Inglaterra lança alerta sobre "super bactéria" sexualmente transmissível

<em>Mycoplasma genitalium</em> está presente em infeções sexuais como a clamídia ou gonorreia. Médicos portugueses garantem que o alerta serve para prevenir a proliferação do micro-organismo.
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No dia em que a Associação Britânica para a Saúde Sexual e VIH realiza o Dia da Educação para a infeção por Mycoplasma genitalium, bactéria que está presente em várias doenças sexualmente transmissíveis, a BBC adianta que esta pode transformar-se numa nova "superbactéria" se não for identificada e contida. Sobretudo porque atinge homens e mulheres e propaga-se através das relações sexuais desprotegidas.

Mas o que é o Mycoplasma genitalium? É uma pequena bactéria parasita que vive nas células epiteliais e ciliadas dos tratos genital e respiratório. Agora sabe-se que é transmitida através de relações sexuais não protegidas.

Alexandre Valentim Lourenço, do departamento de Ginecologia Cirúrgica do Hospital de Santa Maria, de Lisboa, garante que não existem razões para alarme. Pelo menos em Portugal.

"Não há muitos casos identificados em Portugal. Não é muito frequente por cá. É mais identificada nos países do Leste da Europa. É como se houvesse países que têm uma predisposição genética para certas infeções. Digamos que nós, no Mediterrâneo, estamos semi-vacinados", afirma.

Como esta é uma bactéria sexualmente transmissível e se por cá ainda não é muito comum, só vai entrar no nosso país se houver muito "sexo sem proteção" entre portugueses e habitantes dos países do Leste. "O uso de preservativo é a questão fundamental na prevenção das Infeções Sexualmente Transmitidas (IST)", defende Fernando Cirurgião, diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

O médico adianta que "há vários tipos de Mycoplasma" e que o facto de esta bactéria "ser da mesma classe da clamídia e da gonorreia" torna-a mais difícil de ser identificada. "Nunca demos muita importância a esta bactéria, porque temos uma série de outras muito bem documentadas. A dúvida agora é se esta bactéria está presente nessas infeções."

Ingleses são "um pouco alarmistas"

"Os ingleses são bons a fazer diagnósticos e um pouco alarmistas. Não tenho dados concretos, mas acredito que tenham encontrado um exame diagnóstico para o Mycoplasma genitalium e que agora o estejam a identificar em casos onde antes não a viam. Resta perceber se esta é mais uma bactéria na flora vaginal ou se é a bactéria responsável pela infeção, mas não há dados que permitam falar numa possível epidemia", explica o ginecologista cirúrgico do Hospital Santa Maria, que vê este alarme como uma possibilidade para "investigar com calma" e combater "a possível epidemia" de que a BBC fala, "como antes aconteceu com a Gripe A ou com o Ébola."

À BBC, Paddy Horner, que escreveu as diretrizes de uma nova abordagem à bactéria, disse: "Estas novas diretrizes foram desenvolvidas porque não podemos continuar com a abordagem que temos seguido nos últimos 15 anos, pois isso sem dúvida levará a uma calamidade de saúde pública com o surgimento do Mycoplasma genitalium como uma superbactéria. As nossas diretrizes recomendam que os pacientes com sintomas sejam diagnosticados corretamente através de um teste preciso, tratados corretamente e seguidos para garantir o sucesso do tratamento. Estamos a pedir ao governo que disponibilize financiamento a fim de evitar que a infeção por Mycoplasma genitalium saia de controlo."

"É preciso pedir um meio específico de diagnóstico, um subdiagnóstico, pedir meios culturais específicos para serem analisados em laboratório. A citologia não deteta a clamídia, por exemplo. Tem de ser feita uma colheita de secreção vaginal ou retal", confirma Fernando Cirurgião ao DN.

"Superbactéria" ou não, o Mycoplasma genitalium quando diagnosticado é facilmente tratado através do recurso a antibióticos. Se não for combatido, pode levar à infertilidade dos doentes. "A bactéria pode migrar de forma ascendente e atingir o colo do útero, o útero, as trompas e a pélvis, nas mulheres. Nos homens, os testículos e a próstata. Em casos extremos, pode causar infertilidade", continua o médico.

Os sintomas da MG

Os sintomas são quase inexistentes, mas podem manifestar-se uma semana após da transmissão. Ardor ou dor ao urinar, corrimento uretral ou vaginal, prurido, dor ou inchaço nas articulações e, nas mulheres, sangramento depois das relações sexuais são alguns dos sinais de alerta.

Nos homens, a infeção causa normalmente a inflamação da uretra, canal pelo qual passa a urina e quando não tratada, provoca inflamação nos testículos e na próstata. Nas mulheres esta infeção é responsável pela inflamação do útero e do colo do útero, elevando o risco de complicações como parto prematuro e infertilidade.

Para além disso, se o Mycoplasma genitalium não for tratado as mulheres infetadas sofrem o risco de desenvolver cervicite, uretrite, gravidez ectópica e doença inflamatória pélvica. Nos homens, a infeção poderá provocar epididimite e prostatite.

O diagnóstico não é fácil, mas "é importante lembrar que existem subdiagnostico, que os pacientes devem sempre pedir testes específicos e nunca devem descurar sintomas atípicos no seu corpo", defende Fernando Cirurgião.

Instituto Ricardo Jorge testa bactéria

O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, através do Departamento de Doenças Infecciosas, promoveu um estudo de prevalência em Portugal continental deste e de outros três micro-organismos responsáveis por infeções sexualmente transmissíveis (IST). O estudo foi dirigido a jovens, com idade entre os 18 e os 24 anos, por ser a população em maior risco de desenvolvimento de complicações clínicas graves, como a infertilidade.

Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma genitalum e Trichomonas vaginalis foram os alvo do estudo coordenado pelo Laboratório Nacional de Referência das Infeções Sexualmente Transmissíveis com o apoio do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, Biomérieux e Genomica.

O conhecimento da frequência destas quatro IST em Portugal pode ser essencial na implementação de ações de prevenção, uma vez que esta bactéria é relativamente nova no contexto sexual - a bactéria já era conhecida desde os anos 1980, pela sigla MG.

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