"Já me chamaram velho, mas não penso no jogo do adeus"

Tem currículo e títulos nacionais pelo Benfica, mas é na II Liga que tenta fintar a idade. Aos 41 anos, Quim é titular e está há cinco jogos sem sofrer golos. Tem contrato até junho, quer ajudar o Aves a subir e recusa pensar no adeus à baliza
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Está há cinco jogos e quase 500 minutos sem sofrer golos...

Sim. Sei que é difícil não sofrer golos. O principal objetivo no jogo é vencer. E sei que não sofrendo golos é meio caminho andado para a vitória, e esse tem sido o meu pensamento. A equipa tem estado bem e o meu setor defensivo tem estado muito sólido, o que ajuda bastante.

Já pensa no sexto, sétimo jogo sem sofrer golos?

[risos] Sinceramente não penso nisso. Importa mesmo é vencer, sair de campo com os três pontos. Sofrer ou não... se ganhar todos os jogos 2-1 não me importo nada!

A II Liga é muito competitiva, mas está longe dos holofotes a que estava habituado. Como tem sido essa experiência?

Tem sido muito boa. Logicamente que o nível do futebol é muito diferente do praticado na I Liga. Um jogo muito direto e físico, com estádios quase vazios, mas o importante depois da carreira na I Liga era sentir-me bem. Foi isso que procurei para o final da carreira.

O que o levou a escolher o Desportivo das Aves? Tinha mais ofertas?

Sim, uma ou outra para continuar na I Liga, mas escolhi o Aves, pelo clube em si, a ambição e o querer contar comigo. As pessoas do clube foram fantásticas e nesta fase da minha carreira o importante é estar num sítio onde me quisessem e onde me sentisse bem. E escolhi o clube que me deu melhores condições pessoais, não falo de condições financeiras, mas sim do estar próximo de casa e da família.

Em 2014 e 2015 foi eleito o melhor guarda-redes da II Liga.

Ser considerado o melhor nos dois primeiros anos da II Liga foi muito bom, muito meritório. Vir da I Divisão e chegar à II Liga onde o futebol é completamente diferente e conseguir estar à altura e manter o nível foi importante para mim.

Quando saiu do Sp. Braga sentiu que era o fim? Como deu a volta...

O pensamento foi sempre continuar a jogar. Ainda me sentia com qualidades. E continuo a pensar assim, se não me sentisse com plena capacidade já tinha parado. Fisica- mente sinto-me bem. Sinto-me ainda útil, e isso é fundamental. Isso e a paixão pelo jogo.

A longevidade tem segredos?

Não há segredos, sinceramente. É o trabalho diário. Felizmente tenho tido poucas lesões, o que me tem ajudado a fazer uma carreira longa. Tive uma complicada há quatro anos, mas superei-a e agora quero é continuar e finalizar a época com uma potencial subida de divisão. Seria fantástico...

Tem mais cuidados hoje do que aos 30 anos? Há diferenças ao nível do treino?

É óbvio que não treino com a mesma intensidade, mas procuro estar sempre bem fisicamente. Se calhar em vez de fazer seis ou sete exercícios faço quatro ou cinco... Naturalmente os anos passam e custa ao corpo reagir da mesma forma. De resto é igual e não tenho muita tendência a engordar...

Ainda se lembra do primeiro jogo da sua carreira? Sofreu golos?

Sim, recordo-me. Foi no Bonfim, com o Vit. Setúbal, e acho que ficou 0-0, e a seguir jogámos com o Sporting e ganhámos 1-0... dois jogos sem sofrer golos, nada mau.

Que golo mais lhe custou sofrer?

Todos. Não consigo eleger a minha melhor defesa, mas também não tenho um que me tenha custado mais. Todos os que sofri foram complicados de digerir. Houve um jogo, sim, que me custou muito perder, e nem joguei. Foi a final do Euro 2004. Estava no banco, mas foi o jogo em que me senti pior, mesmo não jogando. Acho que eu e todos os portugueses sentiram o mesmo.

O banco é o pior inimigo do jogador?

O pior são as lesões, mas estar no banco é sufocante. Quando se está de fora sente-se tudo sem poder fazer nada. Já fui suplente algumas vezes e... sim, sofre-se muito mais.

Aos 41 anos ainda tem sonhos?

A potencial subida de divisão do Desp. Aves. Era importante. Espero acabar este ano bem e com a subida de divisão e depois logo vemos. Tenho este ano de contrato e logo veremos. Hoje como no início ainda fico ansioso pelo apito inicial do árbitro e sinto toda a efervescência dos 90 minutos até o apito final.

Vai conseguir ter a coragem e o discernimento para parar?

Quando não me sentir útil e achar que não posso acrescentar nada à equipa serei o primeiro a pôr fim à carreira. Mas continuo a achar que tenho condições. Quando entrar no balneário e não sentir isso, ou não for respeitado e acarinhado, será a minha hora.

A idade já foi desculpa para o maltratarem alguma vez...

Muitas, muitas vezes. Ouço muitas coisas, mas já estou vacinado. Aos 30 já somos velhos, eu tenho 41... já são mais de dez anos a ouvir coisas, não ligo muito. Muitos procuram afetar-me, já me chamaram velho e outras coisas piores, mandam-me para sítios que eu não posso dizer [risos], para a reforma e tal... Não gosto de ouvir, mas já não me afeta.

Já pensou no jogo do adeus?

Não pensei nisso nem quero pensar.

O treinador de guarda-redes ainda lhe ensina alguma coisa?

Estamos sempre a aprender e esse pensamento ajuda-nos a ser melhores a cada dia. Eu com 41 anos procuro ensinar os mais novos, mas também eles me têm ensinado algo a mim.

Isso quer dizer que ainda vamos ter o Quim treinador?

Com tantos anos a acumular experiência num lugar tão específico, com certeza que vou procurar manter-me nesse caminho...

Que características fazem um bom guarda-redes?

Tem de ter capacidades técnicas inatas. Hoje, os pés são muito importantes, não basta saber usar as mãos - 80% da posse de bola de um guarda-redes é com os pés. E o mais importante: ser muito forte psicologicamente. Na minha carreira joguei em palcos com 60 mil pessoas, e agora com 200/300 pessoas temos de estar preparados para a crítica. Não estando, o guarda-redes pode cair com um erro e não se levantar mais...

Portugal está bem servido de guarda-redes ou nem por isso?

Não tenho a menor dúvida de que está. Rui Patrício é exemplo disso. Não foi por acaso que foi considerado o melhor da Europa neste ano. E têm aparecido jovens com grande valor. Antigamente era o Vítor Baía e pouco mais.

Quem é para si o melhor do mundo?

Manuel Neuer, é a imagem do tal guarda-redes moderno, que joga com os pés de forma tranquila.

Uma vez disse que não era fácil ser guarda-redes do Benfica. Porquê?

Porque são 60 mil a ver e... na minha altura foi complicado. Ao mínimo erro não perdoavam. Fui forte psicologicamente. Estive seis anos no Benfica e fui duas vezes campeão, mas no início foi complicado. Os adeptos obrigam a não errar, mas o erro estará sempre presente e na altura afetou alguns guarda-redes.

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