Irlanda paga mais de 11 mil euros para levar médicos de família portugueses

Irlanda oferece 2750 euros brutos por semana a médicos de família portugueses por turnos diurnos de segunda a sexta-feira, ou 2160 euros por um fim de semana de trabalho noturno. Anúncio está publicado na bolsa de emprego da Ordem dos Médicos.
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São 2750 euros brutos por semana, em turnos diurnos de segunda a sexta-feira; que podem passar a 3500 euros de quarta a domingo, se o trabalho médico for feito à noite; ou 2160 euros pagos por um fim de semana de trabalho noturno. Estes são os valores que uma empresa está disposta a pagar para levar médicos de família portugueses para a Irlanda, um anúncio publicado nesta semana na bolsa de emprego da Ordem dos Médicos e que supera em muito os ordenados que a Galiza está disposta a pagar: fazendo apenas turnos diurnos, um médico português vai ganhar pelo menos 11 mil euros brutos mensais na Irlanda, o país com a menor carga fiscal da União Europeia.


"Nunca vi valores assim, à exceção das ofertas que vêm da Arábia Saudita", espanta-se Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), que está convencido de que apesar de a oferta ser dirigida a médicos de família, o trabalho deve ser prestado em urgências hospitalares - desde logo tendo em conta a existência de turnos noturnos - com cargas horárias pesadas. O DN enviou perguntas à empresa responsável pelo anúncio a pedir detalhes sobre a duração dos contratos, mas também sobre a carga horária e o local onde será prestado o trabalho, mas não recebeu respostas até agora.

Mas uma coisa é certa, garante Rui Nogueira, nunca houve tantas empresas a tentar levar médicos portugueses para o estrangeiro. "O que, por um lado, nos deixa satisfeitos, porque demonstra que a qualidade dos médicos portugueses é reconhecida; mas, por outro lado, preocupa-nos, porque percebemos que Portugal não consegue concorrer com os salários praticados nestes países, ou como os oferecidos na Galiza", onde, como noticia nesta quinta-feira o Jornal de Notícias, o salário oferecido aos médicos de família e pediatras portugueses corresponde a mais do dobro daquele que um clínico em início de carreira receberia em Portugal.

Feira: Austrália e países europeus vêm contratar profissionais de saúde

Prova desse interesse é a realização no próximo fim de semana de uma feira de emprego na área da saúde, que traz ao Porto e a Lisboa empresas de vários países. Em respostas enviadas ao DN, a Expomedics, a empresa com sede na Roménia que organiza o evento, aponta a "elevada qualificação e a flexibilidade no que toca a novos desafios" como as características dos profissionais de saúde portugueses que mais atraem os empregadores estrangeiros. "São profissionais muito apreciados por empregadores europeus, o que justifica a ida a Portugal de muitas empresas."

Para esta feira, que no sábado se realiza no Vila Galé do Porto e no domingo no Hotel Fénix no Marquês de Pombal, em Lisboa, já estão inscritas companhias de pelo menos dez países da Europa - Reino Unido, Irlanda, Suécia, Dinamarca, Noruega, França, Áustria, Alemanha, Holanda e Suíça - e da Austrália. Há menos de um ano foi o Azerbaijão que recrutou em Portugal. Médicos, enfermeiros, dentistas, mas também radiologistas ou fisioterapeutas são algumas das profissões com maior procura na feira deste fim de semana e os salários, no caso dos médicos, podem chegar aos nove mil euros mensais.

"O país não consegue concorrer com salários tão altos na área da medicina geral e familiar, portanto a solução é investir em melhores unidades, criar boas condições para os médicos de família trabalharem", argumenta Rui Nogueira, que defende, por exemplo, a criação de mais unidades de saúde familiar. Ideia partilhada pela Associação Nacional de USF, que não tem dúvidas de que que "as USF cativam e desafiam os novos especialistas de MGF, enfermeiros e secretários clínicos a integrar e a manterem-se motivados no SNS".

Até porque, alerta o presidente da APMGF, a tendência de saídas para o estrangeiro pode agravar-se nos próximos anos. "A partir de 2025, quando a maior parte dos médicos de família mais velhos já se tiver reformado, um em cada três médicos formados não terá lugar no SNS, e esse será um grande desafio para o sistema, porque há um grande investimento na formação desses profissionais e também há uma questão de gestão de expectativas dessas pessoas."

Esta é também a preocupação do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que, em declarações ao DN, mostrou-se preocupado com a ausência de uma resposta eficaz do SNS à população portuguesa.

Para Miguel Guimarães, o recrutamento de profissionais de saúde no estrangeiro significa um "reconhecimento da formação médica em Portugal". "O que representa uma ameaça para o SNS é o falhanço da política de contratação de recursos humanos, com o desinvestimento nas carreiras médicas, em projetos profissionais e em ambientes de trabalho que sejam suficientemente interessantes e motivadores para que os médicos portugueses queiram continuar a trabalhar no SNS e em Portugal", afirma.

O país consegue formar cerca de 400 médicos de família por ano e as projeções apontam para cerca de 50 reformas anuais nesta área a partir de 2025. Para se ter a noção da mudança demográfica a curto prazo, no ano passado ter-se-ão reformado mais de 400 médicos de família.

Galiza oferece 4390 euros a médicos portugueses

O Serviço de Saúde Galego (Sergas) está à procura de médicos de família e pediatras em Portugal. Oferecem um salário bruto de 4390 euros, mais de duas vezes o salário português. E embora o anúncio seja recente, o serviço de saúde regional espanhol confirmou ao DN que já recebeu várias candidaturas de portugueses (não específica quantas).

"O Serviço de Saúde Galego está a lançar um novo contrato de continuidade para responder a situações de substituição especialmente nas categorias de médicos de família e pediatras. O governo galego pretende abrir portas a profissionais de saúde de outras comunidades autónomas de Espanha e de Portugal", indicou o Sergas.

Os contratos têm uma duração entre um e três anos e os médicos terão direito a um mês de férias, folgas, horários e salários semelhantes aos dos colegas espanhóis. "Uma proposta torna-se aliciante não apenas pelo valor remuneratório mas também pelas condições de trabalho e de formação proporcionadas e pelo projeto. Ainda assim, apenas pelo valor, a proposta da Galiza é substancialmente superior", diz o bastonário da Ordem dos Médicos sobre a primeira tentativa da Galiza para recrutar médicos portugueses.

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