Inflação?

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Questionam-me com frequência se as cadeias de abastecimento podem ter impacto decisivo sobre a inflação. Têm? Claro que sim.

Excluindo as causas de impressão de papel e de estímulos à economia, assim como os efeitos mais psicológicos de aumento de preços através de movimentos me too, a verdade é que causas mais que certas para a inflação podem ser criadas artificialmente, através de condições conjunturais e em determinados momentos. Um estrangulamento na produção de crude afeta os mercados em termos energéticos e aumenta o preço do barril. A elevação de cargas fiscais que tornem impraticável a manutenção de preços pelas empresas, acabam por ter a mesma influência. E há uma série de outros que neste escrito não cabem por razões de espaço.

Uma coisa é certa, um imbalance entre oferta e procura é certinho que provoca efeitos inflacionistas. Se a procura for maior que a oferta - e se se mantiver - os preços tendem a subir. E o que se tem passado com as cadeias de abastecimento, não por condições artificiais, mas por condições reais, ilustra bem esta falta de balanceamento.

Primeiro e durante o processo pandémico vários navios, empresas maiores ou menores, à escala global, deixaram de operar. Os navios, muitos deles com grandes graus de obsolescência, não voltaram às condições de utilização normal nem tão pouco as empresas que os operavam voltaram a querer assumir custos de manutenção. Há uma falta notória de capacidade instalada no transporte marítimo.

A par com este fenómeno, e em segundo lugar, há falta de contentorização. Contentores que chegaram ao final da sua viagem vazios não voltaram a ser introduzidos no circuito, por um lado, dado que fretes para zonas sem cargas asseguradas para os dois sentidos são demasiado penalizadores para a viagem e os operadores são muito transacionais. Neste momento, a consequência prática é que há uma falta efetiva de contentores.

Os custos energéticos, terceiro fator, impactam igualmente a fatura do frete e os custos de posse nas pontas. Ao que se deve adicionar ausência de motoristas para fazerem essas pontas (destinos), em determinados mercados como o do Reino Unido. Ou a ausência de trabalho portuário (destinos). As filas de espera verificadas nos portos americanos são, de resto, uma mostra do que é possível correr mal. Navios em espera são menos capacidade instalada em transporte. Um navio não nasce para estar fundeado, mas, antes, para estar em deslocação.

Se a isto juntarmos as paragens fabris na fábrica do mundo, a China, os atrasos portuários ou as suas paragens, em termos de origem, temos o quarto fator e uma tempestade perfeita em termos de disrupção de cadeias. As condições de alarme pandémico têm sido particularmente desestabilizadoras para a economia chinesa e o pânico, ao que se sabe, tem levado a demasiados lockdowns.

Isto dito e aqui chegados, e considerando que continua a existir procura, as questões de pressão estão do lado da procura sobre a oferta. Oferta essa que está desestruturada e quebrada. Procura alta e baixa oferta conduz a inflação. Inexorável.

Pergunta óbvia a que muitos se têm escusado de responder: Isto irá manter-se? E sem qualquer resposta do tipo "depende". 1) O tempo de normalização é longo na medida em que temos de contar com a estabilização (a existir) de inúmeros fatores: navios e capacidade instalada (que demoram a repor), contentores, fontes de produção, entregas e recolhas e distribuição nas pontas são factos, não são "depende"; 2) Se a procura se mantiver e antecipando condições demoradas para a reposição da oferta, mais ainda com esta nova frente de guerra Rússia-Ucrânia, a inflação é uma realidade não conjuntural. Não "depende". Desculpem, veio para ficar.

PS. Uma palavra de apreço para a Ucrânia e a minha solidariedade para com um povo que está a ser martirizado por um homem com tiques imperialistas. Infelizmente.

José Crespo de Carvalho é presidente do Iscte Executive Education

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