ISIS perde Raqqa e fica reduzido a uma faixa entre Síria e Iraque
As Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês) acabavam de anunciar a reconquista de Raqqa, após três anos nas mãos do Estado Islâmico, quando alguns combatentes encheram a rotunda de Al-Naim empunhando bandeiras amarelas da aliança composta na maioria por curdos e também por alguns árabes. Na chamada "rotunda do Inferno" - por ser ali que o ISIS realizava decapitações, crucificações e outras atrocidades -, houve sorrisos, lágrimas e até selfies tiradas com a destruição causada pelos bombardeamentos em fundo. Perdida a capital do seu "califado", o ISIS está agora reduzido a uma faixa de terreno no vale do rio Eufrates, entre a Síria e o Iraque. Mas isso pode não o tornar menos perigoso.
Após quatro meses de combates devastadores contra as SDF, apoiadas pelos Estados Unidos, o ISIS sofre novo revés, depois de em julho ter perdido Mossul, a cidade iraquiana onde Abu Bakr al-Baghdadi declarou o califado em 2014. Conquistada em 2014, Raqqa era alvo desde junho da ofensiva Ira do Eufrates. Uma batalha que fez 3250 mortos - 1130 civis, entre os quais 170 crianças e 2120 combatentes, dos dois lados -, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.
"As operações militares em Raqqa terminaram. A cidade está sob controlo total das SDF", garantiu à AFP Talal Sello, porta-voz da aliança criada em outubro de 2015 e principal aliada síria da coligação internacional liderada pelos EUA. Composta por 25 mil curdos e cinco mil árabes, todos sírios, a aliança surgiu após ter fracassado a tentativa americana de criar um exército composto por rebeldes sírios. Em maio, Washington começou a entregar armas às Unidades de Defesa do Povo Curdo (YPG - parte substancial das SDF), apesar da oposição da Turquia que as considera como organização terrorista. Ancara quer impedir os curdos de criarem uma faixa autónoma ao longo da fronteira entre a Turquia e a Síria.
Ontem, as SDF substituíram a bandeira negra do ISIS pela amarela da organização dos dois últimos redutos do grupo em Raqqa: o hospital e o estádio municipal. Mas prosseguiam as operações para garantir que não restavam bolsas de militantes do ISIS na cidade e para remover as minas deixadas pelo grupo sunita.
Ao perder Raqqa, na Síria, "o ISIS fica confinado a uma faixa de território ao longo do vale do Eufrates, em Deir ez-Zor", garante à AFP Nicholas Heras, perito do Center for a New American Security em Washington. Isto além de algumas bolsas na província de Hama e no deserto de Homs. No Iraque, caída Mossul, o grupo jihadista só controla duas cidades do oriente desértico.
Ameaça global
As perdas do ISIS no terreno não significam, no entanto, que este se tenha tornado menos perigoso. Apenas passou a ser uma ameaça global e difusa, recrutando jihadistas através das redes sociais e apelando a ataques contra o Ocidente, dando aos chamados lobos solitários um verdadeiro manual de instruções para agir contra "os infiéis". Um apelo ouvido por muitos, como comprovam uma série de atentados reivindicados pelo grupo nos últimos dois anos que vão desde Paris até Orlando, na Florida, de Barcelona a Londres, passando ainda por Berlim ou Istambul.
Com a perda de Raqqa, é ainda de esperar o regresso à Europa de alguns das muitas centenas de ocidentais que responderam ao apelo do ISIS para se lhe juntarem na capital do seu califado. "Eles tinham planos a pensar nisto tudo. Estamos a investir muito no envio dos seus para a Europa e não vai terminar tão cedo. Já viram como eles agem. Quando estão a perder, deixam de dar nas vistas para depois regressarem. Ainda têm a sua ideologia", explicou ao The Guardian um antigo responsável do grupo terrorista.