Ir às compras e... descobrir 31 obras-primas da pintura

Depois das paredes da cidade, em 2015, agora o Museu de Arte Antiga mostra cópias das suas obras no Amoreiras Shopping Center, em Lisboa. Todos os domingos, às 11.30, há visitas guiadas gratuitas.
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Ir às compras e, na montra de uma loja de discos e livros, deparar-se com uma réplica de São Jerónimo, de Albrecht Dürer, o mais famoso artista do renascimento nórdico, ou por entre peças de roupa encontrar uma cópia de um quadro do pintor português Domingos Sequeira, o protagonista da campanha de crowdfounding Vamos Pôr o Sequeira no Lugar realizada pelo Museu Nacional de Arte Antiga? Até 5 de novembro, é isso mesmo que vai acontecer no Amoreiras Shopping Center, em Lisboa, onde o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) expõe réplicas de 31 obras-primas da sua coleção.

E aos domingos, às 11.30, há visitas guiadas gratuitas. Basta fazer a inscrição no balcão de informações porque a participação é limitada a 25 participantes. Para quem preferir partir à descoberta por sua conta e risco, junto a cada um dos quadros expostos encontram placas informativas, numeradas, e mesmo em frente ao balcão de informações do centro comercial estão disponíveis folhetos com um mapa que indica a localização de cada obra.

Na quarta-feira, dia de inauguração da exposição, Miguel Soromenho, da equipa de investigação e apoio à direção do MNAA, fez um primeiro avanço do que se pode esperar dessas visitas guiadas que acompanham a "exposição" das cópias em tamanho real dos quadros.

A descoberta começou precisamente pelo São Jerónimo, uma obra de 1521 de Albrecht Dürer (1471-1528), "o mais importante pintor alemão do Renascimento, que levou para a Alemanha e para o Norte da Europa em geral os conhecimentos do Renascimento italiano", situa Miguel Soromenho. Para logo de seguida explicar como este quadro veio para Portugal: "Foi oferecido pelo próprio pintor a Rui Fernandes de Almada, feitor em Antuérpia". Aliás, adianta ainda, terá sido na casa deste diplomata português que Dürer terá tomado conhecimento da descrição detalhada de um rinoceronte, animal até então desconhecido na Europa e que o artista imortalizou numa xilogravura de 1515, que faz parte da coleção do Museu Britânico, em Londres.

Ainda no primeiro andar, uma breve paragem em frente a Duas Irmãs, obra realizada entre c. 1770-1780, para Miguel Soromenho apresentar o pintor francês Jean-Honoré Fragonard (1732-1806) "como um dos últimos arautos da pintura barroca, representado os pequenos prazeres da vida", como mostra o quadro. Isto porque, explica, logo a seguir dá-se a Revolução Francesa e entra-se num período em que a pintura se dedica a assuntos mais sérios. O investigador chama ainda a atenção para a intenção do artista em captar "a fugacidade dos pequenos momentos, o instantâneo da vida, sem encenação".

Um pouco mais à frente, na Casa Havaneza, uma ligação entre a atividade da loja e a obra exposta - Homem do Cachimbo (c. 1850), de Gustave Courbet (1819-1877), uma pintura que "quase como um registo fotográfico, abre as portas para o impressionismo".

Ali perto, na loja da Vista Alegre, Frutos, obra atribuída a Cornelis de Heem (1631-1695), uma natureza morta, "um género que surge no século XVI, na Holanda", contextualiza. Este, que no início foi considerado um género secundário, "realista, por um lado, embora em ambientes encenados", têm vários simbolismos implícitos, como a representação das estações do ano, dos continentes ou dos meses do ano "através da representação de produtos típicos desses momentos do ano ou desses locais". Por outro lado, acrescenta, encerram em si também a ideia da perenidade da vida e da sua renovação.

Na montra de uma loja de calçado infantil, a Virgem e o Menino (c. 1485), deHans Memling (c. 1430-1494), pintor alemão que passou grande parte da sua vida na Flandres, surge como oportunidade para falar da importância da pintura flamenga em Portugal, onde eram feita muitas encomendas, sobretudo para retábulos.

Na Praça Central, o Retrato de Jovem Cavaleiro, quadro de meados do século XVI, surge como exemplo da "tradição do retrato régio a partir de Ticiano, algo iniciado com D. João III e D. Catarina". "Numa latura em que as cortes europeias eram dominadas pela família Habsburgo, a troca de presentes através de retratos dos vários elementos da família torna-se até uma questão diplomática". E sublinha o pioneirismo nacional: "Essa troca de presentes de retratos da família real tornou-se moda na Europa a partir de Portugal e do papel dinamizador de D. Catarina".

Já no segundo piso, Miguel Soromenho faz a primeira paragem junto à Coroação da Virgem, de Domingos Sequeira (1768-1837), na qual destaca "o ambiente místico, quase irreal, como que antecipando as óperas de Wagner".

À direita, mais uma Virgem e o Menino, esta do holandês Jan Van Scorel (1494-1562), "um dos introdutores da pintura maneirista, assistindo-se a uma mudança de paradigma em relação ao Renascimento, com outro tipo de estética que se pode ver, por exemplo, nos corpos mais alongados".

Um pouco mais à direita, a Cortesã, de Jacob Adriaensz Backer, salta à vista numa montra de lingerie, é como que uma alegoria a "uma ideia de luxúria, volúpia, de transgressão liga à mulher".

A paragem seguinte foi frente a um Retrato do Rei D. Sebastião (c. 1570-1575), do português Cristóvão de Morais, "um exemplo da mestria com que os artistas portugueses absorveram e trataram o retrato régio iniciado por Ticiano".

Obras de Misericórdia, de Pieter Brueghel, O Jovem (1564-1638) surge como pretexto para Miguel Soromenho falar do aparecimento de novos temas na pintura no final do século XVI. "Para além das naturezas-mortas e das paisagens, surgem também as cenas de género, como esta", assinala. A procura por temas como este, explica, "mostra o surgimento de uma nova clientela".

Retrato do Conde de Farrobo (1813), mais uma obra de Domingos Sequeira, "para além de mostrar os recursos do pintor", é também uma homenagem ao jovem que viria a ser um dos "paladinos da revolução liberal, financiando D. Pedro IV". Mas foram mais os apoios que a família - os Quintela - deram à sociedade portuguesa, passando, por exemplo, pelo Teatro Thália, nas Laranjeiras, e o Teatro nacional São Carlos.

O único Rafael (1483-1520) existente na coleção do Museu Nacional de Arte Antiga também está presente nas Amoreiras. Milagre de Santo Eusébio de Cremona (1502-1503), mostra a excelência deste artista que "criou modelos pictóricos que se mantêm até hoje".

Seja qual for o caso, de visita guiada ou individual, uma sugestão para finalizar: Vista do Mosteiro e Praça de Belém, ao qual se chega pelo elevador que dá acesso ao terraço das Amoreiras. Logo à saída do elevador surge o quadro de 1657 do português Filipe Lobo, "um bom testemunho da evolução histórica dos Jerónimos numa pintura de género, com uma cena de sedução junto à fonte, com escravos a passaram e pescadores a regressarem do mar com a cesta cheia de peixe, temas que normalmente não eram tratados na pintura tradicional e que mostram um gosto mais popular".

A terminar, um quadro real da cidade, com um vista de 360 graus de Lisboa, ao vivo.

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