"Fakhrizadeh, lembrem-se deste nome", disse o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu em maio de 2018, depois de ter revelado que a Mossad havia roubado milhares de documentos ao Irão..Na sexta-feira, , foi assassinado Mohsen Fakhrizadeh, o físico e guarda da revolução que tinha trabalhado de 1999 a 2003 no projeto militar secreto Amad, que tinha o objetivo de produzir cinco ogivas nucleares..Há informações desencontradas sobre a sua execução: Teerão afirma que a operação foi desencadeada de forma remota, com recurso em exclusivo a aparelhos eletrónicos, quando o cientista seguia no seu automóvel. A agência Tasnim deu como certo que um veículo explodiu à passagem do veículo de Fakhrizadeh, tendo um grupo armado neutralizado os quatro guarda-costas e ferido gravemente o alvo, que veio a falecer no hospital, após ter sido transportado de helicóptero..Certo é que Fakhrizadeh estava na mira de Israel há vários anos, como Netanyahu deu a entender em 2018..Na altura em que o projeto Amad foi desocultado, e sob pressão dos Estados Unidos, que tinham acabado de invadir o Iraque, a República Islâmica deu o plano por desmantelado. Mas Fakhrizadeh tinha "continuado as suas atividades destinadas a preservar o know-how nuclear", disse o investigador israelita Raz Zimmt. "Ele continuou a ser uma figura central, apesar de o projeto ter sido terminado", afirmou ao Le Point..Este é o mais recente atentado contra o programa nuclear iraniano e tem o dedo de Israel, que nunca comenta os casos em particular, mas que leva muito a sério as ameaças de destruição total por parte dos países vizinhos. No início de julho, uma explosão atingiu as instalações nucleares de Natanz no que foi um culminar de várias explosões durante aquela semana no país de maioria xiita. Também então o suspeito foi Telavive..O suspeito óbvio da onda de incidentes no Irão .O porta-voz da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) disse então que a explosão, noticiada no Koweit como um bombardeamento de um avião F35, fez "danos significativos" e "pode abrandar" a produção de centrifugadoras avançadas do Irão..Desde a retirada unilateral dos Estados Unidos do acordo nuclear, em maio de 2018, e o restabelecimento de sanções sem precedentes dos EUA contra Teerão, a República Islâmica retomou medidas proibidas, tais como a produção de urânio enriquecido e atividades de investigação e desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento de centrifugadoras modernas..A AIEA estima que as reservas de urânio enriquecido do Irão excedem em 12 vezes o limite permitido pelo acordo nuclear assinado em 2015 entre o Irão e os EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China, Rússia e UE..O Irão, que estava encaminhado para cumprir os seus compromissos internacionais, de acordo com a AIEA, assegura que não deseja obter a bomba atómica, que todas as suas recentes decisões são reversíveis e apenas pretendem aumentar a pressão sobre os outros signatários para aliviar o fardo das sanções norte-americanas, que estão a sufocar a sua economia..A chegada de Donald Trump à Casa Branca permitiu o desenvolvimento de uma política mais agressiva por parte de Israel e dos EUA face ao regime teocrático e o regresso a operações como as que aconteceram entre 2010 e 2012..Em 12 de janeiro de 2010, o físico nuclear Massoud Ali Mohammadi morreu depois de uma moto ter explodido à porta da sua casa, em Teerão. A 29 de novembro do mesmo ano, Majid Shahriari, fundador da Companhia Nuclear do Irão, foi morto também na capital devido à explosão de uma bomba colocada no seu carro. No mesmo dia, outro físico nuclear, Fereydoun Abbasi Davani, foi atacado em condições idênticas, mas sobreviveu ao ataque..Em 23 de julho de 2011, o cientista Darioush Rezainejad, que estava a trabalhar em projetos do Ministério da Defesa, foi morto a tiro por assaltantes desconhecidos numa motocicleta, também em Teerão..Por fim, o engenheiro químico Mostafa Ahmadi Roshan, professor universitário e supervisor na na central nuclear de Natanz, foi morto em 11 de janeiro de 2012 na explosão de uma bomba magnética colocada no seu carro por um motociclista enquanto viajava no leste de Teerão..Antes, em 2007, a Mossad e a CIA terão estado por trás do Stuxnet, um vírus informático introduzido na central de Natanz por um agente iraniano que trabalhava para os Países Baixos. O ataque informático danificou quase mil centrifugadoras e atrasou o programa nuclear iraniano em cerca de 20 meses, soube-se em 2010..Os chamados ataques preventivos fazem parte da doutrina de defesa israelita e inscrevem-se numa longa tradição que inclui as operações no Iraque, em 1981, com o bombardeamento do reator nuclear de Oziraq, e na Síria, em 2007, também com a destruição de um alegado reator nuclear, na província de Deir ez-Zor..A atual escalada em torno do Irão está longe de ser uma surpresa. Além de ter rasgado o acordo nuclear, Donald Trump manteve desde o início uma política agressiva para com o país dos aiatolas, num eixo completado por Israel e Arábia Saudita..Foram vários os incidentes entre EUA e Irão, desde o abate de um drone norte-americano por parte dos iranianos ao bombardeamento em Badgad que matou Qassam Soleimani, o chefe das forças de elite dos Guardas da Revolução, a Força Qods..Face ao fracasso da política de máxima pressão contra Teerão, a administração Trump poderá querer tirar partido das suas últimas semanas em Washington para ajustar contas com o Irão..Na semana passada, Jake Sullivan, o designado conselheiro de segurança nacional de Biden e antigo negociador com o Irão durante a administração Obama, disse que o futuro depende "realmente do Irão", sugerindo que cabe a Teerão dar o primeiro passo. "Se o Irão regressar ao cumprimento das suas obrigações que tem vindo a violar, e estiver preparado para avançar com negociações de boa-fé sobre estes acordos de seguimento", então uma administração Biden seguiria o exemplo, disse..Esse exemplo culminaria no regresso dos EUA ao acordo nuclear iraniano, algo mal visto pelo presidente cessante. Os meios de comunicação norte-americanos e especialistas estão de acordo: Trump quer complicar esse cenário ao máximo ao escalar as tensões com o país presidido por Hassan Rohani e pelo guia supremo Ali Khamenei..Há duas semanas, noticiou o New York Times, Trump quis lançar uma ofensiva militar, mas terá sido dissuadido pelos conselheiros..Na semana passada, o secretário de Estado Mike Pompeo visitou alguns dos mais próximos aliados no Médio Oriente, ou seja, Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, de forma a coordenar a contenção ao regime iraniano.."A operação [assassínio de Fakhrizadeh] reflete o pensamento daqueles que no governo Netanyahu - e/ou na administração Trump - veem estas próximas semanas como a sua última oportunidade de tornar as relações com o Irão tão más quanto possível, num esforço para estragar os esforços da administração Biden para regressar à diplomacia com Teerão", disse Paul Pillar, antigo funcionário da CIA e membro sénior do Centro de Estudos de Segurança da Universidade de Georgetown ao Washington Post.."A coisa mais importante neste caso é o timing da operação", disse um antigo dirigente dos serviços secretos israelitas ao Le Point. "Restam apenas cerca de 50 dias sob a administração de Trump. A missão foi realizada agora porque é pouco provável que o Irão reaja imediatamente, correndo o risco de dar a Trump a oportunidade de retaliar, por sua vez, contra Teerão."."Os iranianos são espertos e não querem jogar o jogo de Donald Trump. Mas é certo que o Irão irá responder, mais cedo ou mais tarde", concluiu o antigo funcionário da Mossad.