Irão protesta junto do governo francês por filme selecionado para o festival de Cannes

O filme "Holy Spider", nomeado na principal categoria em competição no festival de Cannes, não teve permissão para ser filmado no Irão, acabando por ser filmado na Jordânia.
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O Irão afirmou, esta quarta-feira (01), que enviou um protesto formal ao governo de França após o festival de cinema de Cannes ter selecionado um filme, baseado numa história real, sobre um serial killer que tem como alvo trabalhadoras sexuais na República Islâmica.

"Holy Spider", dirigido por Ali Abbasi, realizador com dupla nacionalidade dinamarquesa e iraniana, foi nomeado na principal categoria em competição no festival de Cannes, no mês passado. A iraniana Zar Amir Ebrahimi ganhou o prémio de melhor atriz pelo seu papel, neste filme, como jornalista que tenta investigar os assassinatos na cidade sagrada de Mashhad.

"Nós protestamos formalmente com o governo francês através do Ministério das Relações Exteriores", afirmou o ministro da Cultura do Irão, Mohammad Mehdi Esmaili, na televisão estatal.

"Definitivamente consideraremos esta questão nos nossos intercâmbios culturais com estes governos", acrescentou Esmaili, sem dar mais detalhes.

O festival não está oficialmente vinculado ao governo francês. A escolha de "Holy Spider" foi "errada e completamente política" e teve como objetivo "mostrar uma imagem sombria da sociedade iraniana", disse o ministro.

A Organização de Cinema do Irão, afiliada ao Ministério da Cultura, atacou a decisão "tendenciosa e política" de selecionar o filme.

Abbasi viu o Irão negar-lhe autorização para filmar "Holly Spider" no país, tendo as filmagens acabado por decorrer na Jordânia.

O filme foi inspirado na história real sobre um homem da classe trabalhadora que matou 16 trabalhadoras sexuais no início dos anos 2000 em Mashhad, a segunda maior cidade no Irão e principal santuário do islamismo xiita.

No filme, a jornalista interpretada por Amir Ebrahimi tenta desvendar o mistério destes assassinatos, mas é confrontada com a masculinidade tóxica de uma sociedade iraniana patriarcal.

A carreira da atriz foi abruptamente interrompida em 2006, devido a um escândalo sexual, forçando-a sair do Irão e a radicar-se em França dois anos depois.

"Holy Spider" foi um dos dois filmes iranianos que concorreram à Palma de Ouro este ano, juntamente com "Leila's Brothers", de Saeed Roustaee, sobre uma família que luta para sair da pobreza de Teerão.

O ministro da Cultura do Irão alertou sobre possíveis "restrições" a "Leila's Brothers", dado que o filme foi exibido em Cannes antes de obter uma licença de exibição de Teerão.

"De acordo com a lei, os filmes que vão para festivais estrangeiros devem ter uma licença de exibição, e os responsáveis que levaram o filme para o Festival de Cannes foram informados que isso iria causar contestações legais ao filme e este poderia enfrentar restrições", disse Esmaili. "Isso foi dito ao diretor e produtor", disse o ministro à TV estatal, sem dar mais detalhes.

Roustaee deu a entender em Cannes que o filme ainda não tinha tido lançamento aprovado no Irão.

"Conseguir uma licença para filmar é um processo muito extremo, entediante e longo. É preciso outra licença para lançar o filme nos cinemas e, nesse processo, é claro que há censura", afirmou o realizador à AFP no festival.

O Irão tem uma história cinematográfica ilustre, incluindo mestres do passado como Abbas Kiarostami, que ganhou a Palma de Ouro em 1997, e Asghar Farhadi, que ganhou duas vezes o Óscar para melhor filme estrangeiro e fez parte do júri no festival de Cannes este ano.

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