Os grandes incêndios que estão a devastar a Amazónia têm agitado governos e opinião pública, mas há outros a acontecer na Sibéria e no Alasca que são igualmente preocupantes, alertam especialistas..Se na Amazónia os fogos se devem à mão do homem, na Sibéria e no Alasca são essencialmente de origem natural e ligados às alterações climáticas. Porque nas latitudes mais elevadas as alterações climáticas são muito mais graves, com aumentos da temperatura que podem chegar aos três graus celsius, diz o climatologista Ricardo Trigo, professor do Instituto D. Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa..É por isso que também Filipe Duarte Santos, professor e especialista em alterações climáticas, diz que são graves os incêndios na Amazónia, mas também o são os incêndios do Ártico, que vão igualmente acelerar as alterações do clima..Com a subida da temperatura, explica o professor, há agora mais trovoadas no Ártico e há mais raios que provocam incêndios, muitas vezes em regiões de difícil acesso, que dificultam ou impedem o combate.."O Ártico tem estado com temperaturas nunca vistas e ventos muito fortes. Tem a ver com as alterações climáticas", disse à Lusa o também climatologista e professor do Instituto D. Luiz Carlos da Câmara, acrescentando que os fogos em altas latitudes sempre existiram, mas não com a intensidade, a duração e a quantidade de hoje, o que faz com que as sociedades não estejam preparadas para os combater..Todos são perigosos, sejam na Sibéria, no Alasca ou na Amazónia, a opinião é partilhada por Carlos da Câmara e por José Miguel Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, especialista em florestas..Lembrando também que nas altas latitudes o aumento das temperaturas tem sido superior, José Miguel Cardoso Pereira explica que em regiões onde o solo permanece gelado a maior parte do ano ('permafrost') a matéria orgânica decompõe-se muito lentamente. "Há solos com vários metros de espessura de matéria orgânica que são responsáveis por reservas monumentais de carbono", salienta..É certo, adianta, que os incêndios nestas regiões acontecem há décadas, só não eram tão conhecidos. "Já nos anos 80 foi catastrófico no extremo oriente siberiano" e no tempo da URSS não se sabia a extensão dos incêndios nas florestas boreais russas porque as autoridades falseavam os dados. É por isso que o responsável diz ter a sensação de que "já foi pior"..Ricardo Trigo não diz se já foi ou não pior. Mas fala de um gás com efeito de estufa mais acentuado que o mais divulgado dióxido de carbono, o metano. O primeiro é gerado especialmente pelo uso de combustíveis fósseis e o segundo pela decomposição da matéria orgânica. Em termos de efeito de estufa, uma unidade de metano equivale a 20 de dióxido de carbono..Com o aumento das temperaturas o 'permafrost' do Ártico descongela e a espessa camada orgânica que se decompõe vai produzir metano. E depois, diz Ricardo Trigo, desaparecendo o gelo que era um refletor da luz do sol o solo húmido absorve muito mais calor e aumentam as temperaturas e aumenta o degelo, num ciclo sem fim.."O decréscimo do gelo flutuante no Ártico é espetacular. Temos metade do gelo que tínhamos há 40 anos no fim do verão e o que há é menos espesso. Nas próximas décadas o gelo deverá desaparecer no verão", avisa..Em resumo, diz, quer os incêndios da Amazónia, quer os do Ártico são problemas "graves e preocupantes", ainda que distintos, desde logo porque os segundos têm "ligações fortíssimas às alterações climáticas"..E o pior é que, como diz Carlos da Câmara, se acabassem agora mesmo todos os incêndios e todas as emissões de gases com efeito de estufa por parte da humanidade, o clima iria demorar dezenas de anos a voltar ao que era antes da era industrial.