Ingmar Bergman revisto num documentário intimista
Apresentado na secção de Clássicos do Festival de Cannes, há poucas semanas distinguido como melhor documentário de 2018 nos Prémios do Cinema Europeu, Bergman - Um Ano, uma Vida é mais um objeto precioso a acrescentar às produções que assinalaram o centenário do nascimento de Ingmar Bergman (1918-2007).
Apetece dizer que estamos perante uma clássica abordagem biográfica. De facto, não será exagero considerar que o espectador menos conhecedor da obra imensa do mestre sueco poderá encontrar aqui muitas e sugestivas pistas para percorrer uma paisagem criativa de fascinantes contrastes - desde a sensualidade primordial de Mónica e o Desejo (1953) até experiências ligadas à televisão como Cenas da Vida Conjugal (1973) ou Fanny e Alexandre (1982), sem esquecer o experimentalismo radical de obras-primas como Persona (1966).
Em qualquer caso, importa sublinhar a peculiar estratégia narrativa da realização de Jane Magnusson. Assim, o título poderá parecer um enigma mais ou menos esotérico, mas não poderia ser mais objetivo: trata-se de percorrer uma vida tomando como ponto de partida - e, por assim dizer, motor simbólico - um ano específico da existência de Bergman. Dito de outro modo: este é o retrato íntimo de um dos mais geniais criadores da história do cinema, elaborado a partir do ano de 1957.
Porquê 1957? Porque ao longo dos seus acelerados doze meses, aconteceu um pouco de tudo a Bergman, incluindo um agitado processo de divórcio e nada mais nada menos que quatro encenações teatrais. Nesse ano surgiram dois dos seus títulos mais emblemáticos: O Sétimo Selo e Morangos Silvestres - o primeiro condensando inquietações e temas religiosos que tinham povoado a primeira parte da sua filmografia; o segundo expondo o envelhecimento como fator revelador da fragilidade humana, para mais tendo como ator principal o realizador Victor Sjöström (1879-1960), um dos mestres do próprio Bergman.
Para além da qualidade das imagens reproduzidas no documentário, há nele uma notável agilidade de montagem, levando-nos a conhecer as linhas de força do universo "bergmaniano" a partir das convulsões pessoais e profissionais do ano de 1957. Estamos, enfim, perante um exemplo modelar de investigação e exposição. E também, por isso mesmo, um exercício de genuína cinefilia.