Inspirada pelo ídolo, Angelique Kerber honrou o legado histórico de Steffi Graf
Deve ser isto aquilo que os alemães chamam de Märchenhaft (conto de fadas): Angelique Kerber nunca tinha ido além dos oitavos-de-final do Open da Austrália nem estivera na final de um torneio do Grand Slam, mas ontem - inspirada pelo exemplo e pelas palavras de Steffi Graf, seu ídolo de infância -, fez história. A tenista germânica derrotou a superfavorita Serena Williams, em Melbourne Park, e conquistou o primeiro grande título, ao fim de 13 anos de carreira.
Desde 1999 - Steffi Graf, em Roland Garros - que uma alemã não conquistava um torneio do Grand Slam. E ontem, mais do que nunca, o nome da lendária ex-jogadora marcou a final da Open da Austrália: porque Angelique Kerber recebeu uma mensagem moralizadora da mulher que sempre idolatrou... e acabou a impedir Serena Williams de igualar o recorde de 22 títulos da compatriota.
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Kerber nunca escondeu a admiração por Graf, própria de quem se apaixonou pelo ténis aos 3 anos e cresceu a ver a compatriota a dominar a modalidade, nos anos 1980 e 1990. Quando lhe perguntaram, após as meias-finais do Open da Austrália (em que derrotou a inglesa Johanna Konta), se ia pedir conselhos a Steffi para a estreia numa grande final, Angelique riu-se e disse: "Steffi, escreve-me, por favor." A resposta não tardou. "Ela deu-me os parabéns, disse que estava feliz por mim e desejou-me boa sorte para a final", revelou a germânica, de 28 anos, antes do grande jogo.
Ali, na final do primeiro Grand Slam do ano, Angelique Kerber - 7.ª cabeça de série - podia ajudar a perpetuar o nome de Graf como a tenista mais titulada de sempre. Serena Williams, n.º 1 do ranking mundial, persegue desde o ano passado o 22.º título do Grand Slam da carreira e parecia em ótimas condições para o conseguir, depois ter deixado pelo caminho as principais rivais (como Agnieszka Radwanska e Maria Sharapova, 4.ª e 5.ª cabeças de série) e de Simona Halep, Gabriela Muguruza e Petra Kvitova (2.ª, 3.ª e 6.ª) terem caído nas rondas iniciais. No entanto, o inesperado aconteceu.
A alemã bateu a norte-americana pelos parciais de 6-4, 3-6 e 6-4 ao fim de duas horas e oito minutos de jogo. O que parecia um passeio para Serena - que deixou a rival a zero no jogo inaugural do primeiro set - cedo se transformou num pesadelo para a mais nova das irmãs Williams (34 anos), que sofreu um break no segundo serviço e outro no quarto (quando conseguira voltar a empatar a contenda).
A n.º 1 mundial ainda confirmou o favoritismo no segundo parcial. Porém, no set decisivo, Kerber mostrou-se insuperável: conseguiu um break logo no segundo jogo, deixando a adversária a zero - até Williams aplaudiu - e rapidamente chegou à vantagem de 5-2. Aí, por momentos, a germânica acusou a pressão, permitindo o 5-4. Porém, reagiu logo e fechou a partida no serviço da norte-americana... após Serena (com 40-30) ter ficado a um ponto de igualar o marcador.
O sonho de uma alemã arrepiada
Angelique Kerber acabou a festejar a vitória no chão, em lágrimas, após um volley de Serena voar para lá da linha. E não escondeu a emoção. "O meu sonho tornou-se realidade esta noite. Trabalhei arduamente toda a vida: agora estou aqui e posso dizer que sou campeã de um Grand Slam. Parece uma loucura", afirmou no final após ter sido felicitada por Serena Williams. "Ela foi a melhor jogadora do torneio. Sinceramente, espero que aproveite este momento, porque o merece", afirmou a estado-unidense, que nunca tinha perdido o terceiro set de uma final no Grand Slam (e leva 21 triunfos em 26 jogos decisivos).
Em Melbourne, Angelique Kerber (que conquistou o oitavo título WTA da carreira) viveu um conto de fadas, depois de ter estado "com um pé no avião de regresso à Alemanha". Na estreia do Open da Austrália, a alemã teve de evitar um match point da japonesa Misaki Doi para vencer pelos renhidos parciais de 6-7 (4-7), 7-6 (8-6)e 6-3. "Estas foram as melhores duas semanas da minha vida", garantiu, "arrepiada" com as emoções vividas na final.
Tamanho triunfo - conquistado por uma tenista que parecia longe dos melhores momentos (não era semifinalista de torneios do Grand Slam desde 2012, quando chegou a ser 5.ª da tabela ATP...) - emocionou amigos, familiares e adeptos alemães , que deixaram Angelique Kerber "com o telemóvel prestes a explodir". "Com esta vitória, não só tornou realidade um grande sonho pessoal como também o de milhões de alemães, ao ver uma compatriota ganhar um torneio do Grand Slam 17 anos depois de Steffi Graf", frisou a chanceler Angela Merkel na mensagem enviada à tenista.
De resto, com a vitória, Angelique Kerber, n.º 7 mundial até ao início do torneio, vai subir ao 2.º lugar do ranking WTA, melhor posição de um tenista alemão deste a retirada de Steffi Graf. Mas agora a tenista de Bremen já se pode gabar, como dizia ontem: "Sim, acho que hoje ajudei a Steffi."