"Tudo o que eu quero para o Natal é democracia", diz um cartaz, "Vik-ta-tor", canta um manifestante. Têm sido dias agitados na Hungria, com as manifestações contra o primeiro-ministro Viktor Orbán a engrossar, com a oposição húngara unida pela primeira vez contra o político ultranacionalista e eurocético e líder do partido Fidesz. No passado domingo, 15 mil pessoas desafiaram temperaturas negativas para se manifestarem nas ruas de Budapeste..Em causa está aquilo a que os trabalhadores, os manifestantes, os opositores chamaram "lei da escravatura", ou seja, uma lei que permite aos empregadores aumentar de 250 para 400 o número de horas extraordinárias anuais que os trabalhadores podem fazer, permite aos empregadores fazerem acordos de horas extraordinárias diretamente com trabalhadores, não apenas em negociações coletivas com os sindicatos e permite aos empregadores liquidar os pagamentos daquelas mesmas horas extraordinárias até um prazo de três anos. O prazo era, até agora, de um ano..As novas medidas, aprovadas há uma semana, surgem como a solução do governo para responder à falta de mão-de-obra disponível no país. Da qual diz que as empresas se queixam. Em nome da economia. Face à quebra na população.."Eu estou a protestar porque os nossos pais deixaram uma democracia livre no nosso país para nós nos anos 1990 e agora nós, chegados à idade deles, estamos a aprender o que é sentir medo", disse na segunda-feira, à reportagem da CNN, uma professora de Inglês que não quis ser identificada porque o seu patrão depende do financiamento do governo. E acrescentou: "Eu protesto porque eles nos roubaram o nosso passado, o nosso presente e o futuro dos nossos filhos. Eu protesto porque o meu país adorado perdeu toda a sua liberdade."."A chamada 'lei da escravatura' é altamente impopular, as sondagens sugerem que 80% dos húngaros estão contra, por isso não só é impopular como a forma como foi passada no Parlamento é contestável", afirmou, à CNN, Marta Pardavi, copresidente do grupo de defesa dos direitos humanos Hungarian Helsinki Commitee..Estes protestos, constatam alguns analistas, são diferentes dos de 2014 e de 2016. "É a primeira vez que os partidos da oposição, dentro e fora do Parlamento, estão a cooperar e a trabalhar para evitar que estas leis vão para a frente", declarou também ao site daquela cadeia norte-americana o analista do think tank húngaro Political Capital Bulcsu Hunyadi..Esta segunda-feira, dia em que houve igualmente manifestações em Budapeste, dois deputados independentes que tentaram ler uma petição na televisão pública foram expulsos do interior da mesma de forma violenta. A cadeia de televisão recusou dar tempo de antena aos vários deputados da oposição que queriam ler ao país uma lista de cinco exigências. Um deputado de centro-esquerda, da Coligação Democrática, László Varjú, foi visto a ser transportado de ambulância. Posteriormente, foi citado pela rádio Club a dizer que sofreu ferimentos após confrontos com um dos seguranças da estação de televisão.."Os políticos da oposição tentaram chantagear os funcionários da MTVA dizendo que se as suas exigências não fossem cumpridas milhares de pessoas em fúria, que estavam a protestar nas ruas, podiam entrar cá dentro", declarou a MTVA em comunicado, sem confirmar agressões aos deputados, especificando apenas que um deles, Ákos Hadházy, "tentou aceder à zona operacional e o pessoal da segurança chamou-lhe a atenção". Como este não respeitou, prosseguiu o comunicado, foi removido do edifício da estação pública juntamente com a deputada Bernadett Szel..Além de estarem contra o aumento das horas extraordinárias, a chamada "lei da escravatura", os húngaros estão também nas ruas para contestar os tribunais administrativos também agora aprovados pelo governo de Orbán. O chamado sistema judicial paralelo ou tribunais paralelos ficarão sob a alçada do ministro da Justiça húngaro, consolidando o domínio do poder executivo sobre o judiciário, uma vez que os juízes serão chamados pelo governo para lidar com questões como a lei eleitoral, a corrupção, o direito a manifestações sem ser necessário recorrer para o Supremo Tribunal Europeu da Hungria..O governo de Orbán acusa a oposição de estar a instigar "a cometer atos de violência contra a polícia" e denunciou que entre os manifestantes, muitos que se envolveram em confrontos com as forças de segurança, "são pessoas pagas a soldo por George Soros". O filantropo americano, de origem húngara, é alvo frequente das acusações de Orbán, e também das suas medidas. Em junho, o governo húngaro tornou crime a ajuda a imigrantes ilegais, por parte de indivíduos e organizações, uma decisão que foi vista como sendo direcionada a ONG como a de Soros e, por isso, muitos chamam-lhe "lei trava Soros". Soros fundou, nos anos 1990, a rede Open Society Foundation..O Fidesz goza de uma maioria de dois terços no Parlamento da Hungria e, desde 2010, o governo assumiu o controlo de várias instituições independentes e muitos meios de comunicação são dominados por aliados de Orbán. Desde contestar as quotas para a redistribuição de migrantes e refugiados na União Europeia, a erguer uma vedação para impedir a entrada dos mesmos, alterar a Constituição, interferir no poder judicial, perseguir os media, retirar autonomia ao meio académico, restringir liberdades como a religiosa e a de associação, Orbán já fez de tudo um pouco, de tudo um pouco para retirar a Hungria do clube dos países de plena democracia e de vigência do Estado de direito. Mas, que para ele, é um país soberano. A 100%..Este ano, o Parlamento Europeu recomendou que fosse ativado o artigo 7.º do Tratado da União Europeia contra a Hungria. Este prevê como sanção máxima a suspensão dos direitos de voto de um Estado membro na União Europeia. A recomendação terá ainda de receber luz verde do Conselho Europeu, o que não será propriamente fácil, pois Orbán goza de alguns aliados, como a Polónia. Defensor do que diz ser uma "democracia iliberal", Orbán, de 55 anos, já chegou mesmo a ser apelidado de "[Hugo] Chávez da Europa" pelo ex-eurodeputado franco-alemão ecologista Daniel Cohn-Bendit..Entre altos e baixos nas relações Budapeste-Bruxelas, o chefe do governo húngaro ameaçou processar a UE, o presidente da Comissão Europeia acusou líderes europeus como Orbán de espalharem propositadamente fake news. No passado, Jean-Claude Juncker já chegou a cumprimentar Orbán dizendo: "Olá ditador." Na brincadeira. Mas mesmo assim dizendo. Além disso, Orbán obrigou a toda uma discussão dentro do Partido Popular Europeu (PPE), ao qual ainda pertence, sob pena de poder vir a retirar o Fidez do grupo parlamentar europeu após as próximas eleições para o Parlamento Europeu. Estas estão previstas para maio e é esperada uma subida dos partidos eurocéticos e nacionalistas na eurocâmara. Algo que poderá pôr ainda mais em causa o chamado projeto de integração europeia..Euodeputados portugueses, como a socialista Ana Gomes, manifestaram a sua preocupação em relação à Hungria. "Se a Comissão Europeia e o Conselho Europeu nada disserem, o governo autoritário de Viktor Orbán vai sentir-se respaldado para cometer todo o género de violações de direitos", afirmou nesta terça-feira, à Lusa, a eurodeputada eleita pelo PS, sobre a expulsão de dois deputados húngaros que na segunda-feira tentaram divulgar uma declaração na televisão pública. Paulo Rangel, eurodeputado eleito pelo PSD, afirmou, em declarações à mesma agência: "Tem havido, da parte do governo húngaro, violações a cláusulas do direito de Estado que exigem uma posição de crítica por parte da Comissão Europeia."