O ano de 2023 será provavelmente o mais quente da história da humanidade. Os episódios prolongados de temperaturas mais elevadas estão a tornar-se mais frequentes e as temperaturas que durante este verão atingiram o Hemisfério Norte foram as mais quentes de que há registo, confirmo anunciou esta quarta-feira a Organização Meteorológica Mundial (OMM). "O colapso climático global já começou", alerta o Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que atenta que o fenómeno está a "piorar drasticamente"..Na Ásia, Europa e América do Norte assistiram-se a fenómenos preocupantes que custaram a vida de centenas de pessoas, entre eles, ondas de calor, secas, inundações, incêndios e tornados..Só na Europa, são vários os casos recentes que ilustram esta situação. Na Grécia, aos devastadores incêndios de agosto, seguiram-se esta semana chuvadas torrenciais (também atingiram as vizinhas Bulgária e Turquia) que provocaram fortes inundações na zona central do país e causaram, pelo menos, dez mortos e centenas de desalojados..Já a Bélgica registou ontem oficialmente a primeira vaga de calor de sempre ocorrida durante o mês de setembro, com as temperaturas em Bruxelas a ultrapassarem os 25ºC pelo quinto dia consecutivo. No país, que é tradicionalmente conhecido por ter um clima mais frio, estão a tornar-se frequentes temperaturas elevadas sobretudo nos meses de junho, julho e agosto..No Reino Unido a situação é semelhante, estando a lidar com uma onda de calor recorde que levou as autoridades locais a emitir um aviso de saúde. "Os cientistas há muito que alertaram para as consequências da nossa dependência dos combustíveis fósseis (...). O nosso clima está a implodir mais depressa do que conseguimos aguentar, com fenómenos meteorológicos extremos a atingir todos os cantos do planeta", assevera António Guterres..De acordo com especialistas da ONU, as ondas de calor como as que sufocaram a Europa e outras regiões, podem tornar-se um fenómeno permanente devido às alterações climáticas. Os eventos que têm acontecido por todo o mundo são "preocupantes", assume Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero, em conversa com o DN.."É preocupante porque estamos a falar de situações climáticas cujos cientistas e especialistas estavam a antecipar para depois de 2030. Mas estamos neste momento a vivê-las e muito mais cedo do que estávamos à espera", explica o especialista nas áreas de energia, clima e mobilidade.."Isto também é preocupante no sentido em que é revelador de que podem estar aqui em jogo mecanismos que a ciência ainda não domina muito bem e que podem estar a acelerar a mudança climática. Estou a falar de questões como as retroalimentações positivas no clima, degelo no Ártico e outros. Estes mecanismos, do ponto de vista da ciência física, são importantes contabilizar", sublinha..Segundo Pedro Nunes, "estamos de facto a assistir a extremos climáticos" e, neste momento, "o que há a fazer é continuar a investir na mitigação das alterações climáticas, mas fundamentalmente passar a considerar uma grande verba destinada à questão da adaptação. Temos de nos concentrar enquanto sociedade na questão das alterações climáticas porque elas estão aí e estamos a vivê-las"..Perante a situação atual, o especialista descreve-a como um "sobressalto climático" e alerta para a necessidade de enfrentar o problema diretamente e o mais depressa possível. Para tal, "há que criar medidas que são fulcrais, uma delas tem a ver com criar um imposto a nível mundial sobre o carbono e os produtos que dependem da indústria fóssil. É preciso estender este tipo de sistemas ao mundo inteiro para que as emissões de carbono sejam devidamente taxadas e com isso reunir financiamento para pagar toda a mitigação e toda a adaptação ao clima"..O representante da Associação Zero atenta que o foco deve cair sobretudo nas grandes cidades "que é onde se concentram a maior parte da população". Na perspetiva de Pedro Nunes, os edifícios deverão ser adaptados às ondas de calor, as ruas devem estar prontas para as consequências das cheias e devem plantar-se mais árvores, "para resguardar as cidades dos efeitos mais extremos da temperatura".."Os governos têm de investir na preparação das próprias colheitas alimentares e adaptar os solos, as culturas, os sistemas de irrigação a esta nova realidade. Termos sistemas de rega que sejam simultaneamente eficazes, mas que poupem água. Temos de otimizar este tipo de processos", frisa..O mais recente relatório oficial de progresso divulgado ontem pela ONU, revela que o mundo está longe de cumprir os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris, adotado em 2015.."O mundo não está no bom caminho para cumprir os objectivos a longo prazo do Acordo de Paris", pode ler-se no documento que diz ser "necessário muito mais em todas as frentes"..O acordo prevê um plano de ação para limitar o aquecimento global, que inclui "manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2 °C em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5°C", conforme o Conselho Europeu da União Europeia. Porém, os esforços dos 195 países estão muito longe do necessário para cumprir esse objetivo a longo prazo.."O aumento da energia renovável e a eliminação progressiva de todos os combustíveis fósseis não consumidos são elementos indispensáveis para uma transição energética justa para emissões líquidas nulas", sustenta o relatório oficial..As emissões já atingiram o seu máximo nos países desenvolvidos, bem como em alguns países em desenvolvimento, continuando ainda a aumentar sobretudo nas maiores potências do mundo..O relatório apresentado ontem servirá como base para o estabelecimento de novas políticas climáticasdurante a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), que irá decorrer no Dubai, em novembro e dezembro..ines.dias@dn.pt