Imigrantes em Itália temem pelo futuro depois das eleições
Cerca de três centenas de imigrantes africanos protestaram ontem em Florença, pelo segundo dia consecutivo, depois de um vendedor de rua senegalês ter sido morto a tiro na segunda-feira por um italiano. A polícia anunciou que o crime não teve motivos raciais - o autor foi detido e disse que estava com tendências suicidas, mas arrependeu-se e resolveu antes matar a primeira pessoa que encontrou. Mas o crime surge depois de os partidos que prometeram mão de ferro contra a imigração terem conquistado mais de 70% dos votos nas eleições italianas, deixando também aqueles que estão legalmente no país a temer pelo seu futuro.
"O facto de as eleições terem ido por esse caminho mostra como está o país", afirmou à Reuters um representante da comunidade senegalesa, Pape Diaw. "A Itália tornou-se um país onde os negros são abatidos nas ruas", acrescentou. No mês passado, um homem com simpatias neonazis e ligações à Liga (o partido nacionalista mais votado da coligação de centro-direita) disparou contra migrantes africanos em Macerata, deixando seis feridos.
O senegalês morto ao princípio da tarde de segunda-feira foi identificado como Idy Diene, de 53 anos, que vendia malas, guarda-chuvas e bugigangas na ponte Vespúcio, na capital da Toscana. A polícia deteve Roberto Pirrone, de 65 anos, pelo disparo de seis tiros à queima-roupa. O italiano tem licença para porte de arma desportiva e terá dito às autoridades que queria suicidar-se (foi encontrado um bilhete em sua casa), devido a problemas com dinheiro, mas não teve coragem e pensou matar a primeira pessoa que visse. Como era uma mulher africana com uma criança, desistiu do plano, mas acabou por matar Diene.
Nesse mesmo dia, à noite, uma centena de membros da comunidade senegalesa veio para as ruas protestar contra a morte, apelando ao fim do racismo, mas também derrubando caixotes do lixo, scooters e canteiros de flores pelo caminho. Ontem à tarde, a multidão já chegava aos 300 e incluía, segundo os media italianos, elementos da extrema-esquerda. O presidente da câmara Dario Nardella, do Partido Democrático, que fora convidado para o protesto, foi obrigado a deixar o local depois de ter sido empurrado e chamado de racista. "Vou-me embora porque não quero ser um elemento de provocação, não podemos aceitar violência e insultos, a cidade tem o dever de defender os princípios de democracia e de coexistência civil", afirmou Nardella.
Nos últimos quatro anos, mais de 600 mil migrantes chegaram a Itália depois de arriscarem a vida a cruzar o Mediterrâneo - ontem foi revelado que mais 23 pessoas morreram antes de um barco de borracha e outro de madeira, oriundos da Líbia, serem resgatados pelas autoridades. O tema foi central na campanha para as eleições do passado domingo. Matteo Salvini, líder da Liga, prometeu enviá-los para casa "em 15 minutos" caso chegasse ao poder. Curiosamente, é da Liga o primeiro senador negro em Itália: Tony Iwobi é de origem nigeriana, tem 62 anos e está há 38 em Itália. Membro do partido de Salvini há duas décadas (foi eleito vereador de Spirano em 1995), tem dado a cara pela política anti-imigração e pelo slogan "parem a invasão".
A Liga foi o partido mais votado na coligação de centro-direita, batendo a Força Itália de Silvio Berlusconi, que também tinha dito que iria "apanhar essas 600 mil pessoas usando a polícia, as forças de segurança e os militares". O partido que conquistou mais votos foi o Movimento 5 Estrelas, de Luigi di Maio, que comparou os resgates de migrantes no Mediterrâneo a um "serviço de táxi marítimo" que tem de acabar. Já após a vitória eleitoral, que não garante que seja capaz de formar governo, disse que os países da Europa de Leste que não estão a aceitar refugiados têm de mudar de posição, caso contrário devem perder os fundos europeus.
As contas para a formação de governo estão complicadas, não tendo ninguém maioria absoluta. Enquanto isso, não são só os imigrantes ilegais que temem o futuro. "A Liga não devia pôr-nos a todos no mesmo saco - indianos, asiáticos, africanos", disse à Reuters Kris Sumun, de 35 anos, que deixou a Maurícia quando tinha cinco e trabalha como porteiro num edifício de Milão há 11. "Têm de perceber que há muitas pessoas que estão cá há anos e que são um recurso para o país. As pessoas com um tom de pele diferente são todas tratadas como miseráveis e pobres. Acho que as coisas vão piorar", acrescentou.