Itália recupera as janelas anticontágio da altura da peste

Conhecidas por <em>buchette del vino</em> [janelas do vinho], eram utilizadas para vender vinho sem existir contacto físico entre comprador e vendedor.
Publicado a
Atualizado a

400 anos depois de Florença e 27 outras cidades da Toscana terem utilizado as buchette del vino [janelas do vinho] durante a altura da peste para evitar contacto físico e consequente contágio entre comprador e vendedor, estas janelas estão a ser reaproveitadas com o mesmo propósito, agora devido à covid-19.

Bares e lojas estão a utilizar as famosas janelas para servir bebidas, cafés, salgados, gelados e até livros, tornando-se simultaneamente uma necessidade e também uma moda.

Ao longo dos séculos, muitas foram eliminadas ou tapadas, mas agora podem ser encontradas às dezenas nos centros históricos da Toscana. Restam exatamente 180 em Florença - 150 no centro histórico - e há pelo menos outras cem em várias cidades da região, como Siena, Pisa, Pistoya, Cortona, Montepulciano ou San Gimignano. E outras continuam a ser recuperadas.

As janelas do vinho localizavam-se normalmente perto das portas dos antigos palácios nobres, a meia altura, para vender o vinho, evitando o risco de o comprador e vendedor serem infetados com a pandemia de peste bubónica que se espalhou por Itália entre 1629 e 1633.

Estima-se que, no norte da Itália, entre 1630 e 1631, 1,1 milhões de pessoas morreram da peste - a população total era de cerca de quatro milhões. Para evitar o contágio, era colocada nas janelas uma garrafa, de pedra, e os empregados de famílias ricas ou aristocráticas enchiam-na de vinho.

O cliente entregava o dinheiro numa palete de cobre, que era imediatamente esterilizada com vinagre para evitar infeções. O cliente também podia comprar vinho engarrafado. Todas as janelas têm cerca de 30 centímetros de altura porque era a medida ideal para colocar as garrafas ou jarros de vinho que se usavam naquela época.

Para dar a conhecer estas relíquias do passado, como testemunho de uma época e de um costume muito particular que foi esquecido ao longo do tempo, nasceu em 2015 a associação cultural Buchette del vino.

"Janelas anticontágio." É assim que a a associação, de Florença, agora as chama. A história da buchetta é contada no relatório do contágio em Florença entre 1630 e 1633, escrito pelo académico florentino Francesco Rondinelli, e onde é narrada a história da epidemia que atingiu toda a Europa naquela altura.

Esta tradição pertence apenas à Toscana e não é encontrada em nenhum outro lugar em Itália ou no mundo, tornando-se mais popular nos anos da peste. As janelas, porém, foram criadas um século antes.

Cosimo I de Medici (Florença, 1519 - Florença, 1574) decretou que os nobres de Florença e da Toscana poderiam vender o vinho que produziam nos seus palácios, sem pagar impostos ou a intermediários. Foi uma decisão de Cosimo para conquistar os nobres e tê-los ao seu lado, mas a medida também beneficiou o cidadão comum, pois qualquer pessoa poderia comprar o vinho mais barato, sem pagar impostos. Assim, quem quisesse beber um vinho Antinori ou Frescobaldi - famílias ainda hoje produtoras de vinhos conhecidos - dirigia-se aos respetivos palácios.

Estas janelas também eram utilizadas para fins de caridade, pois era costume deixar-se comida ou um jarro de vinho para os mais necessitados.

Hoje, numa altura em que a Toscana e todo o mundo vivem tempos difíceis devido à pandemia de covid-19, esta solução foi recuperada, fazendo renascer uma tradição antiga.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt