O adjetivo "histórico" foi o escolhido pelo presidente norte-americano, Donald Trump, para anunciar ao mundo, através do Twitter, o acordo de normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos. Afinal, este é apenas o terceiro país árabe a dar este passo, que para os palestinianos representa uma traição apesar de vir com garantias da suspensão da anexação da Cisjordânia por parte dos israelitas..O anúncio do acordo pode ter sido uma surpresa, mas a aproximação entre o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o líder de facto dos Emirados Árabes Unidos, o príncipe herdeiro do Dubai, Mohammed bin Zayed Al Nahyan (conhecido pelas iniciais MBZ) não é de agora. Há anos que ambos caminham no mesmo sentido, tendo em conta o inimigo em comum: o Irão..Trump anunciou o acordo de normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos no Twitter como um "acordo de paz histórico" entre dois grandes amigos dos EUA. E mais tarde, aos jornalistas, disse que há outras coisas a acontecer, mas que não pode falar delas, explicando apenas que são "incríveis"..Para Trump, este acordo é uma vitória diplomática a poucos meses das eleições presidenciais, numa altura em que outra das suas promessas em matéria de relações exteriores está por cumprir: a retirada dos últimos soldados norte-americanos do Afeganistão..Num comunicado conjunto, EUA, Emirados Árabes Unidos e Israel indicaram que haverá reuniões nas próximas semanas para assinar acordos em relação a voos diretos entre os dois países, segurança, telecomunicações, energia, turistas, cuidados de saúde (com a luta contra o coronavírus como prioridade), cultura ou ambiente, assim como a abertura de embaixadas.."A abertura de laços diretos entre duas das mais dinâmicas sociedades e economias avançadas do Médio Oriente vai transformar a região ao estimular o crescimento económico, fomentar a inovação tecnológica e forjar relações pessoais mais próximas", lê-se no comunicado..O comunicado está assinado por Trump, Netanyahu e MBZ, que é visto como o líder de facto dos Emirados por causa da doença do irmão, o atual presidente, Khalifa bin Zayed bin Sultan Al Nahyan. Os três falaram ao telefone na tarde de quinta-feira..O tom da mensagem do príncipe herdeiro foi menos eufórico, limitando-se a dizer que um acordo tinha sido alcançado para parar novas anexações israelitas dos territórios palestinianos, e que os Emirados e Israel tinham acordado cooperar e estabelecer um roteiro para o estabelecimento de relações bilaterais..Suspensão da anexação.A normalização das relações implica precisamente a suspensão dos planos israelitas de anexação de partes da Cisjordânia, previstas ao abrigo do plano de paz para o Médio Oriente, apresentado por Trump em janeiro. "Israel [...] vai focar os seus esforços na expansão dos laços com outros países no mundo árabe e muçulmano", lê-se no texto, esperando-se que o acordo com os Emirados abra a porta a outros do género com mais Estados árabes..No Twitter, Netanyahu partilhou a mensagem de Trump e escreveu em hebraico "dia histórico"..Mais tarde, numa conferência de imprensa, disse que o dia marca "uma nova era das relações entre Israel e o mundo árabe". Mas reiterou que o país não renunciou à anexação, condenada por grande parte da comunidade internacional, defendendo apenas que os planos foram adiados..Com base na proposta de Trump, Netanyahu tem um plano de anexação de cerca de 30% da Cisjordânia. Um tema controverso que chegou a ter uma data, 1 de julho, negociada com o seu parceiro de coligação, Benny Gantz, que assumirá a chefia do Governo na segunda metade do mandato. Contudo, a data passou sem que fossem feitos avanços, com Netanyahu a ter de ver os prós e os contra de o fazer..Gantz, que atualmente tem o cargo de ministro da Defesa, já reagiu ao acordo com os Emirados. "O acordo reflete a aliança entre os países da região interessados na prosperidade e estabilidade e realça a eterna aspiração de Israel para a paz com os seus vizinhos", escreveu no Twitter, dizendo acreditar que este vai trazer "muitas implicações positivas para o futuro de todo o Médio Oriente". E apelou para que outros países árabes sigam o mesmo exemplo..Irão: o inimigo comum.Nos últimos anos, tem havido uma aproximação entre Israel e os Emirados. Tudo por causa de um inimigo comum: o Irão. As críticas do primeiro-ministro israelita ao acordo sobre o nuclear iraniano, negociado pela administração de Barack Obama, terão aproximado ainda mais os dois países. Assim como a Arábia Saudita, que também vê no Irão a grande ameaça..E, segundo a revista The New Yorker, já eram habituais os contactos entre ambos os lados - terá mesmo havido um encontro entre Netanyahu e o chefe da diplomacia dos Emirados em 2012 -, tornando-se mais frequentes para o fim da presidência de Obama, sem que os EUA fossem informados de que estavam a acontecer. A chegada ao poder de Trump, igualmente crítico do acordo iraniano (que viria a rasgar), era uma oportunidade..De forma mais visível, Israel abriu em 2015 uma missão oficial destacada para a Agência Internacional para as Energias Renováveis, com sede em Abu Dhabi. Cinco anos antes, precisamente para assistir a uma conferência sobre este tema, Uzi Landau, que tinha a pasta das Infraestruturas, tornou-se o primeiro-ministro israelita a visitar o país..Já em abril do ano passado, Israel anunciou que tinha sido convidado para participar na feira mundial de 2020, que vai decorrer em Abu Dhabi no próximo ano (foi adiada por causa da pandemia de coronavírus)..Por causa do coronavírus, Israel anunciou em finais de junho uma parceria com os Emirados Árabes Unidos para cooperar na luta contra a covid-19, com Netanyahu a falar do último avanço nas relações entre ambos os países. Mas os Emirados descreveram mais tarde o mesmo acordo como sendo entre empresas privadas dos dois lados..Em janeiro, o embaixador dos Emirados Árabes em Washington esteve na Casa Branca quando Trump apresentou o seu plano de paz para o Médio Oriente. Este prevê uma solução de dois Estados, mas dá aos palestinianos uma parte de Jerusalém Oriental como capital (sob controlo de Israel) e dava luz verde às anexações. Negociado sem consultar os palestinianos, foi rejeitado por estes..Reação dos palestinianos.O Hamas, que controla a Faixa de Gaza, já criticou a normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, falando de "uma recompensa pela ocupação e pelos crimes israelitas". À AFP, o porta-voz Hazem Qasem indicou que o acordo "não serve a causa palestiniana"..No Twitter, Hanan Ashrawi, do comité executivo da Organização para a Libertação da Palestina, do líder da Autoridades Palestiniana (que controla a Cisjordânia) Mahmoud Abbas, acusou os Emirados de saírem da sombra das "negociações secretas" com Israel..E numa mensagem a MBZ, escreveu: "Que nunca experimentes a agonia de ver o teu país ser roubado; que nunca sintas a dor de viver em cativeiro sob ocupação; que nunca testemunhes a demolição da tua casa e o assassínio dos teus entes queridos. Que nunca sejas vendido pelos 'teus amigos'.".Em comunicado, a Autoridade Palestiniana rejeitou e condenou o acordo. "É uma traição a Jerusalém à causa palestiniana", indicaram em comunicado, com Abbas a pedir uma reunião de urgência da Liga Árabe..Egito e Jordânia, os pioneiros.Os Emirados são o terceiro país árabe (e o primeiro do Golfo) a estabelecer relações diplomáticas com Israel. Os outros dois que assinaram a paz foram o Egito e a Jordânia, que partilham fronteiras com o Estado hebraico..O Egito estabeleceu relações com Israel em janeiro de 1980, quase um ano após a assinatura do acordo de paz em março de 1979, fruto dos acordos de Camp David, negociados em setembro de 1978. Estes valeram naquele ano o Nobel da Paz ao então primeiro-ministro israelita, Menachem Begin, e ao presidente do Egito, Anwar Sadat..Mas a paz, negociada sob o olhar do então presidente norte-americano, Jimmy Carter, teve consequências trágicas para o líder egípcio, que seria assassinado em outubro de 1981 por grupos jihadistas que eram contra os acordos e os planos que Sadat tinha para um país mais progressivo..O Egito foi também expulso da Liga Árabe, à qual só regressaria em 1989. No ano anterior, tinha sido um dos primeiros países a apoiar a declaração de independência da Palestina, em 1988..O atual presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, disse ter lido "com interesse e grande apreciação" o anúncio do acordo entre Israel e os Emirados, destacando o travão a novas anexações na Cisjordânia..Foram precisas quase mais duas décadas para que a Jordânia imitasse o Egito e assinasse também a paz com Israel. Mais uma vez foram os EUA que facilitaram as negociações, desta vez com Bill Clinton na Casa Branca. O rei Hussein I da Jordânia e o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin assinaram a declaração de Washington em julho de 1994, e o acordo de paz três meses depois..Este acordo de paz surgiu no rescaldo dos Acordos de Oslo de 1993, negociados entre israelitas e palestinianos nas costas dos jordanos, que tinham tido um papel importante na conferência de Madrid, que três anos antes tentara alcançar a paz. Se os palestinianos podiam negociar com Israel, então a Jordânia concluiu que também o podia fazer..E se os Acordos de Oslo acabaram por não dar em nada, o acordo de paz com a Jordânia - que também não foi muito bem visto pelos jordanos - continua de pé, apesar de inúmeras crises.