Insensibilidade e pouco senso

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"É óbvio que se aplica. É uma questão de bom senso." Assim resumiu Marcelo Rebelo de Sousa a sua opinião relativamente à necessidade de o inquérito que pretende acabar com o circo a que temos assistido na nomeação de governantes se aplicar a quem já está sentado no governo.

Curiosamente - mas não inesperadamente, tendo em conta o contexto dos últimos quase oito anos -, António Costa não concorda. Acredita o primeiro-ministro que não há necessidade de submeter a sua corte decisória a tamanho escrutínio. Se já lá estão, para quê armar confusão?

Mas Marcelo não é um cidadão comum, é Presidente da República, e a sua opinião é bem mais do que uma opinião. A insistência neste ponto é uma questão institucional - que Costa parece não entender ou não querer acatar. O que desperta logo uma questão na mente dos mais inclinados para teorias da conspiração: o que é que o primeiro-ministro tem a esconder?

Num momento em que os portugueses perderam muito do já baixo grau de confiança nos representantes, assistimos a uma quantidade de casos e casinhos que têm extraordinária relevância política - Costa pode dizer e repetir que nada disto conta, mas ter governantes acusados na justiça ou que desrespeitam os princípios básicos da ética, no mínimo desacredita os atores e as instituições. Uma dúzia de governantes saíram com estrondo em dez meses de maioria absoluta. Não há como negar ou estranhar que dúvidas assaltem mesmo as almas mais confiantes.

Porque é que o primeiro-ministro evita esclarecer cabalmente a capacidade daqueles que se mantêm no governo? Porque é que António Costa não quer mostrar a todos os portugueses que aqueles que escolheu para o seu executivo estão para lá de qualquer suspeita?

Com toda uma carreira feita no palco político, custa a crer que o primeiro-ministro tenha esquecido a importância de ter um percurso capaz de passar em qualquer teste, sobretudo quando se está em funções públicas. Talvez tenha perdido algures a noção de que governar não é mandar, é servir, num mandato de confiança. É disto que o PR vem recordá-lo. E o próprio António Costa, em vez de insistir naquilo que parece ser uma tentativa de esconder manchas e sombras, devia ser o primeiro a mostrar-se disponível e entusiasmado pela oportunidade de mostrar que aqueles que nos governam estão acima de qualquer suspeita, que os recentes episódios foram tristes exceções, não a regra.

Insistir publicamente em isentar o seu executivo do teste do algodão - por muito pouco transparente ou capaz de dar grandes certezas que seja esse questionário e a sua imediata destruição - deixa logo um desconforto premonitório. Mesmo naqueles que são capazes dos maiores atos de fé. É de facto uma questão de bom senso.

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