Merav Ben-Ari, deputada do partido centrista Kulanu (parceiro de governo de Benjamin Netanyahu), está em Lisboa para uma série de encontros políticos e falou ao DN das relações entre Israel e Portugal, do papel dos ultraortodoxos na sociedade israelita e da mudança das embaixadas de Telavive para Jerusalém..A advogada, de 42 anos, falou também do Festival Eurovisão, que se realiza em 2019 em Telavive (cidade onde vive) e, a nível mais pessoal, da forma como foi bem acolhida por todos no Knesset (Parlamento israelita) a sua decisão de ter uma filha com um amigo homossexual..É presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Israel-Portugal no Knesset. Tinha alguma ligação a Portugal para ser escolhida?.Antes de ir para o Knesset estive em Portugal. Fui voluntária para fazer de guia a um grupo de mulheres que veio de Israel. Acho que foi a primeira vez que tantas mulheres israelitas vieram a Portugal, num tão curto período de tempo. Vim cá, fui guia de algumas viagens, tive oportunidade de conhecer o vosso país, um país lindíssimo, serra da Estrela, Lisboa, Porto, Belmonte, que tem um significado muito especial para o povo judeu, por causa da sinagoga. E também para estudar a história de Portugal e dos judeus cá. O país é muito bonito, muito interessante, então pedi para ser a presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Israel-Portugal. É a primeira vez que cá estamos nesse âmbito..E como está a relação entre Israel e Portugal?.A relação é muito boa, vimos muitos progressos no último ano. Viemos num voo direto de Israel, durante muitos anos tínhamos de vir via Espanha, só nos meses de verão é que havia voos. Agora, vamos ter um voo todas as semanas. Vocês têm agora a Web Summit, por isso viemos num avião cheio de israelitas. Israel é uma nação de startups. Por isso, a relação com Portugal não é apenas histórica, é também de futuro. Há uma grande ligação entre Israel e Portugal. No último ano, mais de cem mil israelitas vieram a Portugal, mas só sete mil portugueses foram a Israel. É hora de irem. Quero convidar os portugueses a ir e visitar Israel e ver que é muito diferente do que se vê nos media. Devem ir e ver, vão ficar surpreendidos..Está no Knesset desde 2015, mas tornou-se conhecida dos israelitas dez anos antes, quando ganhou um reality show....Sim, em 2005, era no início dos reality shows. Era um programa diferente, sobre liderança e como mudar a sociedade. Por isso é que, com o dinheiro que ganhei na competição, voltei a casa, ao meu bairro e criei uma empresa de empreendedorismo social, um albergue para jovens em risco. O dinheiro foi para isso. Claro que também era membro da assembleia municipal de Telavive, uma cidade muito importante. Por isso tornei-me cada vez mais envolvida com as pessoas, através do albergue, mas também pelo trabalho a nível municipal, e depois surgiu a oportunidade de ser membro do Knesset. Estou no partido Kulanu, o segundo maior da coligação governamental, com dez lugares. Em Portugal há dez milhões de pessoas com 230 deputados. Em Israel somos quase nove milhões com 120 deputados..E ir para o Knesset foi algo com que sempre sonhou?.Não. O meu sonho era ser advogada, estudei Direito. Tenho a minha licença. Estava muito envolvida em temas sociais, com jovens em risco, e depois do Exército fui presidente da associação de estudantes na minha universidade. Estava mais ligada aos temas sociais. Mas, quando vi o Moshe Kahlon, o atual ministro das Finanças, a falar de diminuir a diferença entre ricos e pobres, e esta foi a primeira vez que o partido falou de temas domésticos, senti uma grande ligação a essas ideias e por isso decidi juntar-me a ele e ir para o Knesset..E como é que foi quando decidiu ser mãe, sendo solteira, e escolher o seu amigo homossexual para pai da sua filha?.Eu não sou mãe solteira porque a Ariel, a minha filha, tem um pai. E estamos a criá-la juntos, em duas casas diferentes. É como um casal que se divorciou e agora se dá muito bem a criar a filha. Nós não tivemos um divórcio, somos só muito bons amigos e decidimos trazer uma criança a este mundo. Fizemos a inseminação artificial, em Israel é um procedimento muito fácil, e agora ela tem um ano e sete meses. E agora está com o pai. Se fosse uma mãe solteira, tinha de a ter trazido comigo para Lisboa..Mas como é que foi a reação dos seus colegas no Knesset?.Sou a única deputada que fez inseminação artificial, mas posso dizer que tive muito apoio de todas as pessoas, desde os ultraortodoxos aos árabes. Nós, em Israel, provavelmente também em Portugal, adoramos crianças, por isso todos foram a favor. Não é normal, eu sei, quando fui mãe depois dei entrevistas para jornais ingleses, alemães, as pessoas em todo o mundo estavam interessadas no que fiz. Porque é único..O seu gesto vai contra a ideia de uma sociedade israelita conservadora....Em primeiro lugar, Israel é muito mais liberal do que os próprios israelitas pensam e do que outras pessoas pensam. Israel é a única verdadeira democracia no Médio Oriente, temos direitos LGBT, temos direitos das mulheres, é muito diferente do que as pessoas assumem. Por isso também vim a Portugal, para falar de Israel para que percebam que é muito diferente do que veem na televisão ou nos media. É por isso que, quando fiz a inseminação, todas as pessoas no Knesset e fora do Knesset foram a favor, porque queremos mesmo que as pessoas tenham a oportunidade de ser pais. E somos muito liberais. Às vezes não parece por causa dos ultraortodoxos e eles são parte do governo, mas posso dizer que são muito bons parceiros. Mas, como disse, da minha perspetiva, somos muitos mais liberais do que as pessoas pensam..Falou de leis. Houve uma sobre as barrigas de aluguer para os casais homossexuais que não passou neste verão. Porquê?.O problema com as barrigas de aluguer é que as pessoas não percebem a situação. Em Israel, as pessoas podem pagar pelas barrigas de aluguer. Enquanto na Europa, por exemplo, a gestação de substituição é sempre voluntária. O que tentámos corrigir em Israel, porque somos pró-crianças e pró-nascimentos, foi tentar dar oportunidades às mulheres solteiras. Eu estava no debate, na comissão, e nós queríamos dar essa oportunidade a mulheres que não podem ser mães. Não é para todas as mulheres que têm dinheiro, que decidem que outra pessoa vai ter o filho delas. Não. Tens de provar ao comité que não podes ter filhos. É por isso que não se incluem os homens. Porque eles não podem ser parte deste procedimento. Mas, falando de igualdade, de todos terem oportunidade de serem pais, então as associações LGBT dizem que temos de dar a oportunidade a todos. Eles não podem adotar. Então, pelo menos, querem a opção de poder adotar. Mas temos de ver, porque os ultraortodoxos são parte do governo e é complicado. Mas o primeiro-ministro é o governante e ele tem de conseguir algum tipo de acordo com os ultraortodoxos, para garantir algo àquelas pessoas que só querem ser pais..Os ultraortodoxos são uma minoria ou estão a tornar-se mais visíveis na sociedade?.Eles são muito fortes. Os números não são grandes, mas eles politicamente são muito fortes..Eles estão a ganhar mais poder. Que impacto é que vai ter na sociedade?.Não vai ser mais ortodoxa, vai ser mais liberal..Mas o que é que isso significa? Em Telavive há uma grande gay parade. Há hipótese de isso mudar com os anos?.Telavive é um estado dentro de Israel, é diferente, muito liberal. Gostamos que seja diferente. Mas também há outras gay parades em Israel. Isso não vai mudar..Além dos jovens em risco e dos direitos LGBT, também tem defendido os direitos das mães solteiras..Sim, primeiro porque fui criada por uma, sei como era da minha experiência. Depois, porque temos de ajudá-las, por exemplo, a nível de infantários, para que elas possam ir trabalhar. Porque é muito caro o custo de vida em Israel. E, claro, terem a oportunidade de, se quiserem, irem para a universidade ou abrirem uma empresa. A maioria da ajuda deve ir para as mães solteiras pobres. Porque há muitas mães solteiras que trabalham e ainda assim são pobres. O que fizemos de errado, que essas mulheres não conseguem ser bem-sucedidas? Tentamos, no governo, dar-lhes ferramentas para as ajudar a ir trabalhar, a enviar os filhos para a creche para poderem ser independentes, mas também para que os filhos possam ver as mães em situações positivas, não só na pobreza..No ano passado, aqui em Lisboa, a israelita Netta Barzilai ganhou o festival da Eurovisão com uma música inspirada no movimento #MeToo e no feminismo. Israel é uma sociedade sexista?.Também tivemos em Israel a campanha do #MeToo, estava em todo o lado. Acho que houve mudanças no último ano, por causa dessa campanha. As israelitas, como muitas mulheres em todo o mundo, têm de lidar com uma série de situações. Nós, enquanto mulheres no Parlamento, temos responsabilidade de dar o exemplo pessoal sobre como lidar com o sexismo. Neste Parlamento há 36 mulheres, o maior número, mas ainda não é suficiente. Tenho a certeza de que nas próximas eleições ainda será melhor..Voltando à Eurovisão, alguns países dizem que vão boicotar a cerimónia por causa do conflito israelo-palestiniano. Acha que será assim?.O festival vai ser na minha cidade, em Telavive, e estamos muito contentes por o receber. A maioria dos países não disseram nada, mas sim, há sempre as campanhas de boicote. Mas este acontecimento é sobre música, é sobre amor, é sobre pessoas de todo o mundo unidas para um evento inacreditável. Não vejo que um país deixe de enviar representantes. Sei que as pessoas estão desejosas de receber as pessoas de todo o lado..Nos EUA, no final de outubro, houve um ataque contra uma sinagoga de Pittsburgh que fez 11 mortos. Acha que o antissemitismo está a aumentar no mundo?.Foi um acontecimento muito triste para a comunidade judaica em Pittsburgh, mas também em todo o mundo. Estou muito feliz por ver que em Portugal o antissemitismo não é tão forte e espero que continue assim. Porque não sei por que o antissemitismo está a crescer. Infelizmente, vemos que a extrema-direita em todo o mundo está a ficar mais forte e temos de lembrar que a situação não é apenas com os judeus, porque as pessoas de extrema-direita são contra tudo o que é diferente. Pittsburgh foi a pior situação ocorrida nos EUA..Muitos judeus nos EUA parecem estar a culpar o presidente Donald Trump por causa do seu discurso....Infelizmente, está a acontecer em todo o mundo, no Brasil, na Áustria... Algo mudou na cabeça das pessoas, talvez por causa da imigração. Mas, no final do dia, aquilo foi um homem que acordou um dia e decidiu disparar contra judeus só porque eles são judeus..Falou do Brasil. O novo presidente é de extrema-direita e anunciou que, tal como Trump, vai mudar a embaixada de Telavive para Jerusalém. Para os israelitas este é um tema importante?.A capital de Israel é Jerusalém, todas as embaixadas deviam estar em Jerusalém. É a capital de Israel. E se perguntar ao presidente da Câmara de Telavive, em todos os encontros com embaixadores, ele disse-lhes que sabe que Telavive é uma boa cidade, mas que têm de pôr a embaixada em Jerusalém. Mas, por causa da situação, a maioria deles fica em Telavive. É algo natural para nós. Espero que outros países façam o mesmo..Qual é a posição do seu partido em relação à solução de dois Estados?.A solução de dois Estados não é relevante agora. Era relevante há cinco ou seis anos. Agora, há uma situação em que temos duas autoridades palestinianas. Uma em Ramallah, outra em Gaza. E elas nem falam uma com a outra. Por isso, agora não vejo uma solução de dois Estados. Porque quem é que seria o Estado? Como é que faríamos? Um estado com Gaza, outro com a Cisjordânia. Quando houver um, lidemos com ele. Mas não interessa se é uma autonomia independente ou um estado dependente. Jerusalém ficará a capital..E acha que é possível uma solução para o conflito israelo-palestiniano?.É preciso uma solução, tem de haver. Mas é complicado, como dizemos no estatuto no Facebook.