Na Convenção do Partido Republicano que confirmou Donald Trump como candidato às últimas presidenciais, Ivanka Trump apresentou-se como "a filha orgulhosa do presidente do povo". Mas numa coisa todos os que conhecem bem a mais velha das filhas do milionário parecem concordar: há muito que as suas ambições políticas vão além de ser conselheira do pai. E não vai ser a derrota deste por Joe Biden que as vai travar. Talvez pelo contrário. E se quando Trump promete voltar dentro de quatro anos não se estiver a referir a uma candidatura dele a um segundo mandato mas antes a apoiar a filha na corrida à Casa Branca?.O feito não seria inédito. No passado, já dois filhos de presidentes acabaram por seguir as pisadas dos pais ao serem eleitos para a Casa Branca: John Quincy Adams, em 1824, e George W. Bush, em 2000..Mas voltando a Ivanka, com o mandato do pai a chegar ao fim a 20 de janeiro, a assessora especial e o marido, Jared Kushner, também conselheiro do presidente, já estarão a pensar na nova casa. E um regresso a Nova Iorque - onde já se veem cartazes com a frase "Indesejados" - parece não estar em cima da mesa, pelo menos se pensarmos na última aquisição milionária dos Trump-Kushner: uma mansão no valor de 30 milhões em Miami, Florida, no "bunker dos milionários", com espaço mais do que suficiente para acomodar os três filhos..Mas nem só em Washington se faz política. E alguns amigos e próximos ouvidos pelo The Washington Post encontram nas palavras recentes da "primeira-filha" indícios de que se se prepara para sair da capital, pretende continuar a influenciar a política dos EUA, a começar pela posição em relação ao aborto. Nova-iorquina liberal de toda a vida, Ivanka afirmou-se já neste ano uma fervorosa "pró-vida", além de se declarar "orgulhosa republicana trumpista", fiel à agenda do pai para "tornar a América grande outra vez" - "make America great again", que foi seu slogan em 2016..Se avançará já em 2024 ou se o próprio Trump tentará um segundo mandato é uma incógnita. Ivanka negou a intenção de se candidatar dentro de quatro anos, mas muitos institutos de sondagens colocaram o seu nome na lista de potenciais candidatos. Uma ideia que parece agradar aos republicanos: um estudo Monkey para a Axios feito no início do ano dá Ivanka como a quarta escolha dos eleitores daquele partido, atrás do atual vice-presidente, Mike Pence, do irmão Donald Jr. e da ex-embaixadora na ONU Nikki Haley, mas à frente de nomes como o do secretário de Estado Mike Pompeo ou do senador Marco Rubio. Quando a audiência é alargada a todos os americanos, as perspetivas pioram para Ivanka, que, segundo um estudo da McLaughlin & Associates/Newsmax, conseguiria só 4% das intenções de voto, ficando atrás de Pence, Don Jr. Haley, mas também dos senadores Ted Cruz e Mitt Romney..O próprio presidente incentiva as ambições políticas da filha e terá mesmo pensado escolhê-la para sua vice-presidente em 2016. Neste ano, durante a campanha, o presidente garantiu que Ivanka seria uma melhor primeira mulher presidente do que Kamala Harris, a então candidata a vice do democrata Joe Biden. "Eu também quero ver a primeira mulher presidente dos EUA, mas não quero que a primeira mulher chegue lá da forma que Kamala chegaria. Ela não é competente", disse num comício no New Hampshire. E, apontando para a multidão, acrescentou: "Estão todos a dizer: "Queremos Ivanka!" Não os censuro." Já antes disso, em entrevista à revista The Atlantic, Trump afirmava: "Se ela quisesse concorrer a presidente, acho que seria muito, muito difícil de bater", deixando claro que a herdeira política da família é Ivanka, mais do que o irmão mais velho, Donald Jr..Nascida em Manhattan a 31 de outubro de 1981, Ivanka é a segunda filha do casamento entre Trump e a modelo de origem checa Ivana Zelníková. Criada no luxo da penthouse da Trump Tower, em Nova Iorque, Ivanka chegou a fazer alguns trabalhos como modelo fotográfica antes de se licenciar em Economia na Wharton, na Universidade da Pensilvânia, a mesma que o pai, tendo criado a sua marca de joias e de moda (que fechou em julho de 2018, após acusações de conflito de interesses). Depressa se juntou ao pai nos negócios, tal como os restantes filhos mais velhos do milionário, Don Jr. e Eric. Trump sempre mostrou que mesmo nos negócios é na família que confia, chegando a chamar os filhos para serem jurados no seu reality show, The Apprentice..Quando chegou à política, Trump manteve a família por perto. Ivanka esteve sempre ao lado do pai quando este dava os primeiros passos na ideia de uma candidatura presidencial. Apresentada muitas vezes como uma "força moderadora" de Trump, terá sido Ivanka a atuar em plena crise da separação de pais e filhos migrantes na fronteira com o México. Assessora especial do presidente, Ivanka chegou a representar o pai em vários atos oficiais, como a cimeira do G20 em Hamburgo, tendo sido alvo de duras críticas..Apesar do capital político que os 70 milhões de votos que obteve nestas eleições lhe garantem, Trump deixa também um pesado legado - e muitos anticorpos - que pode jogar contra as ambições políticas da filha. Ora, política não é só a presidência, e uma hipótese seria Ivanka candidatar-se a um lugar na Câmara dos Representantes. O mais falado nos media era o de representante do 12.º distrito de Nova Iorque, que a democrata Carolyn B. Maloney manteve agora por pouco. Mas uma eventual mudança para Miami viria inviabilizar este plano..Mas a compra da mansão em Miami veio dar nova vida a outra hipótese: a de uma corrida ao Senado já em 2022. Nessa altura ficará em aberto o lugar de Marco Rubio, o senador republicano de origem cubana que tem sido, nas últimas semanas um duro crítico de Trump, do qual foi um dos rivais nas primárias de 2016, antes de se tornar apoiant. "Penso que Ivanka seria a favorita se entraasse na corrida ao Senado contra Rubio, tendo em conta a popularidade do pai no estado", afirmou à CNN Adam C. Smith, antigo diretor do jornal Tampa Bay Times. .Ao derrotar Andrew Jackson nas presidenciais de 1824, John Quincy Adams tornou-se o primeiro presidente filho de um presidente. O filho de John e Abigail Adams partilhava com o pai não só o temperamento, mas também a visão política. E o mínimo que se pode dizer é que estava preparado para o cargo. Formado em Harvard, foi embaixador nos Países Baixos, na Prússia e na Rússia. E só não foi em Portugal por coincidência. Em 1796, aos 30 anos, foi nomeado como o segundo embaixador americano em Lisboa. Mas o pai acabara de ser eleito presidente, o segundo na história dos EUA, sucedendo a George Washington e, em vez de viajar para Lisboa, o jovem Adams recebeu uma carta do pai a pedir-lhe para aguardar novas instruções. Em novembro de 1797, foi nomeado embaixador na Prússia e partiu para Berlim..Secretário de Estado de James Monroe, como presidente serviu um só mandato, sendo derrotado, após uma campanha marcada por acusações de corrupção, pelo mesmo Andrew Jackson que vencera quatro anos antes. De volta ao Massachusetts, achou que viveria dedicado à quinta e aos livros, mas logo em 1830 foi eleito para a Câmara dos Representantes, onde serviu o resto da vida. O feito de Adams só foi repetido em 2000 com a eleição de George W. Bush. O filho de George H. W. Bush, que só serviu um mandato, entre 1989 e 1993, acabaria por ver a sua presidência marcada pelos atentados de 11 de setembro de 2001, que fizeram quase 3000 mortos nos EUA. Muito criticado, o homem que envolveu os EUA em duas guerras, no Afeganistão e no Iraque, que ainda hoje têm repercussões, tem mantido uma reforma discreta no Texas..Mas ao longo dos anos houve mais familiares a tentar a presidência. Em 1889, Benjamin Harrison chega à presidência, quase meio século depois de o seu avô, William Henry Harrison, ter ocupado o cargo. E num grau de parentesco mais afastado, não é coincidência haver dois presidentes Roosevelt na história dos EUA: presidente entre 1933 e 1945, Franklin Roosevelt era primo em quinto grau de Theodore Roosevelt, que ocupou o cargo de 1901 a 1909. Outros tentaram, mas não conseguiram. Como foi o caso de Bob Kennedy, o irmão de John F. Kennedy, assassinado quando era o favorito à nomeação democrata para as presidenciais de 1968, ou, num caso menos dramático, Jeb Bush, filho e irmão de presidentes, que em 2016 tentou a nomeação republicana..Ivanka, se avançar, não será a primeira familiar de um presidente a tentar a sua sorte. Mas pode ainda vir a ser a primeira mulher a chegar à Casa Branca.