Inês Sousa Real. Vegana, feminista e 'workaholic', eis a nova líder do PAN
O congresso do PAN consagrou neste domingo a nova líder do partido, Inês Sousa Real, que sucede a André Silva, o dirigente que levou esta formação para o parlamento, em 2015, então apenas como deputado único.
É o fim de uma era e o início de outra - mas na verdade apenas uma renovação na continuidade. André Silva levou o PAN para o parlamento em 2015 e quatro anos depois o partido passou de um para quatro deputados eleitos. Inês Sousa Real foi uma das caras novas desse crescimento eleitoral.
Coube-lhe então assumir a difícil função de líder parlamentar e, nesse papel, enfrentou a dissidência de Cristina Rodrigues, a deputada do PAN eleita por Setúbal que, em choque com o resto da bancada, passou a deputada não-inscrita.
Domingo, no dia em que celebrou 41 anos, Inês Sousa Real assumiu a liderança do partido. Na verdade, internamente, a designação do cargo é outra: "porta-voz" da Comissão Política. Apesar de ter tido uma queda grave há dias, que lhe provocou lesões em vértebras dorsais, a deputada foi ao Hotel dos Templários, em Tomar, participar nos trabalhos do VIII Congresso do PAN, pronunciando o discurso de encerramento.
Cumprindo as exigências internas, Inês Sousa Real é vegana e há muito que se destaca nas funções que tem ocupado por ser absolutamente workaholic e de grande resistência.
Feminista empenhada, disse ao Expresso que tem em Maria de Lourdes Pintasilgo uma referência de vida, e também em Jane Goodall, a antropóloga britânica que se destacou na luta pela proteção dos chimpanzés em África. Quem a conhece diz que, na política, prefere sempre a via do diálogo, sendo pouco dada a confrontos frontais. Os dois anos que já leva como líder parlamentar do PAN deram-lhe o treino para as novas funções que vai ocupar - e serviram de tirocínio. Terá de enfrentar resistências internas antigas - mas permanentes - que criticam na direção do partido alguma complacência excessiva com o PS (o PAN fez com o PCP e o PEV parte do grupo de partidos que viabilizou ao lado dos socialistas o Orçamento do Estado que está em vigor).
Também tem resistido aos apelos internos que pedem ao grupo parlamentar que se concentre na agenda animalista e ecologista, desvalorizando outras de política mais geral em que o partido tende a ficar demasiado parecido com todos os outros.
Inês Sousa Real chegou ao parlamento em 2019 com a experiência de ser deputada municipal em Lisboa (a única do PAN). Nas autárquicas de 2017 foi também a candidata do partido a presidente da câmara da capital.
Entre 2013 e 2017 foi provedora municipal dos Animais de Lisboa. Renunciou ao cargo, em abril, alegando não ter condições para o continuar a desempenhar. Numa nota às redações, Inês Sousa Real explicou-se: "Pedi, logo que iniciei funções, que fosse afeto um jurista ao gabinete do provedor. Isso nunca aconteceu."
Segundo explicou, o trabalho do provedor dos Animais de Lisboa foi aumentando continuamente e concluiu-se que "não era exequível ter um provedor com estas funções sem ser a tempo inteiro e sem ser remunerado". Por isso, havia uma "lentidão latente na tomada de decisão". Apesar de tudo, Inês Sousa Real salientou a experiência como "gratificante". Foi nesse tempo que aprendeu a trabalhar com António Costa (então presidente da Câmara de Lisboa) e com Duarte Cordeiro (então vice-presidente da câmara e hoje secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares).
O amor aos animais é uma coisa de infância que depois conduziria toda a sua vida. Licenciou-se em Direito, percurso complementado com um mestrado em Direito Animal e Sociedade pela Universidade Autónoma de Barcelona, concluído em 2017. Foi como jurista que começou a trabalhar com o PAN, em 2010, quando o partido estava em processo de oficialização.
A causa da defesa dos direitos dos animais levou-a a ser cofundadora em 2013 da Jus Animalium - Associação de Direito Animal. Orgulha-se de ter no seu currículo a aprovação no parlamento do Estatuto Jurídico dos Animais. Nos últimos dias tem também reclamado para o seu partido o mérito de ter conseguido que a RTP deixasse de transmitir touradas - uma causa de sempre do PAN.
No discurso que fechou o VIII congresso, o primeiro como líder do PAN, Inês Sousa Real já deixou marcada a diferença com o seu antecessor, afirmando que o partido se apresentará às próximas eleições legislativas "obviamente, para ser governo". Uma ambição que contrasta com os avisos deixados na última semana por André Silva, que defendeu que o partido corre o risco de assinar a sua certidão de óbito se aceitar integrar um executivo numa posição de fragilidade.
"Uma coisa é um partido ter 25, 30% dos votos e fazer uma coligação governamental, outra coisa é um partido que tenha três ou quatro deputados, que por um ou dois faz uma maioria e com isso ocupa lugares governamentais. Penso que isso pode ser pago de forma muito severa, como aconteceu com o CDS", afirmou o líder cessante ao DN, nas vésperas do congresso que decorreu este fim de semana em Tomar.
Inês Sousa Real não especificou em que condições admite ir para o governo. Para já, no imediato, identificou dois momentos fundamentais para o PAN - as eleições autárquicas que vão ter lugar este ano e o Orçamento do Estado (OE) para 2022. E deixou uma "mensagem clara" ao governode António Costa: "Queremos mais. Exigimos mais".
O caderno de encargos fica, desde já traçado. O PAN quer um OE "ambientalista, animalista e promotor da igualdade de direitos e oportunidades". E isso passa por "proteger os oceanos, as florestas, os animais, reduzir o número de pessoas em risco e em situação de pobreza, o número de pessoas sem acesso à saúde e ao trabalho, reaproximar o ordenado mínimo da média europeia e trabalhar para um melhor nivelamento do salário médio". Sobretudo, diz Inês Sousa Real, o próximo Orçamento do Estado "tem de colocar a tónica no desafio das nossas vidas: o combate contra a emergência climática".
Garantindo que o PAN "veio para ficar", a nova líder diz que o partido sai deste congresso "não só como o partido ambientalista, animalista, e socialmente responsável e justo que já era, mas como um partido assumidamente ecocêntrico". "Contrariamente às demais forças políticas, não orientamos a nossa atuação a partir do nosso ego nem das nossas ambições pessoais", disse a nova porta-voz, deixando farpas à esquerda - que "para além de apregoar ao vento preocupações ambientais, continua a viabilizar projetos como o aeroporto do Montijo". E igualmente à direita, que "defende uma economia voraz que destrói o mundo rural e natural". De resto, esta não é mais que uma dicotomia "ultrapassada e redutora".
A nova líder do PAN destacou ainda que é apenas a "quinta mulher em 47 anos de democracia" a assumir a liderança de um partido, assegurando que a desigualdade de género será uma das lutas do PAN.
Eleição. A lista à Comissão Política Nacional (CPN) encabeçada por Inês Sousa Real obteve 109 votos a favor, 14 brancos e dois nulos. O primeiro subscritor da lista é o porta-voz do partido. Dos 27 membros eleitos, 16 dirigentes são reconduzidos e 11 estreiam-se na CPN.
Juventude. O PAN aprovou neste congresso a criação de uma estrutura partidária para a Juventude.
Limitação. Congressistas aprovaram também a limitação de mandatos do porta-voz, que fica restrita a três (seis anos, dado que os mandatos são de dois anos).
Estatutos. Depois de um ano em que perdeu o lugar em Bruxelas e um assento no Parlamento (os dois eleitos saíram do partido), os congressistas aprovaram uma norma que prevê a suspensão preventiva de militantes quando esteja em causa a "unidade" ou "bom nome" do partido.
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