'In memoriam' de Maria José Nogueira Pinto (1952-2011)

O último texto de Maria José Nogueira Pinto, intitulado "Nada me faltará", publicado no Diário de Notícias no dia seguinte ao da sua morte, gerou enorme reação dos leitores, que usaram o site do DN para prestar a sua homenagem. Agora que se cumprem dez anos do desaparecimento de uma mulher extraordinária, o DN recupera as reações e o derradeiro testemunho da sua cronista.
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"NADA ME FALTARÁ

Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.

Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.

Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.

Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.

Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou -mesmo quando faltava tudo.

Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.

Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.

Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.

A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi-a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.

Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati-me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervim com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.

Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.

Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.

Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará."

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ALGUNS TESTEMUNHOS DE HOMENAGEM DOS LEITORES

Excelente, admirável testemunho e testamento de uma vida. Era uma mulher de grande beleza física e espiritual, combatente de causas, desassombrada, independente, fiel aos seus ideais. Que bom exemplo, que pena ter-nos deixado. (...). António Gouveia 7/7/2011-11.32

Até sempre Guerreira :)) É o único adjetivo que me ocorre em esse momento. Tive a honra de abrir a porta de casa, aqui em Ipanema, e comprar um livro dela. Papo fluido, solto, inteligente, e sempre com um tremendo brilho nos olhos quando se referia a Portugal. Do Rio de Janeiro, um abraço a toda a família, e ainda guardo a enciclopédia ;) Hugo Porto Soares 7/7/2011-13.30

Maria José Avilez Nogueira Pinto fica entre nós com a marca da sua extraordinária qualidade como Pessoa, a verticalidade e a frontalidade contida da sua intervenção política, a dignidade da sua postura, o rigor e sensibilidade da sua prática como líder e gestora. Admirei desde sempre a sua escrita, li-a e escutei-a com profundo prazer intelectual e humano. (...). João Santos Lucas 7/7/2011-14.37 (Singapura)

Acabo de ler o texto! Simplesmente arrepiante!! MJNP fechou com "chave de ouro" esta sua fugaz passagem pelo mundo dos vivos! Tanto quanto sei esta Senhora foi um exemplo de Mulher, um exemplo de Esposa, um exemplo da Democracia, uma Estadista, mas acima de tudo um exemplo de Mãe! As minhas sinceras condolências a toda a família e que a sua alma descanse em paz! Tenho a certeza que, esteja onde estiver, "nada lhe faltará"! Luis Miguel 7/7/2011-16.55

Magnífico, como a pessoa que o escreveu! Foi com enorme consternação que tomei conhecimento da notícia da morte de Maria José Nogueira Pinto, uma GRANDE MULHER, extraordinário exemplo para todas as mulheres, seja na esfera política seja na sua vida quotidiana! Notável inteligência, cultura, coragem, determinação e poder de argumentação! (...). Maria Teresa Carvalho 7/7/2011-17.45

Sem facciosismos de esquerda ou de direita, é lamentável que tenha morrido tão depressa uma mulher que, sem dúvida, marcou a vida política portuguesa, assumindo coerentemente aquilo em que acreditava. Com razão ou não, lamento que vão morrendo políticos com convicções, como também lamentei a morte de Álvaro Cunhal. Espero que a nossa vida política tenha sempre lugar para pessoas que sinceramente defendem a sua camisola. Fique em paz a sua memória e aprendamos dela a coerência que soube ter. Helena Castro 7/7/2011-18.39

Conheci primeiro o marido, na qualidade de meu professor universitário e, mais tarde, a mulher, ora desaparecida, na sua qualidade de política e de causas sociais, estava eu a colaborar em projetos especiais de prevenção de consumo de drogas. Fica o registo de uma mulher, de convicções, algumas com as quais me identifico. Deus (família) e acho que nem sempre a Pátria merecem pessoas boas de coração. Nem sempre concordei com ela, por vezes até divergi, mas respeito imensamente a inteligência no género feminino, como soube mostrar. E a determinação e amor que colocava nas suas causas. Deus a acompanhe, na forma em que O concebo, e em que Nele acredito. Restam as cinzas entregues ao chão de uma Pátria que nem sempre a mereceu. Isabel De Santiago 7/7/2011-21.00

DOUTORA Maria José. Sim. Só a posso tratar assim. Não pelo título, mas pelas Atitudes. Uma Senhora que é uma Grande Mulher. Sim porque vai continuar connosco. Um dos exemplos é este artigo. O conselho que dou ao DN, se me é permitido, é continuar a publicar no mesmo local do vosso jornal as crónicas desta Senhora, porque em qualquer data e qualquer época elas continuam atuais. Sim, porque a sua visão era maior que o horizonte. Será uma homenagem a quem a merece eternamente. (...). Maria Manuel dos Santos B 8/7/2011-14.44

O artigo de hoje mudou o meu dia! E o dia de toda a minha equipa com quem o partilhei. Obrigado, Maria José... Mesmo no Céu continua a fazer parte das nossas vidas com o seu extraordinário exemplo... Nuno Ferreira Pires 8/7/2011-17.41

Já li e reli este texto vezes sem conta... e de cada vez vejo mais uma coisa que me tinha escapado... ensina-nos tanta coisa! Um beijo, Maria José, sei que estás com o teu Pastor! Inês Guimarães 9/7/2011-01.33

Apreciei sempre a postura pública da Dr.ª Maria José Nogueira Pinto de grande frontalidade, coragem e sentido do dever. Uma grande senhora de que o País se pode orgulhar e que deve lembrar. Um exemplo para todos nós. É desta gente, com esta fibra, que o País está infelizmente muito carente. Paz para sempre. Rui Pinto 10/7/2011-01.44

Num tempo de tantas dúvidas é bom termos exemplos, humildes, nobres e belos, como este. Oxalá, o exemplo da saudosa Dr.ª Maria José Nogueira Pinto toque os corações e inspire as mentes dos portugueses que tão necessitados andamos de exemplos que nos elevem para os valores maiores da vida humana. Valores como o amor à Pátria, à Família e a Deus, são realidades que uma boa parte daqueles que nos têm liderado nas últimas décadas tudo fizeram para que fossem erradicados, das escolas, dos serviços públicos e da sociedade em geral. Em troca, ofereceram-nos ilusões e facilidades. Enfim, o céu na terra. Mas a vida sempre foi e será uma luta permanente, para a qual é indispensável um suporte de sólidos valores - éticos, filosóficos e morais. M. Coelho 10/7/2011-08.49

A frase que me fica do artigo e da pessoa resume a serenidade que só a Fé transmite: "... Uma vida boa, não é uma boa vida..." Olga Simão 12/7/2011-10.52

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