Independência e rigor 

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Quando fomos despedir-nos de Teodora Cardoso, recordei com Nazaré Costa Cabral as lições fundamentais que continuamos a aprender com a sua experiência e os seus ensinamentos. Com uma extraordinária serenidade, mas uma poderosa determinação, mais do que uma muito competente economista, foi uma estudiosa incansável, procurando compreender da melhor maneira a complexa realidade que nos cerca. Nunca se limitava à realização de projeções lineares ou à simplificação dos fatores conjunturais. A compreensão da complexidade foi sempre a sua regra fundamental. A ciência económica não poderia ser equiparada nem a uma ciência exata, nem a um exercício conjetural, devendo tratar da sociedade e das pessoas concretas. É-me difícil dizer quanto lhe devo em conhecimento e bons conselhos. Tudo. Lembro no Parlamento a criação da UTAO, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que iniciou o seu funcionamento em novembro de 2006, como unidade permanente de acompanhamento regular da execução orçamental e monitorização periódica da dívida pública, especificando as variáveis a considerar nas Finanças Públicas. Foi de Teodora Cardoso a ideia original, que tive o gosto de defender e subscrever, depois de longas conversas, com resultados muito positivos.

"Os governos precisam de conhecer o funcionamento da economia (afirmou) e o modo como as decisões políticas o influenciam e de ser capazes de, nessa base, comunicar melhor ao eleitorado os efeitos que esperam das medidas que adotam. Indicadores agregados, como aqueles sobre que incidem as regras, devem ser avaliados com base nesse conhecimento, não como metas únicas, genéricas e abstratas, a atingir". Assim, as decisões com consequências financeiras devem obedecer à transparência e à avaliação permanente. "A lógica de contrato com o eleitorado exige ainda que os documentos que lhe dão corpo e que controlam a sua execução sejam abrangentes e inteligíveis, integralmente coordenados entre si e proporcionando a informação necessária ao reconhecimento de desvios, das suas causas e das medidas tomadas para os corrigir." Daí a necessidade da simplificação da documentação, que exige o processamento e apresentação dos dados de acordo com critérios contabilísticos uniformes e segundo classificações que facilitem a sua compreensão, em lugar da enumeração extensiva de rubricas que oculta o real sentido das medidas. Também a criação do Conselho de Finanças Públicas teve um contributo decisivo de Teodora Cardoso, em diálogo com o então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. E, desde o início, considerei no Tribunal de Contas não haver sobreposição de tarefas, mas sim uma sã e necessária complementaridade.

Procura-se, assim, de modo independente, evitar a tendência frequente para cada Governo "reiniciar o sistema", antes de completar e amadurecer as reformas (como salientava já o cronista Diogo do Couto), com uso de dispendiosas técnicas, em lugar de eliminar os bloqueamentos. Por outro lado, importa contrariar a compartimentação em silos, em lugar da coordenação de tarefas, falha agravada pelos defeitos do processo orçamental; do mesmo modo que a opção por nomeações de confiança política origina instabilidade e desresponsabilização no trabalho técnico, agravada pela ausência de mecanismos de avaliação de desempenho dos serviços. As reformas exigem informação adequada e quer a UTAO quer o Conselho de Finanças Públicas são preciosos auxiliares nesse sentido - em ligação constitucional com o Tribunal de Contas. As alterações legislativas são essenciais através de um contrato social eficaz e consensos duráveis capazes de conquistar a confiança do eleitorado e de mobilizar a participação dos cidadãos. É a qualidade da democracia que está em causa. A defesa da independência, da transparência e da comunicação, da confiança, da informação completa e de uma avaliação rigorosa foram sempre preocupação essencial de quem sabia que mais do que palavras precisamos de atos.

Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

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