O vice-primeiro-ministro italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, apresentou uma moção de censura ao próprio governo de coligação com o Movimento 5 Estrelas (M5E), de Luigi di Maio, considerando que a aliança já não é viável. À frente nas sondagens e em constante campanha eleitoral, Salvini quer que os italianos lhe deem "poder total", mas tem o caminho cheio de obstáculos..Nas eleições de março de 2018, o Parlamento italiano ficou dividido: a coligação de centro-direita liderada pela Liga ganhou mais deputados, mas o M5E foi sozinho o partido que elegeu mais representantes. A coligação de centro-esquerda, que estava antes no poder, ficou em terceiro. Após negociações, o independente Giuseppe Conte foi escolhido em junho de 2018 para ser primeiro-ministro da coligação de dois opostos: a Liga, anti-imigração e populista de direita, e o M5E, antissistema e politicamente amorfo. Salvini ficou com a pasta do Interior, enquanto Di Maio ficou com a da Economia. Ambos são também vice-primeiros-ministros..A tensão desde a formação do governo tem sido constante, com Conte a vir inúmeras vezes a público negar qualquer problema - mas com estes a aumentar à medida que um dos partidos, a Liga, ganhava mais força e proeminência. Apesar de o M5E ter a maioria dos deputados no Parlamento italiano, há muito que a Liga é o partido que está à frente nas sondagens. Depois de ter conquistado 17% dos votos nas eleições de 2018, a Liga conseguiu 34% nas europeias de maio deste ano (em que ambos os partidos concorreram um contra o outro). E as sondagens indicam que pode chegar aos 38% de intenções de voto nas eleições gerais..A Liga, cujo apoio vem do norte industrial e rico, defende uma teoria de "italianos primeiro", sendo Salvini o inimigo número um dos imigrantes. Já o M5E, que tem a base de apoio no sul rural e pobre, defende uma democracia direta (consulta os seus membros através da internet) e quer alargar os benefícios fiscais. Já a Liga quer baixar os impostos..Opostos com dois programas muito diferentes e incompatíveis - uma das poucas exceções é o antieuropeísmo, mas ambos parecem ter renunciado à ideia de deixar a União Europeia e a defendem uma aproximação à Rússia. Uma dessas incompatibilidades foi a gota de água para Salvini: a ligação de alta velocidade entre Itália e França. Um projeto essencial para a Liga (a sua base de apoio é no norte do país), mas totalmente rejeitado pelo M5E, que considera que o projeto é mau para o ambiente e que há outras infraestruturas mais urgentes..Foi essa a gota de água para Salvini: a rejeição por parte do M5E de uma moção para desbloquear o projeto..Outras tensões.Esta não é a primeira vez que Salvini e Di Maio entram em rota de colisão, apesar de ser a primeira vez que a ameaça de rutura do governo passa das palavras aos atos..Os dois líderes já se haviam confrontado em temas como imigração, impostos, Venezuela ou eleição da nova líder da Comissão Europeia - para não falar da linha de comboio de alta velocidade..Em relação aos migrantes, um dos alvos de Salvini, Di Maio pareceu criticar a posição da Liga. "Se realmente há um problema de 800 mil migrantes a vir para Itália, não é através de diretivas que os vamos parar. Nunca ninguém seguiu diretivas", disse, defendendo não fazer alianças com países como a Hungria e o primeiro-ministro Viktor Orbán, com quem Salvini procurou uma aliança a nível europeu. Também já tinha criticado Salvini por recusar permitir que os requerentes de asilo resgatados no Mediterrâneo possam desembarcar nos portos italianos..Neste fim de semana, o ator Richard Gere exortou o governo italiano a parar com a "demonização" das pessoas e ajudar os migrantes que estão há mais de uma semana num barco de uma organização de caridade a desembarcar. Salvini respondeu-lhe: "Ele pode levá-los de volta a Hollywood, no seu avião privado, todas as pessoas a bordo do navio, e ajudá-las nas mansões deles. Obrigado Richard!".Em relação à crise na Venezuela, por exemplo, Salvini defendeu "eleições livres, democráticas, transparentes e pacíficas" o mais rapidamente possível, mas as diferenças com o M5E levaram a que o governo italiano não tenha reconhecido Juan Guaidó como presidente interino - bloqueando uma declaração conjunta dentro da União Europeia..Os dois partidos também não concordaram com a nomeação de Ursula von der Leyen - Di Maio apoiou-a, enquanto Salvini mostrou-se contra..Moção de censura.Salvini deu agora como desfeita a coligação e, na sexta-feira, apresentou a moção de censura, querendo novas eleições. "Os italianos precisam de certeza e de um governo que faça as coisas, não de um 'senhor não'", disse Salvini num comunicado. "Não queremos mais lugares ou ministérios, nem queremos remodelações ou governos técnicos. Depois deste governo (que fez tantas coisas boas) só queremos uma coisa, eleições..Salvini desencadeou o processo, com a esperança de ter novas eleições em outubro, mas nada garante que este possa passar no Parlamento, com tanto o M5E como a oposição de centro-esquerda a tentar bloqueá-lo. A Liga precisa do apoio destes partidos para conseguir aprovar a moção de censura..Apesar de o Parlamento estar de férias, Salvini chamou os seus deputados de volta a Roman esta segunda-feira e quer que a moção de censura seja votada ainda nesta semana, enquanto a oposição prefere esperar até 19 ou 20 de agosto. A decisão cabe aos líderes dos grupos parlamentares no Senado, que vão reunir-se também nesta segunda..O ex-primeiro-ministro e antigo líder do Partido Democrático (PD), Matteo Renzi, considerou neste domingo que voltar às urnas quando o governo tem de começar a negociar o orçamento para 2020 seria "uma loucura". Defendeu antes a instalação de um governo provisório que possa assumir o controlo com o apoio de vários partidos. Defende ainda reduzir o número de deputados e de senadores no país antes de novas eleições..O presidente italiano, Sergio Mattarella, é o único que tem o poder de dissolver o Parlamento, tendo também o poder de nomear um tal governo provisório - sem Salvini - para aguentar as rédeas do país até à primavera. Diz-se que Mattarella não é favorável à realização de eleições no outono, quando a Itália tem de discutir o seu orçamento, que depois terá de apresentar à União Europeia. Mas, por outro lado, ir para essas discussões com um governo de transição pode deixar o país numa posição de inferioridade..Também Di Maio considerou "perigosa" uma crise governamental nesta altura..Apesar de também existirem diferenças entre o PD e o M5E, os analistas acreditam numa aproximação entre ambos para tentar travar Salvini, dado como mais do que provável vencedor das próximas eleições..Sempre em campanha.Durante o seu périplo pelas praias do país, que já estava previsto antes de o caos irromper na política italiana, Salvini tem reforçado o tom de campanha eleitoral. E pede aos italianos que lhe deem "poder total" para fazer o que prometeu "sem atrasos ou uma pedra a pesar à volta do pescoço"..Apesar de ser ministro do Interior, Salvini nunca pôs de lado o tom de campanha e nos vários eventos em que participa usa o símbolo do partido, que inclui as palavras "Salvini primeiro-ministro". Para muitos italianos, ele surge como o líder "de facto" do país..É também extremamente ativo nas redes sociais, onde dá gás às suas batalhas políticas com outros líderes, incluindo Luigi di Maio..Mas no périplo pelo sul, Salvini não foi bem recebido na Catânia, onde tinha uma manifestação à sua espera na noite de sábado. Centenas de pessoas cantaram a música Bella Ciao, símbolo da resistência antifascista, e exibiram cartazes do M5E. O sistema de som foi danificado, com Salvini a acusar os manifestantes de não terem educação e a dizer que precisavam de "um pouco de serviço militar ou um pouco de voluntariado na paróquia ou com idoso"..Já Luigi di Maio, como outros deputados do Movimento 5 Estrelas, enfrentam um problema. É que, segundo as regras internas do partido, só pode cumprir dois mandatos -- ora o vice-primeiro-ministro é deputado desde 2013 e já está no seu segundo mandato. Caso haja eleições antecipadas, poderá ter de passar a pasta -- mas o partido poderá abrir uma exceção para os atuais deputados em risco, visto que só estão no cargo há pouco mais de um ano, segundo o site Politico. Uma regra semelhante já foi autorizada nas eleições locais, tendo tido luz verde dos militantes numa das votações online do partido.