IVA de "efeito zero"

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A propósito da medida do governo de baixar o IVA para a taxa zero em 46 produtos, muito se tem falado do impacto que isso terá, ou não, no bolso dos consumidores.

Posso estar enganada, mas há muito que não assistia a um tal frenesi, com uma medida que poderá ser pouco mais que inócua, exceto no que diz respeito ao custo para o erário público, esse sim, uma soma certa e redondinha de 600 milhões de euros (entre apoios e perda de receita), a que se juntam quase 300 mil euros pela contratação de duas empresas (privadas) para ajudar na tarefa que se perspetiva árdua, de fiscalizar os preços destes produtos e acompanhar a sua evolução.

Claro está que não podia faltar a criação de uma Comissão, desta feita chamada de "Acompanhamento do Pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares", que integra uma série de entidades, com a ASAE a liderar os trabalhos.

Note-se que a medida é para vigorar por uns escassos 6 meses, em poucos produtos e em que, muitos deles, já tinham IVA à taxa reduzida de 6%.

E esta não é uma intuição só minha. A Deco já veio alertar que podemos estar perante uma espécie de realidade aumentada, sem qualquer garantia de mais-valia para o consumidor, porque esta anulação de IVA se baseia num "princípio de boa-fé" e porque as quebras nas produções de alguns alimentos podem levar a um aumento dos respetivos preços nos próximos meses, anulando assim o "efeito zero" do IVA.

Obviamente que a medida, em si mesma, não pode deixar de se considerar positiva, mas, somadas todas as parcelas, começo a pensar se não seria mais vantajoso para todos se todo este esforço, principalmente financeiro, fosse canalizado para ajudar quem efetivamente precisa ou para medidas de apoio às empresas, que, ironicamente, podiam também passar pela redução temporária do IVA, beneficiando-se por esta via toda a nossa economia.

Refiro-me, concretamente, à baixa do IVA nos serviços de alimentação e bebidas. Com a inflação a teimar permanecer nas nossas vidas, muitas empresas continuam a debater-se, cada vez mais, com problemas de tesouraria, e milhares delas não têm visto outra saída que não seja o de fechar portas. Os dados oficiais do INE não me deixam mentir: desde 2016 que não se via mais empresas de restauração a fechar do que a abrir.

Uma diminuição, ainda que de 13% para 6%, e ainda que por um ano que fosse, já seria uma ajuda significativa e com tal impacto para as empresas que estas ficariam, certamente, com mais tesouraria. Ajudavam-se assim as empresas, os postos de trabalho que dependem delas e a nossa economia.

Tal como as federações europeias da área da hospitalidade (restauração, alojamento e similares) sempre afirmaram, uma descida deste IVA "traz benefícios imediatos às empresas, mas também aos consumidores". O emprego, as receitas e o valor social para as comunidades proporcionados pelos estabelecimentos de restauração, são vitais para a recuperação da economia e para a criação de emprego, beneficiando diretamente as pessoas, a economia e as contas do país.

Quanto ao IVA baixar nos produtos e os restaurantes não baixarem preços, questão ultimamente muito falada e comentada, convém explicar. Para os restaurantes o IVA nas compras não é um custo, porque é dedutível. Compras a zero IVA, implica mais IVA a pagar no momento do apuramento das contas, pois o valor a deduzir é inferior. Conclusão: este IVA zero tem efeito nulo nos restaurantes. Os produtos são transformados e o serviço que se presta é sempre taxado a 13% ou mesmo a 23%, em algumas bebidas.

Mesmo sem garantias de real impacto no bolso das famílias, certo é que o governo decidiu apoiá-las com a baixa do IVA no cabaz alimentar. É chegado, também, o momento de reduzir o IVA dos serviços de alimentação e bebidas para ajudar as empresas e o emprego.

Secretária-geral da AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal

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