No meio de campos de vinhas da região Oeste há uma vivenda onde 20 jovens engenheiros e técnicos trabalham dia e noite para construir 12 drones prometidos para prevenir incêndios. Estão a contrarrelógio, o prazo é apertado - o contrato assinado com a Força Aérea a 3 de julho dá-lhes até 2 de agosto para entregar todas as aeronaves..A casa é atualmente a sede da UAVision, uma pequena empresa que bateu os grandes da indústria aeronáutica num concurso, sob enorme contestação e alegações de favorecimento. .Nuno Simões, o diretor, com 42 anos, sorri quando lhe falamos em David e Golias. Sabe o que está em jogo, mas afasta a pressão da sua equipa empenhada em mostrar a capacidade destes drones totalmente made in Portugal, com câmaras a 360 graus e que voam de dia e de noite.."Estou consciente da responsabilidade que temos. É como a síndrome dos treinadores de futebol: pode-se passar de bestial a besta num ápice. Mas estamos todos focados. A UAVision não é nenhuma novata, tem experiência em vários países e uma colaboração regular com a Força Aérea e a Marinha. Respondemos às necessidades específicas de cada um, damos atenção a todos os pormenores que nos pedem e melhoramos a cada etapa", afirma ao DN, num gabinete improvisado do quartel-general..Um dos resultados mais imediatos desta postura foi o nascimento do Ogassa - é este o nome do drone que bateu os concorrentes "Golias", que resultou de um projeto com a Marinha. "Era preciso uma aeronave que levantasse e aterrasse na vertical nas fragatas e pusemos mãos à obra", recorda Marco Simões, engenheiro de eletrónica, que nos faz uma visita guiada às instalações. Esta capacidade que nenhuma outra empresa possuía foi fulcral no concurso..É como um lego, juntam-se as peças.Quem entra naquela vivenda dá com um cenário difícil de imaginar, se pensarmos na dimensão do desafio que está em causa. O edifício tem um piso térreo, uma espécie de cave e um andar em mezanino. A "fábrica" distribui-se por várias divisões, de acordo com as funções de cada um, da microeletrónica às comunicações, a estrutura física do drone, as antenas. "É como um lego, vamos juntando todas as peças e está pronto", assinala Marco..À entrada, numa zona ampla que devia ter sido uma garagem, estão alguns jovens, 20/30 anos, de calções pelo joelho, ténis e t-shirt, quase todos com barba de uma semana. A maioria deles são formados no Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa em cursos com as médias de acesso mais elevadas, como a Engenharia Aerospacial..No chão estão espalhados alguns dos drones em fase de finalização - até ao final da semana têm de entregar mais quatro -, uns completos, outros ainda à espera das últimas afinações..É aqui que está Pedro Precioso, 26 anos, um campeão nacional de aeromodelismo que se juntou à UAVision no ano passado. É o piloto de serviço, é quem tem a pesada missão de levantar e aterrar os Ogassa. Esteve no primeiro teste, no ano passado, na Lousã, quando as qualidades de agilidade , autonomia, câmaras e comunicações do drone começaram a ficar na mira..Mostra o comando, que parece de brincar como o de uma PlayStation, que usa para fazer subir nos céus o drone. "Tem de se ter muita sensibilidade. É como uma aeronave normal, reservar espaço aéreo, comunicar à torre, calcular trajetos. Só não tem lá dentro pilotos", afiança..Numa pequena sala lateral , Manuel Bastos, 29 anos, engenheiro mecânico, mostra-nos o novo "brinquedo" montado especificamente para os novos drones. É a gimbal do aparelho, que serve de estabilizador para a recolha de imagens com qualidade, e tem a forma de um capacete. .Contém câmaras de filmar potentíssimas, num sistema rotativo a 360 graus, que consegue captar imagens em todas as direções. "É uma criação da UAVision especificamente para este projeto", sublinha Manuel, que se formou no IST. Confirma que "tem sido um grande push para todos este trabalho", mas trabalhar com a nata da engenharia é um grande prazer"..Material criteriosamente escolhido.Descemos agora à cave onde estão enormes máquinas ruidosas. É aqui que se faz a estrutura do Ogassa. De bata azul-escura com o logótipo da empresa a esconder os calções e a t-shirt, Diogo Vicente, 31 anos, engenheiro aeroespacial, explica que este drone tem cerca de 600 peças.."Foi tudo planeado, o material criteriosamente escolhido, depois de muitos cálculos em que se teve em conta tudo o que envolve esta operação: altitude, ventos, temperatura, distâncias", afiança. Leva-nos a uma pequena divisão a cheirar a tinta onde Sandro Policarpo, 21 anos, dá os últimos retoques numa asa. Tem 4,20 metros de comprimento, de uma ponta à outra, e será depois dividida pela parte central do Ogassa..Nuno Simões sabe que todos estão a dar o seu melhor, mas não quer correr riscos de alguma coisa não ficar perfeita. "Ainda ontem mandei todos para casa às seis da tarde. Por isso é que hoje estão mais animados. Os prazos são muito apertados, mas preferimos atrasar-nos um pouco, pagar mesmo as multas previstas no contrato, do que correr riscos de alguma coisa correr mal", afiança..Este desafio foi oficializado a 19 de maio, quando, através de uma resolução de Conselho de Ministros, a Força Aérea foi autorizada a investir 4,5 milhões de euros em "12 sistemas de aeronaves não tripuladas (UAS) Classe 1 para corresponder à necessidade urgente de vigilância adicional, durante o período do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais 2020"..Dois ao serviço na terça-feira.Dada à urgência, o processo do concurso durou pouco mais de um mês e o caderno de encargos foi apertado. "Em 303 requisitos, 287 eram eliminatórios. Havia poucos requisitos operacionais. São quase todos técnicos e de um pormenor tremendo que só a UAViosion já tinha. Nunca se viu nada assim. Num concurso internacional era inadmissível", diz uma fonte conhecedora do setor..Nuno Simões refuta favorecimentos: "Não são requisitos à medida da UAVision. A UAVision é que anda há vários anos a trabalhar com as Forças Armadas e a criar 'requisitos' à medida do que nos foram pedindo. Mesmo assim, boa parte deles são novos e tivemos de os construir. É mesmo a doer.".Os primeiros dois 'drones' entram ao serviço na Lousã a partir de terça-feira, prevendo-se que na primeira quinzena de agosto estam todos operacionais, anunciou este domingo o ministro da Defesa..João Gomes Cravinho deslocou-se a Rio de Moinhos, Abrantes, para acompanhar uma ação de patrulhamento do Exército, no distrito de Santarém, no âmbito da prevenção de incêndios florestais e adiantou que, depois da entrada ao serviço destes dois 'drones', seguir-se-ão outros dois, dentre de 10 dias, em Monchique e mais dois em Macedo de Cavaleiros..Com Lusa