Dois homens ingleses sentados à mesa num restaurante partilham pequenas grandes inconfidências sobre a vida sexual, enquanto gracejam à volta da palavra "gay" e da sua equivalência com a alegria e a felicidade. Corre o ano de 1965, quando a homossexualidade ainda era considerada crime no Reino Unido (só deixou de ser depois de 1967), e não surge como um pormenor insignificante que estes comensais sejam figuras da classe política. Terminado o almoço, fazem um brinde com cálices de vinho do Porto, em jeito de celebração, e um deles diz para o outro: "não passamos de um par de velhas rainhas". Que outra tirada melhor para arrancar com o genérico de A Very English Scandal?.A série realizada por Stephen Frears (Ligações Perigosas, A Rainha) e escrita por Russell T. Davies (Doctor Who) adapta, em três episódios, o livro homónimo de John Preston sobre o caso Jeremy Thorpe, o líder do Partido Liberal que nos anos 1970 se constituiu o primeiro político britânico a ser julgado por conspiração e tentativa de assassinato. Thorpe é Hugh Grant, um dos homens da conversa indiscreta no restaurante. O outro, Peter Bessell (Alex Jennings), o melhor amigo deste, que vai estar do seu lado quando um ex-namorado de Thorpe, Norman Scott (Ben Whishaw), levanta uma séria ameaça sobre a sua reputação, endereçando uma extensa carta à mãe do político a descrever, sem meias palavras, pormenores da relação homossexual que manteve com ele. Ao longo dos anos, as cartas que o próprio Thorpe escreveu - que incluem o uso de um cómico apelido - voltam para o assombrar, e o terror de tal segredo vir a público parece ter como única solução o desaparecimento do "empecilho" Scott..Se este último, interpretado pelo talentoso Ben Whishaw (que venceu um Globo de Ouro), é um jovem pobre, desprotegido e psicologicamente frágil, o Jeremy Thorpe de Hugh Grant é o senhor do espetáculo. Nele podemos vislumbrar a referência da personagem de Clive, o promissor político levado a reprimir a sua homossexualidade em Maurice (1987), de James Ivory - o papel com que Grant iniciou a carreira no cinema -, e identificar também pontos de contacto com a genica e a vileza das suas mais recentes personagens em Florence, Uma Diva Fora de Tom (2016), já sob a direção de Stephen Frears, e Paddignton 2 (2017). Este é um Hugh Grant de corpo inteiro que acena de longe ao "ator de comédias românticas" para mergulhar plenamente nas subtilezas de uma performance de jogada política e charme inglês. Não há nada em desarmonia na sua pose de figura carismática, que se presta a dois casamentos para manter as aparências, e a expressão íntima de quem está quase a deixar cair a falsa segurança, mesmo sendo impossível sair do armário..Da mesma maneira, o que distingue A Very English Scandal é o equilíbrio perfeito entre a comédia a tingir para o negro e o drama ágil, com notas inesperadas de ambas as partes. Tudo nesta série tira partido da sumarenta página queer para refletir o establishment inglês, no decorrer de duas décadas, e a partir daí moldar uma tensão jocosa: de um lado encontramos Thorpe, o homem resguardado por privilégios, predador e sem visível embaraço moral; do outro, Scott, um ser tão-só dependente da bondade alheia, que ficou a zumbir à volta da cabeça do primeiro. A uni-los à distância está uma montagem de absurdos que vestem elegantemente. E parte dessa sofisticação deve-se à escrita de Russell T. Davies. Os diálogos combinam de tal forma o bom humor com o tom sério que nem se sentem as dobras da transição entre um e outro..Para a história ficou o julgamento de Jeremy Thorpe, que presenteou o público britânico com um bom escândalo em ambiente institucional. E tudo isso é matéria "muito, muito inglesa" ao longo de três horas deliciosas, altamente recomendáveis. Outros três episódios estão anunciados para 2021.