Intérprete gestual de Biden é apoiante de Trump com ligações a grupo de extrema-direita
Aquilo que poderia ser visto como uma escolha destinada a reforçar o apelo de Joe Biden à unidade e à inclusão nesta era pós-Trump, nos EUA, acabou por gerar uma maior divisão, depois de terem surgido notícias a identificar uma intérprete de linguagem gestual da Casa Branca como uma apoiante de Trump ligada à interpretação de vídeos recheados de informações falsas para um grupo de extrema-direita.
Heather Mewshaw, que apareceu a traduzir gestualmente a reunião de segunda-feira na Casa Branca sobre a pandemia de covid-19, ao lado da secretária de imprensa Jen Psaki, foi identificada por associações de surdos e deficientes auditivos e pela revista Time, levantando preocupações sobre a veracidade das traduções de Heather em relação às mensagens de membros da administração Biden. Ninguém contestou publicamente a interpretação de Mewshaw, mas muitos questionaram porque é que a nova administração decidiu apostar nesta tradutora com públicas ligações a Trump.
Embora Mewshaw e a Casa Branca ainda não tenham reagido aos pedidos de comentários, vários elementos da comunidade de surdos nos EUA disseram ao The Washington Post, e escreveram nas redes sociais, sentir que a presença de Mewshaw na Casa Branca sinalizava que a administração Biden não valoriza aproriadamente o papel de intérprete gestual. Para os deficientes auditivos, apostar nesta tradutora é equiparável a Biden contratar a ex-secretária de imprensa de Trump, Kayleigh McEnany, como sua própria porta-voz.
Como o inglês falado não pode ser traduzido diretamente para a linguagem gestual, os intérpretes desconstroem palavras e frases para expressar o espírito da mensagem, permitindo que as interpretações sejam influenciadas, intencionalmente ou não, por preconceitos, apontam os especialistas.
"Imaginem o dano que ela poderia causar", tweetou o ator e modelo surdo Nyle DiMarco. "Ela literalmente tem a mensagem nas mãos".
Após ter sido anunciada como intérprete no briefing de Psaki na segunda-feira, Mewshaw foi associada ao Hands of Liberty, um grupo de intérpretes gestuais de extrema-direita anteriormente conhecido como Right Side ASL, e foram recuperadas publicações que sugeriam que Mewshaw liderava o grupo.
Mewshaw aparece em vídeos do Hands of Liberty que transmitem informações falsas e teorias da conspiração, incluindo um discurso do advogado pessoal de Trump, Rudolph W. Giuliani, e outras figuras de direita.
Noutros vídeos, Mewshaw sugere que as eleições presidenciais de 2020 foram uma fraude e, três dias antes de aparecer na Casa Branca, interpretou um comediante pró-Trump, Terrence Williams, em que este diz que Biden nunca será o seu presidente.
O fundador do Hands of Liberty, Michael Thompson, garantiu que Mewshaw não liderava o grupo, e frisou que a tradutora foi honesta na interpretação que fez para Biden. "Agora, democratas e republicanos vão pensar que têm o direito de se livrar dos intérpretes do outro lado só porque são de um partido oposto", sublinhou Thompson.
Entretanto, mais de 3500 pessoas assinaram uma petição para proibir Mewshaw de interpretar para a Casa Branca.
O Registo de Intérpretes para Surdos, que certifica intérpretes, mantém no seu código de conduta profissional que os intérpretes devem "evitar conflitos de interesse que possam causar danos ou interferir na eficácia dos serviços de interpretação".