Familiar expulsa do IPO do Porto. ERS critica, hospital defende-se com regras
O Instituto Português de Oncologia do Porto é acusado de impedir o acompanhamento de uma doente idosa em estado terminal, uma situação que agora foi alvo de uma deliberação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS).
O caso aconteceu no início de 2017 e chegou à ERS através de uma queixa da filha da paciente. Informada de que a mãe teria cerca de 24 horas de vida, a filha pediu para passar a noite junto da progenitora, o que lhe foi negado. De nada valeu invocar o direito de acompanhamento que está previsto na lei - sob a ameaça de chamarem a segurança, a mulher acabou por sair pelo próprio pé, em lágrimas.
A ERS relata, citando o depoimento da reclamante, que "na noite de 13 de janeiro de 2017, sentindo a sua mãe muito fraca, pediu expressamente aos enfermeiros que a deixassem fazer companhia à mãe durante toda a noite, estando nessa altura num estado de grande aflição física e psicológica. O pedido foi-lhe recusado pelas enfermeiras, tendo sido inclusivamente ameaçada com o recurso aos elementos de segurança, tendo a testemunha saído num estado de grande angústia emocional, inclusivamente em lágrimas". A mulher acrescenta que uma médica lhe prometeu que poderia entrar mais cedo no dia seguinte, pelo que "acorreu, às 8h45 ao hospital" - mas "foi-lhe barrada a entrada pelo segurança, só lhe tendo sido permitido a entrada pelas 11h, que coincide com o horário normal de entrada para acompanhamento".
Para a ERS ficou provado que foi negado à paciente o direito a que a "sua filha pudesse estar fisicamente presente junto de si, quer durante a noite de dia 13 de janeiro de 2017, quer da parte da manhã do dia seguinte", uma "situação particularmente grave e censurável quando se tratava de uma utente numa situação francamente débil: idosa, com patologia oncológica em estado muito avançado e em risco de vida, conforme se veio a verificar pela morte da utente poucos dias depois".
Em resposta à queixa apresentada posteriormente pela filha, o IPO viria a alegar que o impedimento, durante a manhã, se deveu à necessidade de prestação de cuidados a outro doente, acrescentando que a entrada foi autorizada por "volta das 10h50" - "Como tal não vemos que 1h e 50 minutos seja um atropelo grave às condições de humanização".
A ERS não acha o mesmo, apontando a "particular e surpreendente falta de sensibilidade e cuidado" demonstrada na resposta. "Estranha-se que alguém possa entender que a uma filha que, tendo a mãe em estado muito débil, não faça grande diferença, e já depois de lhe ser negado o direito de acompanhamento, estar mais 1 hora e 50 minutos sem poder fazer companhia à sua mãe", refere a Entidade Reguladora da Saúde, que considera que "se verificou um atropelo não apenas do direito ao acompanhamento", mas também ao "imperativo de humanização e respeito na prestação de cuidados de saúde". "Algo decididamente visível na ameaça do prestador à utente do recurso às forças de segurança caso não acatasse uma decisão, ademais, ilegal", refere a deliberação.
Quanto ao "Regulamento de Visitas e Acompanhantes" em vigor na instituição, datado de 2012, a ERS sublinha a "desatualização" do documento, em "total desrespeito pela legislação atualmente em vigor", que é de 2014. De acordo com a deliberação, o IPO do Porto não tem fundamento legal para impedir o acompanhamento nestas circunstâncias, dado que a lei prevê que "as pessoas [...] com doença incurável em estado avançado e as pessoas em estado final de vida, internadas em estabelecimento de saúde, têm direito ao acompanhamento permanente de ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado e, na ausência ou impedimento destes ou por sua vontade, de pessoa por si designada". E acrescenta que "o acompanhamento familiar permanente é exercido no período do dia ou da noite, com respeito pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados de saúde aplicáveis e pelas demais normas estabelecidas no respetivo regulamento hospitalar".
Nesse sentido, a deliberação da ERS obriga o IPO a rever o regulamento, por forma a que passe a respeitar a lei, e exige que a unidade hospitalar garanta que "são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes", bem como a "adequação dos seus procedimentos às características ou circunstancialismos que façam elevar, especial e acrescidamente, as exigências de qualidade, celeridade, prontidão e humanidade, nomeadamente, em razão da idade (menores e idosos), patologia ou especial vulnerabilidade dos utentes".
O IPO mantém, em comunicado enviado ao DN, que a acompanhante esperou "1h50m, no dia 14 de janeiro de 2017 por necessidade de prestação de cuidados ao outro doente que se encontrava no mesmo quarto", uma resposta semelhante à que já havia sido enviada à Entidade Reguladora da Saúde quando o Instituto Português de Oncologia do Porto foi chamado a explicar o caso. Acrescenta ao DN, que "a doente não estava em morte iminente e faleceu a 17 de janeiro com a presença constante dos familiares."
O Conselho de Administração da instituição, que assina o comunicado, acrescenta ainda que são tratados 10 mil novos doentes por ano e "ocorrem cerca de mil óbitos em internamento com acompanhamento consensual". A prática de humanização existe há 44 anos, diz a unidade hospitalar.
Posterior à data dos acontecimentos é a entrada em vigor de um novo regime de acompanhamento, com o comunicado explica: "De acordo com as indicações da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), a 9 de janeiro de 2019, o IPO-Porto aprovou alterações ao Regulamento de Visitas e Acompanhantes de acordo com a legislação em vigor - Lei nº 15/2014".
[Atualizada às 13.22 com a resposta do IPO Porto.]