IL: és um partido e não sabias

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Um dos soundbites mais frequentes entre os nossos liberais ilustra na perfeição a sua irreverência. Perante a recetividade que as suas bandeiras ocasionalmente merecem - o alívio fiscal, as liberdades individuais, os Direitos Humanos no mundo, o limite a coimas nas portagens, etc. -, os proponentes provocam, com graça:

"És liberal e não sabias?".

Num país em socialismo há sete anos e numa Europa em guerra há um, os princípios originais - e até práticos - de um partido liberal aproximam-se do senso comum. A defesa da democracia recuperou centralidade nas relações internacionais, lá fora, e a função escrutinadora do Parlamento ganhou importância com a maioria absoluta, cá dentro. O liberalismo é amigo de ambas, e assim tem sido.

Aquilo que alguns interpretam como "o regresso do Estado" nas políticas públicas que vêm respondendo às crises - sanitária, ambiental, energética - traz desafios à agenda de um partido liberalizante, claro, mas não o despe de propósito. Se o Estado "está de volta", o seu regresso pode ser moderado e melhorado por uma visão dita liberal. Depende de quem a tiver, e a IL tem procurado tê-la.

Se a isto acrescentarmos o sucesso da Iniciativa Liberal desde a sua fundação, com oito deputados eleitos há menos de um ano e as sondagens mais recentes a duplicarem esse grupo parlamentar, havia razões para a sua convenção, este fim de semana, ter conseguido uma transição pacífica de Cotrim Figueiredo para uma nova liderança.

Manifestamente, não foi assim.

O congresso dos liberais mostrou um partido fraturado, amargurado e com vários momentos de indignidade. Sem exagero, impressiona que uma força política com cinco anos de existência tenha acumulado tantos rancores em tão pouco tempo. Os seus protagonistas, que há muito lamentam falta de visibilidade nos media, podem dar graças pelo número de eleitores que não deram atenção a estes dias.

A saída de Cotrim de Figueiredo, uma revelação como tribuno e político nacional, seria sempre problemática. A sua sucessão escusava de ser decidida em ambiente liceal.

Se escutarmos ao pormenor as acusações desferidas ao longo dos trabalhos, damos com uma Iniciativa Liberal quase como uma criança numa bicicleta, tentando tirar as rodinhas, acabando repetidamente no chão.

Mayan Gonçalves, ex-candidato à presidência da República, acusou a direção que então o apoiou de se assemelhar a um "comité central" ao estilo comunista, havendo ironicamente concorrido à chefia do Estado rodeado de gente que tem em tão baixa conta. Miguel Ferreira da Silva, fundador do partido e parte da mesma ala, afirmou que "um bom ex-líder é um líder calado", talvez esquecendo que o último ex-líder da IL - Guimarães Pinto - exerce hoje funções no Parlamento; local onde, por natureza, se fala. Carla Castro incorre na mesma incoerência, tendo sido assessora e candidata a deputada literalmente ao lado dos que veio agora considerar "autocratas".

Mas não há inocentes na IL, infelizmente para a própria. Por mais que a sua orgânica seja esculpida em torno de propostas e não de lideranças, não se faz política sem personalidades. E o abandono de Cotrim expôs uma carência dramática de quadros aptos a liderar o projeto. O partido das ideias sofre de ausência de princípios e, inclusivamente, de algum amadorismo.

Cotrim Figueiredo tinha direito a anunciar discretamente em quem votaria, mas errou ao tomar posição ativa e imediata em favor de Rui Rocha. O agora ex-líder, futuro candidato a Bruxelas, Lisboa ou Belém, deveria preservar-se na medida em que, está visto, não há ali muitos como ele. Ouvi-lo criticar uma colega por esta ter "ambições pessoais", como se a ambição fosse crime, foi verdadeiramente caricato.

Para superar este mau momento, além da noção de ter acontecido, os liberais têm de perceber que já não são uma startup política, um movimento ou um grupo de convivas. Para o bem e para o mal, um partido é um partido. Tem os seus chefes, as suas clivagens, as suas inimizades, hipocrisias e rebeliões. Não há partidos sem isto, e não há partidos bem-sucedidos que não saibam lidar com isto.

Este fim de semana exibiu uma IL que já é partido, mas que ainda não sabe lidar com o facto. "És um partido e não sabias", poderia tweetar-se.

Dores de crescimento, dirão uns. Autodestruição completa, dirão outros.

O tempo responderá a ambos.

Colunista

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