Hussain Aga Khan. Um príncipe apaixonado por tartarugas e tubarões

O segundo na linha de sucessão do Aga Khan, Hussain, é um fotógrafo subaquático e um defensor do ambiente. Inaugurou uma exposição no Museu de História Natural que conta as imagens e as história das suas paixões.
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Talvez olhar um tubarão de frente ajude a perder o medo, perceber que é um animal extraordinário, e que temos de salvá-lo da extinção - algumas das 350 espécies já vão com uma redução de 90% do número de exemplares. Talvez chamar um nome próprio, como Matilda, a uma tartaruga-verde da Bahamas, ou GeorgeDoido a uma baleia cria em Tonga ajude a despertar a consciência do mal que estamos a fazer à natureza. Talvez contar, numa fotografia, a história de um amor subaquático entre duas tartarugas, nas Bahamas, contribua para que quem a vê se sinta conectado o suficiente com aqueles animais para decidir mudar de hábitos. E salvar o ambiente.

São todas estas as convicções de Hussain, filho do príncipe Aga Khan, segundo na linha de sucessão da liderança dos ismaelitas, um ramo ultraprogressista do islão xiita. Por isso decidiu transformar o que era um hobby (de herdeiro de uma das maiores fortunas do mundo) numa ação cívica, entre o ativismo e a arte. "Faço isto para que as pessoas vejam de perto como estes animais são extraordinários e como as nossas ações estão a pô-los em perigo", diz Hussain, numa visita privada, antes da inauguração da sua exposição O Mar Vivo, no Museu Nacional de História Natural.

As suas fotografias subaquáticas - e as histórias que as acompanham - estão agora expostas em Lisboa. Fazem parte do seu projeto Focused on Nature, da fundação que leva o seu nome de família. E são lindas. Em formato grande, numa sala negra com luz dramática e areia no chão, transportam-nos para esses mares pelos quais o príncipe se apaixonou. E, guiados por ele e pela sua lente, partilhamos "a emoção, esses momentos especiais, privilegiados, como se as pessoas pudessem ver isto tudo através dos meus olhos..." Missão cumprida.

Esta não é a primeira exposição de Hussain - ele já mergulha há mais de 20 anos, desde os 14 que viaja para os trópicos, onde começou a tirar fotografias à fauna e flora em 1996, numa viagem à Amazónia brasileira. Já fez exposições nos EUA, França, Suíça e Quénia e publicou dois livros, AnimalVoyage, em 2004, e DivingintoWildlife, em 2015. Algumas das suas fotos podem ser vistas em vários blogues da NationalGeographic.

Mas esta é, talvez, a mais emblemática das suas exposições. Porque ele a trouxe para um "Museu de História Natural, algo que lhe dá um ponto de vista científico, que é o conhecimento de que precisamos para salvar os oceanos", diz. O nome da exposição contém uma espécie de ironia: esses mares que agora estão, ainda, vivos correm sérios riscos de morrer. "Com a acidificação, o plástico, o lixo. Há dez anos, quando comecei a mergulhar, não havia plástico. Hoje não há um único lugar onde não veja detritos. De Agadir ao Egito, das Bahamas à Indonésia. Temos de acabar com o plástico", diz, convicto, Hussain, que já esteve mais de 45 minutos envolto em lodo e lixo para conseguir ver alguma coisa que valesse a pena fotografar. Também por isso, o primeiro núcleo da exposição termina numa zona onde estão espalhados na areia os plásticos que o próprio príncipe apanhou na praia de Algés, com jovens portugueses.

Conhecida a ligação da família Aga Khan a Portugal - país onde tem uma comunidade de alguns milhares de pessoas, muitas delas já nascidas em Moçambique mas oriundas da Índia e do Paquistão, e aqui será instalada a sede do imamato e da grande organização filantrópica -, e sendo este um país de mar e onde mais se sentirão os efeitos do aquecimento global, fazia muito sentido estrear esta exposição em Portugal. Foi o que pensou Philippe Mendes, curador deste trabalho, luso-francês, galerista-estrela que, em novembro de 2016 conseguiu integrar um quadro português na exposição permanente do Louvre, de Josefa de Óbidos, e que mais recentemente descobriu um quadro perdido de Eugène Delacroix. "Portugal até tem um Ministério do Mar", pensou Philippe. E fez. "Dois dias depois estava a falar connosco. Pareceu-nos uma excelente ideia", conta Marta C. Lourenço, diretora do museu, que aproveitou para fazer um ciclo dedicado à "crise climática", com palestras e, lá está, deitando o olhar científico sobre o problema.

Mas o potencial da exposição do príncipe Hussain é, precisamente, o passar esse sentido científico por intermédio das emoções, que são, sempre, o que move o mundo. E que aumentam quando é ele próprio a contar as histórias daqueles animais que conhece quase um a um. E a antropomorfização ajuda. Ele sabe os nomes e as especificidades de muitos e visita alguns todos os anos. A história do casal de "namorados" tartarugas comuns é das que mais o emocionaram. "Eu estava a fotografar uma tartaruga. E de repente saiu outra detrás do recife. Eu fiquei entre elas as duas. Elas a circular à volta uma da outra. E a deixar-me ficar ali. Dei uma volta e elas aproximaram-se e fizeram este gesto de carinho. Foi um momento absolutamente notável. Sou um privilegiado. Sei-o. Nem toda a gente tem tempo nem disponibilidade para ver isto que eu vejo."

É assim que fala um príncipe apaixonado por... uma tartaruga. Ou por uma cria de baleia, louca, que o "empurrou várias vezes no mar de Tonga", a tal CrazyGeorge. Hussain tem um hadycap: uma perna e um braço quase paralisados por causa de um acidente de jetski que sofreu há uns anos. Fala do assunto sem problemas, dizendo que só o incomoda quando precisa de adaptar a lente a uma nova distância. E, por vezes, os animais são "extremamente rápidos", como é o caso dos golfinhos, os anfitriães da exposição.

Em Sataya, no Egito, Hussain conseguiu algumas das suas mais marcantes fotos, por causa da habituação dos golfinhos à presença humana. Consegue descrever exatamente a situação em que foi tirada cada uma das fotografias - como a que abre a exposição, um grupo incrível num bailado ao mesmo tempo coordenado e livre. Visita-os várias vezes e, ultimamente, ganhou uma certa noção de urgência. "Será que vão estar aqui mais dez anos?", questiona.

A área em que mais se percebem os efeitos da ação humana é nos tubarões - que são das espécies favoritas de Hussain. "Quisemos colocá-los num lugar entre os leões-marinhos e os golfinhos, para que se percebesse a sua importância", diz Xénia Geroulanos, cocuradora. Nas fotografias veem os efeitos dos anzóis nas bocas dos tubarões, e, conta Hussain que já viu um marcado por "uma bala".

Explica o príncipe: "São dos mais interessantes animais do mundo. E têm uma reputação terrível. Injusta. Só matam seis a oito pessoas por ano, em todo o mundo. E nós matamos mais de cem milhões deles por ano. São lindos. Há mais de 350 espécies." Hussain mergulha na maior parte das vezes sem oxigénio porque as bolhas afastam os animais. "Eu quase nunca me senti ameaçado por um tubarão. Só três vezes", conta. A saga humana contra os tubarões tem tanto de racional como de simbólico - os seus dentes são considerados mágicos por muitos povos do mundo.

Entre os estragos irracionais e os que se justificam pelo nosso modelo de desenvolvimento, é unânime que é preciso fazer algo urgente para que o ambiente no mundo não mude irreversivelmente. "Fomos uns completos idiotas", diz, sem pejo, o príncipe, no texto que escreveu para a exposição.

E pede alguns favores: "Podemos parar de usar plástico?", por exemplo. Outros: comprar vidro. Insistir em palhinhas reutilizáveis. Plantar mais, em todos os lugares. Comprar localmente. Não ter animais de estimação. Viajar menos, e fazê-lo de comboio. Mudar para um carro elétrico. Comer menos carne. O príncipe não tem duvidas: "É uma situação de emergência." E ele sabe do que fala.

O Mar Vivo
De 27 de setembro a 29 de dezembro de 2019
Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Mais informações sobre o programa cultural e científico aqui.

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