Após três maiorias consecutivas de dois terços no Parlamento húngaro, o primeiro-ministro Viktor Orbán enfrenta nas legislativas de hoje o seu maior desafio de sempre. Seis partidos da oposição, da direita aos ecologistas, uniram-se em torno da candidatura do presidente da câmara independente, de tendência também conservadora, Péter Márki-Zay. E transformaram estas eleições num plebiscito a Orbán, que está há 12 anos no poder..O Fidesz do primeiro-ministro continua a ser o favorito nas sondagens, mas a coligação Unidos pela Hungria chegou a estar a apenas dois pontos percentuais de distância em meados de março. "Todas a opções estão sobre a mesa", disse à AFP o analista do instituto independente Political Capital, Bulcsu Hunyadi, considerando crucial a "mobilização final" para convencer os cerca de 500 mil indecisos..Segundo a lei eleitoral, 106 dos 199 deputados são escolhidos por circunscrições eleitorais, vencendo o mais votado em cada uma delas. Os outros 93 são escolhidos de uma única lista nacional por representação proporcional, num sistema que alguns dizem beneficiar o partido no poder. Segundo alguns cálculos, será preciso a oposição vencer por uma margem de seis pontos percentuais para conseguir a maioria no Parlamento. O governo rejeita a ideia de que o Fidesz sai beneficiado.."As apostas nesta eleição são, mesmo para um velho cavalo de guerra como eu, muito mais altas do que alguma vez podia imaginar", disse Orbán. A oposição está unida no objetivo de o remover do poder e de desmantelar o modelo de "democracia iliberal" que tem defendido e que construiu desde a sua primeira maioria absoluta, em 2010, que o colocam muitas vezes em choque com Bruxelas..A mais importante missão da oposição unida é "trazer a democracia, o Estado de Direito, a prosperidade e o amor, acabando com o ódio na Hungria", disse num comício Márki-Zay. A escolha "nunca foi tão simples", acrescentou MZP (como é conhecido). O candidato saltou para a ribalta em 2018, quando surpreendeu ao conquistar a câmara de Hodmezovasarhely, um reduto do Fidesz no sul da Hungria. O país tem que escolher o caminho "da Europa, não do Leste", numa referência à aproximação tanto à Rússia como à China, querendo mostrar estas eleições como um referendo à opção entre Ocidente e Oriente..A ideia inicial do primeiro-ministro era centrar a campanha nos temas dos "valores tradicionais" e da "defesa da identidade húngara". Orbán tem ganho muito apoio com as suas políticas de apoio à família e também ganhou votos quando construiu uma vedação na fronteira para travar os migrantes e pôs entraves às organizações que os apoiam. Em paralelo às legislativas, realiza-se um referendo sobre a presença de temas relativos a orientação sexual nos programas escolares e nos media, que tudo indicava seria o dominante na campanha. Mas o debate acabou desviado para a guerra na Ucrânia.."Se queremos a paz, temos que votar no Fidesz", disse o primeiro-ministro num comício, na quarta-feira. "Se queremos arriscar a nossa paz, podemos votar na esquerda", acrescentou. Uma mensagem que tem sido repetida na televisão estatal, controlada pelo governo, onde se tem insistido que a oposição quer enviar soldados para os combates. MZP rejeita essa ideia, alegando que quer seguir a posição da NATO, mantendo-se fora do conflito e apoiando Kiev, mas o governo tem o controlo sobre a máquina propagandística e tem sido difícil passar essa mensagem..Ao contrário dos outros líderes europeus, Orbán tem mantido uma postura mais neutra em relação à invasão russa. Há muito visto como o principal aliado de Vladimir Putin na União Europeia, alegou que estava a pôr a segurança dos húngaros em primeiro lugar. Assim, apesar de ter aprovado sanções contra a Rússia e ter aberto as portas a meio milhão de refugiados ucranianos, tem recusado enviar armas para Kiev ou deixar que estas passem pelo seu território, além de ser contra a ideia de um embargo à energia russa.."A política húngara não é amiga nem da Ucrânia nem da Rússia. É amiga da Hungria", disse Orbán, cuja posição foi criticada pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. De tal forma que houve queixas de que Kiev estaria a tentar imiscuir-se nas eleições húngaras. "Nunca interferimos nos assuntos internos da Hungria e em particular em vésperas de eleições", disse o chefe da diplomacia ucraniano, Dmytro Kuleba..Membro da União Europeia desde 2004, a Hungria de Orbán tem estado em choque com Bruxelas, que lançou o mecanismo inédito que permite privar um país dos fundos europeus caso se constatem violações ao Estado de Direito. O governo húngaro tem empreendido medidas que, segundo os parceiros europeus, põem em causa a independência da Justiça no país, sendo também criticado pela lei dos media. Apesar de oficialmente o mecanismo ainda não ter sido ativado, a verdade é que Budapeste ainda não recebeu os 7,2 mil milhões de euros do plano europeu de recuperação pós-pandemia..Após anos de tensões, 2021 marcou também o divórcio entre Orbán e os conservadores europeus. O Fidesz acabou por deixar o grupo conservador do Partido Popular Europeu no Parlamento Europeu e iniciou negociações para se aproximar do grupo da extrema-direita..O governo de Orbán aprovou, no ano passado, a Lei da Proteção de Crianças, que limita o acesso dos jovens a informações sobre questões LGBT e de orientação sexual nas escolas públicas e nos media. Esta lei foi criticada pela União Europeia, que considera que viola os "direitos fundamentais" das pessoas LGBT, tendo Bruxelas aberto um processo legal..Apesar disso, o governo rejeitou voltar atrás na lei, alegando que esta tem como objetivo a proteção "dos direitos das crianças e dos pais". E optou agora por levar o tema a referendo, com os críticos a dizer que tem um propósito eleitoralista - levar os eleitores que podiam estar a pensar não ir votar até às urnas, apresentando-se como o grande protetor dos valores da família tradicional..Os críticos alegam também que as perguntas estão feitas para responder "não", dado a forma como estão formuladas. São estas as questões: "Apoia o ensino de orientação sexual a menores em instituições de educação pública sem consenso parental? Apoia a promoção da terapia de mudança de sexo para crianças menores? Apoia a exposição sem restrições de crianças menores a conteúdos de media sexualmente explícitos que podem afetar o seu desenvolvimento? Apoia a exibição de conteúdos de mudança de sexo a menores?".Viktor Orbán, o rosto do iliberalismo.Aos 58 anos, o nacionalista conservador já passou 16 na chefia do governo, 12 deles de forma consecutiva desde 2010. É atualmente o líder europeu há mais tempo no cargo. Nestas eleições, procura um quarto mandato consecutivo para o Fidesz, que fundou em 1988, ainda antes do colapso da União Soviética. A Aliança de Jovens Democratas começou por ser um partido de centro-esquerda, mas foi virando à direita, centrado nos valores nacionalistas, cristãos e da família. Licenciado em Direito, Viktor Orbán foi eleito deputado nas primeiras eleições democráticas na Hungria, em 1990. Oito anos depois, com apenas 35 anos, chegou a primeiro-ministro, mas acabaria derrotado nas eleições de 2002 e 2006 pelos socialistas. Voltou ao poder em 2010, com uma maioria de dois terços que lhe permitiu efetuar reformas profundas na Constituição, e lhe garantiu mais duas maiorias absolutas em 2014 (quando abraçou a ideia de "democracia iliberal") e 2018. A reforma da lei de imprensa e a da justiça têm sido criticadas por Bruxelas, com quem entra muitas vezes em choque. É casado e tem cinco filhos..Péter Márki-Zay: o autarca que uniu a oposição.Tem 49 anos e na sua curta carreira política já conseguiu duas importantes vitórias: em 2018, enquanto candidato independente, foi eleito presidente da câmara de Hodmezovasarhely, uma cidade de província de 44 mil habitantes que era reduto do Fidesz, no sul da Hungria. E em 2021 foi escolhido nas primárias da oposição, que inclui desde partidos liberais e ecologistas a formações conservadoras, para ser o candidato da união contra Viktor Orbán. "Nem direita, nem esquerda, mas para cima!", é o lema da campanha de Péter Márki-Zay, que se apresenta como o candidato anti-elite e anticorrupção. Com formação em marketing, economia, engenharia eletrónica e história, MZP (como é conhecido) viveu no Canadá e nos EUA, entre 2004 e 2009. Admitiu ter sido um apoiante de Orbán em 1998, tendo ficado desiludido após o seu regresso ao poder em 2010. Apelidou-o de "ditador corrupto e traidor dos valores europeus e do cristianismo" e acusou-o de construir "um regime autoritário, tipo a Estrela da Morte na Guerra das Estrelas". Católico praticante, o candidato é casado e tem sete filhos..susana.f.salvador@dn.pt