O que é que está subjacente à criação da Unidade Anti-Tráfico de Pessoas? Sempre investigámos estes crimes mas, em 2013, na Direção Central de Investigação (onde sempre estive), percebeu-se a necessidade de uniformizar procedimentos: centralizar a informação, responder a uma só voz. A ideia era criar esta unidade para uma fase pré-investigação, mas alargou-se esse âmbito, fizemos duas equipas e passámos a fazer investigação. Especializámo-nos na área, nomeadamente os colegas do aeroporto. Há uma primeira linha, que é ver se os cidadãos cumprem os requisitos de entrada, e uma segunda linha para onde são canalizadas as situações suspeitas. Recentemente, o SEF criou uma unidade de terceira linha, que complementa as outras e é quem pega nessas situações de raiz. Temos o email [dcinv.unidadeantitrafigo@sef.pt] e um número de telefone [964244281] a que as pessoas podem recorrer para denunciar..Foi criada já depois do Governo ter anunciado a extinção do SEF? Sim, há ano e meio..Houve conversações com a equipa no sentido de se perceber como serão integrados? Não. Sei tanto como qualquer pessoa que não trabalhe no SEF saberá. Foram celebrados protocolos, deram-se passos, mas coisa diferente é essa integração ser plena e estar concluída. Como é óbvio, para a normal atividade da UATP, toda esta situação não é benéfica..É a única especificamente para investigar o crime de tráfico de seres humanos. Como é que se sente? Está a falar com o Orlando Rodrigues e não com a instituição. Sinto-me completamente defraudado, frustrado, desiludido com altas instâncias deste país, inclusivamente o senhor Presidente da República. Ouvi, como todos os portugueses ouviram, em situações idênticas, a primeira figura do país a dizer: "Atenção, não vamos confundir a árvore com a floresta". O que aconteceu no aeroporto de Lisboa [morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk] não devia ter acontecido e segue os procedimentos judiciais. Em outras outras instituições houve uma série de casos e tiveram o cuidado de não generalizar. Em relação ao SEF, foi dito, se é uma situação sistémica, temos de agir no sentido de acabarmos com isto. É uma opção política, posso ou não concordar com ela. Agora tenho de me sentir indignado face a todo o empenho que ao longo de 30 anos eu e a larga maioria dos colegas pusemos nesta instituição..Pode trazer problemas no combate ao tráfico de seres humanos? Investigar atividades ilícitas não pode ser feito das 9 às 5, é preciso passar tempo, será muito mais agradável se tiver que passar uma noite num carro com alguém com quem me identifico. Era mais cómodo as coisas estarem como estavam. Sem qualquer desprimor para a PJ, mas nesta área do tráfico fazemos no mínimo o que faz a PJ. A unidade é reconhecida nacionalmente pelos parceiros - vertente de acolhimento e proteção das vítimas - e internacionalmente. Obviamente que se em vez de cinco fossemos 15 provavelmente fazíamos mais em termos quantitativos, não qualitativos..Quantos inspetores tem a equipa? Os necessários, mas sempre foram insuficientes em relação ao que seria desejável e não é segredo para ninguém que sempre fomos preteridos em relação a outras vertentes do serviço. Entre dotar a unidade com mais três pessoas para investigar situações de tráfico ou pôr três pessoas no aeroporto para evitar 10 minutos de espera dos passageiros opta-se pela segunda..Tenho esse feedback por parte das equipas, que me dizem estar preocupadas com a extinção do SEF. Têm que estar pelo trabalho que temos desenvolvido. Agora em termos de procedimentos não haverá razão, na PJ haverá pessoas com competência e qualidades humanas. Não é possível trabalhar nestas matérias se não houver sensibilidade para esta vertente no acolhimento e proteção destas pessoas. A vítima tem que ser o foco, mais até que a condenação das pessoas..Como é que preparam a operação? Temos a vertente de fiscalização que é um trabalho de rotina e abrange as diversas áreas. Se for possível conciliar com um maior número de meios, ótimo, e muitas vezes acontece com outras entidades (GNR, PSP, AT). Direcionamos a ação para aqueles suspeitos e se for uma fiscalização de iniciativa nossa temos de ir ao terreno e confrontar..É no aeroporto que são detetados mais vítimas menores. Maioritariamente são sinalizadas em trânsito, o que também complica, pois falta-nos sempre a finalidade. Quando a exploração acontece em território nacional é mais fácil reunir uma série de provas relativamente ao que está a acontecer..O ano passado foram sinalizadas 378 vítimas e apenas confirmadas 8 pelas polícias. Porquê? Imagine que iniciamos uma investigação, dotámo-la de prova suficiente (testemunhal, documental, pericial), o Ministério Público concorda, deduz uma acusação, e chegamos ao julgamento e as pessoas são absolvidas do crime de tráfico. Se não há crime de tráfico, há vítimas?.Independentemente da entidade policial ter identificado a pessoa como vítima? As vítimas foram até ouvidas para memória futura perante uma entidade judicial. Para nós, não há dúvida que as situações estão confirmadas. As pessoas serem absolvidas desse crime, faz sentido? Leva-nos a uma série de conceitos subjetivos, desde logo as próprias vítimas não se considerarem como tal..Quais são os fatores decisivos para essa confirmação? O crime de tráfico tem a ver com duas coisas: vulnerabilidade e consentimento e o resto que conseguimos demonstrar. Está em causa a dignidade humana, alguém que se sujeita a condições que normalmente não se sujeitava. Portugal, hoje, é conhecido pelo Cristiano Ronaldo e o artigo 88 da Lei de Estrangeiros [autorização de residência para trabalhador dependente ]. Sujeita-se àquelas condições para poder fazer uma manifestação de interesse informaticamente, o registo para a conseguir uma legalização. Compram um contrato de trabalho e fazem a manifestação de interesse..Defende uma alteração à lei? Não defendo nada. Reconheço que a questão do artigo 88 leva a aproveitamento das organizações criminosas e ao SEF compete cumprir o que está na lei. Quando há uma grande massa de imigrantes é mais suscetível a prática de atos ilícitos..Teria que haver mais fiscalização Não conseguimos ir a todo o lado. Não sei quantas pessoas afluem ao Alentejo na época sazonal para a apanha da azeitona, por exemplo, mas seguramente muitos. Se a azeitona não for apanhada no período certo a produção é menor. São precisas pessoas e as empresas não querem saber em que condições estão esses trabalhadores..Não têm responsabilidade social? Claro que têm, mas também não sei como o poderão fazer. Fala-se no contributo dos imigrantes para a Segurança Social, mas posso dizer que nas investigações que fazemos as prestações não são pagas. São empresas intermediárias que nascem como cogumelos. Dizem que têm 500 funcionários, mas só aparecem 300 registados e, desses, nenhum dos que identificámos está na Segurança Social. Há empresas que no mesmo dia registam 100 trabalhadores para poderem fazer a manifestação de interesse e, no final do dia, é feita a cessação do contrato.