hans-Dieter Flick. O Tottenham, finalista da Champions na temporada transata, prescindiu dos serviços do argentino Mauricio Pochettino e elegeu José Mourinho. O Nápoles contratou Gennaro Gattuso para o lugar de Carlo Ancelotti, e Genk, Olympique de Lyon, Valência e agora o Barcelona também mudaram de equipas técnicas..O imbatível Guy Roux e outros exemplos.Alex Ferguson e Arsène Wenger são os rostos mais visíveis da longevidade dos treinadores de futebol num clube. Mas o maior exemplo de lealdade é Guy Roux, técnico francês que esteve 44 anos no comando do Auxerre, entre 1961 e 2005, 36 de forma consecutiva - interrompeu apenas a ligação por três motivos: o serviço militar, a ideia de ser diretor desportivo e uma operação ao coração. E despediu-se da melhor maneira, com a conquista da Taça de França em 2005. "Decidi parar. Não me vou reformar, apenas mudar de atividade. Quero parar antes de entrar numa fase de declínio. Depois de uma boa época para o clube, penso que esta é a altura ideal", anunciou..Guy Roux tornou-se uma figura muito considerada e respeitada em França e ficou inclusivamente amigo de vários presidentes. Chegou a ligar para François Mitterrand quando Eric Cantona (foi seu jogador no Auxerre) deu um pontapé num adepto durante um jogo entre o Manchester United e o Crystal Palace em 1995 e corria o risco de ser preso; e foi condecorado por Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, além de ser amigo de infância do antigo primeiro-ministro gaulês Lionel Jospin..Outro treinador que fez história foi o malogrado Valeriy Lobanovskiy, ao serviço do Dínamo de Kiev, onde esteve numa primeira fase de 1974 a 1990 e depois de 1997 a 2002. "Fez pela Ucrânia mais do que alguns políticos e diplomatas", chegou a dizer Leonid Kravchuk, primeiro presidente ucraniano..Na sua primeira passagem pelo Dínamo de Kiev conquistou oito títulos de campeão, seis Taças da Rússia, três Supertaças e também brilhou nas competições europeias, com uma Supertaça Europeia e duas Taças das Taças. E foi o responsável pela afirmação de grandes jogadores, casos de Oleg Blokhin e Andriy Shevchenko..Menos mediáticos, mas também exemplos de longevidade num só clube, foram Ronnie McFall, que esteve 30 anos no comando do Portadown (de 1986 a 2016), clube da Irlanda do Norte, e que inclusivamente bateu o recorde de Alex Ferguson no Manchester United. E também Foppe de Haan, técnico histórico do Heerenveen, da Holanda, onde esteve 19 anos (1985 a 2004) como treinador..Caso português e uma raridade no Infesta.Portugal não foge à regra da tendência de treinadores com passagens curtas pelos clubes. E esta temporada é um bom exemplo da constante dança de técnicos nas equipas da I Liga. Com apenas metade do campeonato cumprido, 10 dos 18 emblemas já mudaram de treinador e em alguns casos mais do que uma vez..Sérgio Conceição, do FC Porto, é o técnico que se aguenta há mais tempo no cargo - está ao comando dos dragões desde junho de 2017, escolhido por Pinto da Costa após a saída de Nuno Espírito Santo. Na atual I Liga existem só mais um técnico que estão a desempenhar funções no mesmo clube desde o início da temporada passada - João Henriques (Santa Clara). António Folha (Portimonense) era outro dos resistentes, mas deixou o cargo precisamente na última jornada..Bruno Lage, do Benfica, também transitou da temporada passada, mas, neste caso, só desde janeiro de 2019, quando substituiu Rui Vitória. O Sporting só nesta época já teve três treinadores - Marcel Keizer, Leonel Pontes e agora Jorge Silas..Jesualdo Ferreira durante a sua etapa no FC Porto (de 2006 a 2010), Paulo Bento no Sporting (2005 a 2009) e Jorge Jesus no Benfica (2009 a 2015) foram dos treinadores que mais tempo se aguentaram nos respetivos cargos nos últimos anos. Mas em Portugal ninguém bate o recorde estabelecido por Augusto Mata, que esteve no comando do secundário Infesta durante... 29 épocas..A longevidade de Augusto Mata no clube que atualmente atua nos distritais é incomparável em Portugal e por isso até ganhou a alcunha de Ferguson português. Mata treinou o clube de São Mamede de Infesta de 1973-1974 até 2002-2003, ou seja, 29 temporadas. "Passaram por mim centenas de jogadores. Treinei pais e mais tarde os filhos e isso marca sempre um treinador [...] todos nós sabemos que os treinadores vivem das vitórias, mas cá, mesmo quando os resultados não eram os melhores, houve sempre muita compreensão. As pessoas sempre se entenderam e com muito respeito. De vez em quando tínhamos pontos de vista algo diferentes, mas o bom senso acabou sempre por prevalecer", disse, ele que nas duas primeiras épocas exerceu funções de jogador-treinador..Artigo publicado originariamente na edição impressa do DN de 18 de janeiro